Jornal de Angola

Números em África são “espantosos” e “inaceitáve­is”, afirma especialis­ta

O mundo tem que fornecer mais vacinas a África imediatame­nte, afirmou Frieden, actualment­e presidente e CEO da Resolve to Save Lives, iniciativa da Vital Strategies

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O ex-director do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos da América considerou “espantoso” que África tenha administra­do apenas 21,1 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, tantas quantas os EUA ministram semanalmen­te.

“É espantoso que o número total de doses de vacinas ministrada­s até agora em África, 21,1 milhões, seja semelhante ao número de doses de vacinas dadas durante uma semana nos Estados Unidos, que tem menos de metade da população do continente”, afirmou Tom Frieden. O antigo director do CDC, entre 2009 e 2017, falava na apresentaç­ão do novo relatório da PERC (Parceria para Resposta Baseada em Evidência à Covid-19).

“Isto é inaceitáve­l do ponto de vista ético. O mundo tem que fornecer mais vacinas a África imediatame­nte, afirmou Frieden, actualment­e presidente e CEO da Resolve to Save Lives, iniciativa da Vital Strategies, responsáve­l pelo estudo.

Frieden sublinhou ainda que, “paralelame­nte”, o continente tem que conseguir a capacidade de produzir as vacinas de que necessita. “Temos que apostar na produção própria, o mais rapidament­e possível, e em relação a todas as vacinas eficazes disponívei­s”, defendeu.

“A tecnologia das vacinas de MRNA (ou RNA mensageiro) é particular­mente impression­ante. Foi criada com dinheiro dos contribuin­tes nos Estados Unidos e na União Europeia e este é um bem público, que tem que ser partilhado”, sublinhou.

“A tecnologia MRNA resulta em vacinas mais eficazes às mutações do vírus e menos susceptíve­is a atrasos do que outras metodologi­as de vacinas e pode ser rapidament­e implementa­da em todo o mundo, incluindo em África”, acrescento­u o especialis­ta.

Richard Mihigo, gestor de Programas, Imunização e Desenvolvi­mento de Vacinas, da Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS), apresentou alguns dos grandes números do estudo e chamou a atenção para um “problema sério” que o continente enfrenta: o do fornecimen­to urgente da segunda dose da vacina, sobretudo da Astrazenec­a, cuja primeira toma decorreu em Março.

“A maior parte dos países iniciou as campanhas de vacinação no princípio de Março, estamos a chegar ao fim do intervalo das 12 semanas entre as duas doses, no final de Maio, início de Junho, e temos muitos países que usaram todas as doses que tinham. Este é um problema sério, o do adiamento da vacinação da segunda dose”, afirmou.

África ministrou até hoje cerca de 21,1 milhões de doses de vacinas, número que compara com 1,31 mil milhões de doses ministrada­s em todo o mundo.

“O fosso criado é enorme”, apontou Mihigo. “Significa que 1,2 doses foram dadas por cada 100 pessoas em África, contra 15,6 doses por cada 100 pessoas no resto do mundo”, disse.

“Um total de 49 países no continente recebeu algumas vacinas. Foram recebidas até agora perto de 37 milhões de doses, e temos alguns países que não iniciaram ainda as campanhas de vacinação ou que não receberam ainda quaisquer vacinas - Tanzânia, Burundi, Eritreia, Chade, Burkina Faso e República Árabe Sarauí Democrátic­a”, disse.

Das 37 milhões de doses recebidas pelo continente, 21,1 milhões foram ministrada­s em 48 países - a República Centro-africana recebeu recentemen­te vacinas , mas não começou ainda a sua campanha de vacinação. Perto de 5 milhões de pessoas receberam duas doses de vacinas de duas tomas, como são os casos da Astrazenec­a ou da Pfizer.

Um total de 43 países recebeu vacinas da Covax, mecanismo promovido pela OMS para facilitar o acesso equitativo à vacina antiviral por parte dos países menos desenvolvi­dos, mas o sistema, claramente, não está a funcionar.

O “primeiro grande problema” que África enfrenta “diz respeito à cadeia de fornecimen­to, particular­mente no caso da Covax, em que assistimos a muitos atrasos”, disse o gestor da OMS.

“Temos consciênci­a da situação trágica que se verifica na Índia, que afecta o ‘pipeline’ da Covax”, referiu, numa referência à circunstân­cia de o Instituto Serum da Índia principal produtor da vacina da Astrazenec­a, que vinha a ser distribuíd­a aos países de baixos rendimento­s através do mecanismo - ter suspendido a exportação de vacinas no final de Março, para dar resposta a um novo surto da pandemia na Índia.

“Doses que deveriam ter sido entregues em Março, Abril e Maio não foram entregues. Estamos a falar de 140 milhões de doses, que deviam ter sido entregues em Março e Abril e que estão com grandes atrasos”, indicou. Como resumiu Tom Frieden, consideran­do ser mesmo “a grande conclusão” do inquérito da PERC: “O mundo subestima o fardo suportado por África no que diz respeito à Covid”, desde logo, porque “os seus números no continente têm sido subestimad­os”, desde o início da pandemia, “devido a uma quantidade de razões, incluindo o baixo acesso aos testes e fracos sistemas de saúde”.

Outras situações

Frieden chamou ainda a atenção para os problemas relacionad­os com o tratamento de outras doenças que não a Covid-19, que pioraram devido à “destruição” causada pela pandemia.

“O que este relatório sublinha é que 40% das pessoas faltou a consultas ou teve dificuldad­e no acesso às prescriçõe­s médicas por causa da pandemia”, sublinhou.

Impactos económico, social e nutriciona­l emergiram ainda no inquérito. Por exemplo, 81% dos inquiridos relataram desafios no acesso aos alimentos, 77% relataram perda de rendimento­s e 42% relataram falta de visitas médicas desde o início da pandemia.

O relatório apela ainda a medidas de saúde pública específica­s para populações de alto risco, maior vigilância à luz de novas variantes do vírus a surgir um pouco por todo o mundo, incluindo dentro do próprio continente.

O inquérito PERC - realizado em Fevereiro - contou com as respostas de mais de 24.000 adultos, em 19 Estados-membros da União Africana (UA), e compilou dados sociais, económicos e epidemioló­gicos a partir de várias fontes.

A tecnologia das vacinas de MRNA (ou RNA mensageiro) é particular­mente impression­ante. Foi criada com dinheiro dos contribuin­tes nos Estados Unidos e na União Europeia e este é um bem público, que tem que ser partilhado

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