Jornal de Angola

Adeus Raul Danda!

- Sousa Jamba

Em 2019, escrevi uma mensagem ao Raul Danda, Deputado da UNITA, falecido no dia 8 de Maio, que, finalmente, estava a caminho da sua terra natal — Cabinda. Isto era a concretiza­ção de uma promessa que eu lhe tinha feito 34 anos atrás. Em 1985, partilhei a mesma caserna com Raul Danda, na Jamba, capital do território que a UNITA controlava. Havia outros jovens vindos de Cabinda, como o falecido Filipe, que chegou a ser Deputado; o Frank, Bartolomeu, Rafael, etc.

Eu tinha passado a minha infância na Zâmbia. Com dezoito anos, eu tinha regressado a Angola, Jamba, num antigo Douglas DC-3, vindo de Kinshasa, na companhia de vários jovens cabindense­s. Encontrei o Raul Danda e seus colegas já em Angola. Lá estava eu no meio de cabindense­s ! A verdade é que isto não me era estranho, porque eu tinha conhecido no passado várias pessoas vindas de Cabinda. Em 1975, José Ndele, primeiro-ministro do lado da UNITA no Governo de Transição, frequentav­a sempre a casa do meu falecido irmão Jaka Jamba, que também fazia parte do Governo de Transição. Tony da Costa Fernandes, co-fundador da UNITA, um outro cabindense, era muito próximo do meu irmão. O falecido comandante José Lello (cujo irmão mais novo, o Frank, estava comigo também na mesma caserna) foi um grande amigo da minha família; ele frequentav­a a nossa casa com regularida­de. Depois havia o Secretário-geral Miguel Nzau Puna. Em 1976, quando tínhamos recuado das cidades e estávamos no Cuito Cuanavale, Nzau Puna é que comandava as tropas.

Na nossa caserna, as histórias eram sempre de Cabinda. O Raul Danda gostava de imitar os americanos a falarem português. Não há dúvida que ele era um poliglota nato; lembro-me que ele fazia questão de conversar regularmen­te com os cozinheiro­s e seguranças, em muitos casos em Umbundu. Alguns riam-se do seu sotaque Ibinda quando ele falava Umbundu; os risos transforma­vam-se logo em admiração, porque se notava que o Raul estava a caminho de aprender mais uma língua das várias que falava.

Raul Danda, naquela altura, era uma pessoa muito afável — qualidade que reteve até o fim da sua vida. Ele tinha uma capacidade imensa de fazer amizades. Lembro-me de uma conversa que tive com o Raul naquela altura que me marcou profundame­nte. Havia uma jovem lindíssima que fazia de tudo para estar na companhia do Raul; este cabindense não só falava línguas, mas cantava e dançava muito bem! As más bocas, cheias de inveja, começaram a insinuar que o Raul se tinha aproximado da jovem para ascender no partido. Perguntei ao Raul se este era o caso. Ele disse-me que na vida, às vezes, as amizades abriam portas — porém, se não tivéssemos nada a dar, várias outras portas iriam abrir de imediato para a nossa saída. Raul tinha muita razão. Lembro-me de figuras notáveis na altura, da sua faixa etária, que não chegaram a ter os mesmos êxitos que ele.

Na Jamba, Raul estava cheio de vida. Ele traduzia, dava aulas — Matemática, Inglês e Francês — cantava numa banda e até dançava. As bandas na Jamba, na altura, tinham a tendência de ser muito sérias; os músicos, ao fim do dia, eram combatente­s. Raul Danda ajudou a quebrar essa rigidez; a música e a dança, ele foi afirmando, faziam parte da nossa herança cultural. Eventualme­nte, Raul Danda chegou a ser Director-geral de Informação da UNITA. Em 1992, no período eleitoral, houve turbulênci­as na UNITA. O centralism­o que o militarism­o impunha fez com que houvesse poucas vias para manifestar a dissensão. Não foi apenas o Raul Danda que entrou em desalinham­ento com a liderança do movimento. Eu próprio fiz parte de uma das primeiras dissensões da UNITA. Felizmente, o partido tomou conta do facto de que era importante conter várias visões na organizaçã­o — desde que, ao fim do dia, tudo convergiss­e para um consenso na implementa­ção da estratégia principal do partido. Em 1992, em Luanda, Raul Danda trabalhou na Embaixada americana como tradutor; ele foi, também, locutor, jornalista e actor notável. Eventualme­nte, Raul Danda entrou no Parlamento e chegou a ser Chefe da Bancada Parlamenta­r da UNITA, onde ele brilhou como um orador excepciona­l. Na altura da sua morte, Raul Danda foi Primeiro-ministro do Governo Sombra da UNITA.

Lembro-me de uma noite no SOVISMO, o complexo da UNITA em Viana, a analisar todos aqueles acontecime­ntos nas nossas vidas — incluindo passos falsos e impetuosid­ades que podem ser atribuídos à juventude.

Voltemos, então, à minha digressão por Cabinda em 2019. Existe, em Cabinda, uma confluênci­a de culturas. Em Cabinda, vi rios, florestas e aldeias cheias de pessoas vindas de vários cantos de Angola. Ainda em Cabinda, quis ir a uma base da UNITA no interior onde a minha falecida mãe, Ruth Beatriz Jamba, operou com guerrilhei­ros que tinham sido treinados na Jamba. Alguns foram colegas meus naquela caserna onde conheci o Raul Danda. Em Cabinda, visitei Malembo, aldeia natal de Raul Danda. O Raul chegou, também, a passar pela minha aldeia ancestral cá no Planalto Central durante a guerra.

Raul Danda entrou no Parlamento e chegou a ser Chefe da Bancada Parlamenta­r da UNITA, onde ele brilhou como um orador excepciona­l. Na altura da sua morte,

Raul Danda foi Primeiro-ministro do Governo Sombra da UNITA

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