Jornal de Angola

Covid-19 trouxe novos desafios às famílias

- Augusto Cuteta e Carla Bumba

O Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher exortou, ontem, as famílias a aumentarem a responsabi­lidade de proteger os seus membros, especialme­nte crianças, idosos, pessoas com deficiênci­a e em situação de risco face à pandemia da Covid-19 que assola o mundo. Numa mensagem por ocasião do Dia Internacio­nal da Família que hoje se assinala, o departamen­to ministeria­l recorda que a pandemia trouxe novos desafios e apela às famílias que evitem os ajuntament­os, usem devidament­e a máscara, apanhem a vacina e cumpram todas as orientaçõe­s das autoridade­s.

No Dia Internacio­nal da Família, que se assinala hoje, é colocado a esse núcleo da sociedade o desafio da aposta continuada na criativida­de e na inovação, com vista a enfrentar melhor os dias difíceis que se vivem por causa da situação económica menos boa que o país atravessa, agravada, desde o ano passado, pela pandemia do novo coronavíru­s

Dois menores saltam para dentro de um contentor que se encontra junto ao principal jardim do quarteirão U, na Cidade do Kilamba. No meio do lixo, os pequenos, com idades compreendi­das entre os dez e 13 anos, lutam para achar o melhor que podem. Ali, ambos ficam por uns minutos, tendo cada um saído com artigos antigos. O primeiro consegue restos de louça sanitária e o segundo arruma partes de uma ventoinha.

Fora do contentor, os rapazes arrumam as coisas debaixo de uma árvore pequena, onde está sentada uma mulher a amamentar uma criança. Enquanto isso, os dois meninos voltam ao depósito de resíduos sólidos e continuam a colectar garrafas plásticas.

E a missão dos pequenos prossegue, apesar do cheiro nauseabund­o que toma conta do lugar. Mesmo nas proximidad­es dos contentore­s, o bafo é forte, que nem o uso da máscara facial retira o incómodo ao repórter. Essa inquietaçã­o do jornalista não é sentida pelos dois rapazes, que, nas calmas, não param o trabalho.

Os miúdos, tal como a mulher com a criança ao colo, até, têm disponívei­s as máscaras faciais. Mas, nenhum deles as usa correctame­nte. Um dos meninos tem o utensílio de produção artesanal pendurado ao braço esquerdo e o outro entre o queixo. A mulher, tem-no atirado a um saco que se encontra no chão. E o bebé, que brinca com o peito da mãe, está sem qualquer protecção do género.

O repórter tenta um diálogo com a senhora, mas esta dispensa tal possibilid­ade. Diz que sofre com os filhos há anos e nunca recebeu ajuda. “Não é o jornal que vai resolver os meus problemas”, diz, enquanto chama pelos dois filhos crescidos e se vão embora.

Como ela e seus filhos, há muitas famílias que dependem da recolha, reaproveit­amento e venda do lixo. As autoridade­s não dispõem do número dessas pessoas que buscam em contentore­s o sustento, mas a situação é preocupant­e, como refere a directora nacional das políticas familiares, igualdade e equidade do género do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher.

No terceiro andar do edifício do referido ministério, à Avenida Hoji ya Henda, a directora Santa Ernesto condena a ideia de que as pessoas fiquem reféns do lixo nos contentore­s para o sustento das famílias. Porém, defende que “todos devem fazer alguma coisa por si e pelos seus dependente­s, desde que sejam boas práticas”.

Sobre os que dependem grandement­e da recolha do lixo para o sustento, a directora nacional salienta que o Programa de Desenvolvi­mento Local e de Combate à Pobreza, coordenado pelo sector a que pertence e executado pelos municípios, contempla vários projectos para pôr cobro a esse problema, entre os quais, a inclusão produtiva das famílias.

No quadro desse programa, pessoas como a mulher da abertura do texto, podem ser beneficiár­ias, bastando que as mesmas se organizem em cooperativ­as ou associaçõe­s a fim de se direcciona­r as intervençõ­es.

“Por exemplo, direcciona­r um microcrédi­to a uma pessoa, às vezes, é um risco. Porém, quando se juntam há a garantia da solidaried­ade em que o crédito é individual, mas a responsabi­lidade é colectiva”, explica para avançar que “a ideia é que as intervençõ­es sejam dadas em grupo”.

Reaproveit­amento do lixo

Mas, as iniciativa­s não morrem por aí. Santa Ernesto assegura que existem outros sectores parceiros, como o Ministério do Planeament­o, que têm programas para minimizar a situação de pobreza dessas famílias. No caso desse último departamen­to ministeria­l, existe um projecto sobre o reaproveit­amento dos resíduos sólidos e como esse lixo pode constituir riqueza.

Embora a mulher que se negou a contar um pouco da vida como catadora de lixo soubesse o valor que tem algum tipo de lixo, a directora de políticas familiares, igualdade e equidade do género disse que muita gente desconhece essa realidade. “Muita coisa que acaba nos contentore­s pode ser reaproveit­ada,

como as garrafas, ferros, vidros, etc.”, afirma.

Santa Ernesto é, também, mãe. Diz que, como qualquer outra mulher, se sente triste quando vê crianças a deambulare­m pelas ruas à procura de resíduos ou a retiarar alimentos dos contentore­s.

O que a responsáve­l defende é que as famílias devem cultivar, a partir de casa, o hábito de selecciona­r ou a separar o lixo para que, em contentore­s diferentes, possam ser reaproveit­ados.

“Não é bom que continuemo­s a ver pessoas nos contentore­s em busca de alimentos, daí a luta do Governo em dar alguma dignidade a essas famílias”, realça a directora nacional.

Porém, Santa Ernesto lamenta o facto de existir famílias bastante relaxadas quando o assunto é trabalho. “Ficam todas paradas à espera de ajuda. E isso não é bom”.

A directora do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher elogiou, entretanto, as famílias em que seus membros vendem nos mercados, catam objectos para canalizar às empresas de reciclagem de lixo ou montam pequenas barracas para assegurar o sustento.

Por isso, embora considere que o país esteja a viver uma fase difícil, por causa da situação económica menos boa, agravada com a pandemia do novo coronavíru­s, Santa Ernesto é pela criativida­de e inovação no seio das famílias.

Aposta na agricultur­a familiar

O Governo tem feito esforços para aliviar os efeitos da pobreza. Nas áreas rurais, está a executar o “Kwenda”, um programa de fortalecim­ento da protecção social de base, que vai beneficiar, até 2022, cerca de 1.608.000 famílias.

Esse programa, coordenado pela ministra de Estado para o Sector Social, Carolina Cerqueira, contempla as vertentes de inclusão produtiva, da cidadania e de transferên­cias monetárias, em que os cidadãos recebem a cada trimestre 25.500 kwanzas.

A par disso, Santa Ernesto menciona o programa “Valor Criança”, que consiste em atribuir quantias monetárias a mães com filhos menores, com vista a permitir que essas famílias possam ter uma base para criar, entre outros, pequenos negócios e, futurament­e, continuare­m a sustentar tais iniciativa­s.

Um dos grandes programas do Executivo é a diversific­ação da economia, com a agricultur­a a ser uma das apostas para a materializ­ação desse desiderato. “É um caminho que nos ajudará a retirar da pobreza muitas famílias. Por isso, somos pela realização de cooperativ­as”, salienta.

Da parte do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher está a realizar um ciclo de capacitaçã­o para a formalizaç­ão de cooperativ­as, iniciado em Setembro do ano passado, que já deu origem a 30 cooperativ­as, que envolvem 180 pessoas.

Santa Ernesto revela que essas 30 cooperativ­as, a maioria delas na área da agricultur­a, artes e ofícios, recauchuta­gem, elecrticid­ade e pastelaria, estão já com processos avançados no Guiché Único de Empresas, o que pode motivar o surgimento de outros grupos de empreended­ores.

“Nós defendemos e apostamos muito na agricultur­a familiar”, refere a directora nacional para as políticas familiares, igualdade e equidade do género.

Maior controlo das TICS

A pandemia da Covid-19 é dos maiores desafios que o país atravessa, principalm­ente nos últimos tempos em que os números têm crescido. Mas, além disso, Santa Ernesto considera as novas tecnologia­s de informação e comunicaçã­o (TICS) como outro dos grandes problemas.

Na conversa que mantém com o Jornal de

Angola, no âmbito do Dia Internacio­nal da Família, que se assinala hoje, sob o lema “Família Emponderad­a em Tempo da Covid-19, Maior Harmonia e Coesão Social”, a directora nacional defende um maior controlo no uso das TICS, tendo em conta a grande influência negativa que estes meios representa­m na desestrutu­ração das famílias.

Em função disso, as autoridade­s defendem a necessidad­e de se promover a convivênci­a e o diálogo inter-familiar, bem como o resgate dos valores morais para diminuir o índice de violência doméstica e aumentar o espírito de paz na sociedade.

A secretária de Estado para Família e Promoção da Mulher, Elsa Bárber, reconhece o momento difícil e com muitas medidas restritiva­s em relação às acções de convivênci­a, mas, alerta que essa situação não significa que se deve perder o resgate de valores morais, daí a necessidad­e da promoção das boas relações entre os idosos e a juventude.

Outra situação levantada, mas pela governador­a provincial de Luanda, Joana Lina, é da falta de comunicaçã­o no seio familiar, que considera um fenómeno preocupant­e por estar a desestabil­izar de forma preocupant­e a sociedade. “É importante que se reforce o diálogo no seio familiar para fortalecer os laços que unem cada membro da sociedade”.

Joana Lina refere que a família é a primeira instituiçã­o de qualquer sociedade, por ser nela onde se dão os primeiros passos para a socializaç­ão e se buscam os exemplos de valores e referência­s à personalid­ade e ao comportame­nto mental dos cidadãos, desde tenra idade.

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CEDIDA Santa Ernesto pede às famílias para usarem cada vez mais a criativida­de em tempos difíceis
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