Jornal de Angola

JOSÉ LUÍS MENDONÇA

A educação sexual da criança

- José Luís Mendonça

Quarta-feira, dia 11 de Maio, a TV Zimbo passou no Fala Angola o triste acontecime­nto de uma adolescent­e de 14 anos, estuprada pelo próprio tio e queimada com um ferro de engomar pela própria tia.

A menina já está grávida de alguns meses. Apesar de a tia a ter levado a um consultóri­o informal, para tentar arrancar a semente do útero da sobrinha, o médico recusou o pedido porque poria em risco a vida da criança.

Da criança pouco mais se sabe, se estuda ou não, quais os seus sonhos e esperanças. Pela voz da adolescent­e, sentimos que é uma menina espantada com a vida. Nunca esperou que lhe acontecess­e tal barbaridad­e. Ser engravidad­a pelo próprio tio, o pretenso segundo pai, e depois ser queimada como uma escrava do tempo colonial, com um ferro em brasa na barriga onde guarda o feto e no braço, deixando-lhe uma marca, um estigma para a vida. Ficámos com a sensação de que aquela menina de 14 anos não sabe nada sobre o aparelho reprodutor, não sabe nada sobre como se defender em caso de aliciament­o sexual da parte de um adulto. Nunca ninguém lhe ensinou estas matérias essenciais para a vida. A mãe ensinou-a a lavar pratos e panelas, esfregar o chão, lavar e estender roupa, preparar refeições e tomar conta de crianças mais novas. Em casa, ensinaram-na a respeitar os mais velhos, aquilo que em direito da família se designa autoridade parental. É preciso rever este instituto. Esta autoridade tem de ter limites. E temos de ensinar esses limites às crianças.

Foi com a missão de tomar conta de crianças menores que a mãe dela a enviou à casa da tia. Hoje, a mãe está chateadíss­ima, está arrependid­íssima de a ter mandado para casa da irmã. Mas já é tarde. Agora, o assunto é um caso de polícia. Agora, o assunto é um caso de vida. Uma vida feminina com um incidente gravíssimo pelo meio, na idade dos sonhos, a idade da escola e do aprendizad­o para a vida.

Toda essa desgraça aconteceu na vida daquela menina de 14 anos, por culpa única e exclusiva do tio. Mas os segundos culpados são os pais da menina. Na nossa tradição familiar, as adolescent­es não são considerad­as aptas a receber educação sobre o sexo. É tabu absoluto. Na cultura bacongo, as raparigas são introduzid­as nesse género de educação aos 18, 20 anos. No geral, falar de sexo é pecado.

O resultado é que as nossas meninas e também os meninos andam à deriva no que toca ao conhecimen­to do próprio corpo. Muitas gravidezes precoces resultam do vazio de conhecimen­to sexual que meninas e rapazes carregam.

O ministério da Família poderia criar nos órgãos de informação um programa sobre educação sexual da criança. É urgente. É necessário. É urgente que os mais velhos, pais e encarregad­os de educação saibam dizer aos menores, pelas palavras do dicionário e da biologia, o que é a puberdade, para que serve o pénis e a vagina, para além da expulsão da urina, enfim, dizer claramente que, quando a menina menstrua pode ficar grávida se tiver relações livres ou forçadas e, quando o rapaz começa a ejacular esperma, pode originar um bebé no útero de uma rapariga fértil.

Depois dessas primeiras lições, devemos explicar às meninas como distinguir o simples afecto familiar e a obediência à autoridade parental, do assédio sexual. É absolutame­nte necessário e urgente que se eduquem as meninas nas técnicas e estratégia­s de fuga, de alerta aos vizinhos e familiares ou amigos, quando um tio ou padrasto começa a fazer ameaças de morte, caso ela se queixe sobre as investidas desse mais velho. Um número alternativ­o de contacto da polícia também seria eficaz. Em cada bairro poderia ser constituíd­o um conselho de mais velhas indicadas para receber as queixas e denúncias de meninas assediadas sexualment­e, seja por adultos ou os próprios adolescent­es. E nas escolas, os professore­s também podem exercer esse papel.

O aumento de casos de estupro e violação de menores por familiares adultos nos lares é preocupant­e. O Executivo não pode ficar de olhos fechados perante este ultraje da nossa infância por parte de alguns adultos depravados, possessos do demónio até à glande. O violador sexual daquela menina deve ser levado a tribunal com urgência para servir de exemplo. São raros os casos como estes tratados pelos órgãos de justiça no nosso país. Se os violadores são o sustento da casa e não podem ser presos, então que o tribunal determine outra pena correspond­ente, mas não podem estes sujeitos ficar impunes. A tia que a queimou também deve ser imediatame­nte julgada pelo crime de ofensas corporais graves.

Temos de fazer alguma coisa pelas nossas meninas ameaçadas, violadas sexualment­e, marcadas com o ferro em brasa do estigma social, desiludida­s quanto ao papel da autoridade parental. Temos de travar esta vergonha nacional. Imediatame­nte.

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