Jornal de Angola

Quem tudo quer pode tudo perder (III)

- Carlos Calongo

Pouco animada pela forma como sentiu-se (mal) tratada na aula anterior, naquela sexta-feira, 13, também conhecida como dia de azar, Mariana acordou totalmente indisposta, com cara de quem não tinha graça para desperdiça­r com quem quer que fosse, tão pouco com o professor de Matos.

A vontade em faltar às aulas martelava os miolos da jovem, que pouco se importava com o facto de que, tal atitude, pudesse ser o princípio e abertura da possibilid­ade de abandonar o sonho em tornar-se médica e cumprir a promessa de honrar a memória da mãe e da avó materna, já moradoras das terras do além.

A quente, a menina não percebeu que estava a tomar uma daquelas decisões que se encaixam bem nos provérbios da oralidade angolana segundo os quais “Quando a cabeça não regula, o corpo é que paga”, ou “O arrependim­ento só vem muito mais tarde”.

Sem deixar escapar a sua decisão, após ao banho pouco demorado e caprichado em relação aos outros dias em que acorda exarando boa disposição e ambição para vencer na vida, a jovem decidiu expor a exuberânci­a do seu charme pelas ruas de Luanda, sem observar um itinerário previament­e definido.

Encontrar alguém que a tratasse com carinho e atenção, sentimento que mulher nenhuma dispensa era, se calhar, o que Mariana queria para aquele dia, nem que fosse para falarem de coisas fúteis que não faziam o estilo dela, aliás só a trazia amargas recordaçõe­s das amigas de infância, pouco evoluídas no trato do verbo.

Como de costume, trajada a preceito da estação do ano, em pleno mês de Julho, a travessia do viaduto fronteiriç­o entre o Cazenga e o Rangel foi, mais uma vez, feito a pé, em passo de gazela, despertado­r da atenção até do mais cauteloso condutor, pois, de beleza, a menina coça mesmo.

Em cada apinhado de gente nas paragens em que passava, não faltavam olhares desejosos e tendencios­os de quem, por poucos segundos que fossem, não titubearia­m em ter um amistoso com a estudante de medicina, intenções que, não podendo ser expressas, morriam à nascença.

Como qualquer mulher que se confia, desprezand­o os comportame­ntos típicos dos automobili­stas que não podem ver mulher linda, colocam logo o pé no freio para oferecer caronas, quase sempre com segundas, terceiras ou sabe-se lá quantas malignas intenções, confirmou-se a sina de que aquela sexta-feira,13, era mesmo de azar.

Na zona do pica-pau, cujas memórias precisam ser colocadas em livro, pelo valor que o local ocupa na história do processo da luta de libertação nacional do nosso país, um carrão topo de gama para bem juntinho ao passeio em que Mariana desfila, em passo galopante, qual gazela a desmarcar-se da maldade humana que devasta a fauna angolana e as suas espécies animais e vegetais, muitas delas em via de extinção.

A súbdita voz que ecoou do interior da viatura confirmou que, afinal, azar não é só óbito: “Estudante, suba que a deixo ficar na Faculdade”… Num ápice, Mariana perturbou-se, por pouco não se perdeu em orgias em hasta pública, porque começou a transpirar, em incompreen­sível contraste com o clima cinzento do dia.

Quem seria?...nada mais que o Professor. Ele mesmo, o Dr Matos, que dias antes fora pouco afável com a estudante que, de olhos abertos, não parava de suplicar aos anjos para a livrar de tão inesperado e sufocante encontro, não fosse o professor, a última pessoa que Mariana queria ver naquele dia.

O professor Matos tinha o rádio do carro justamente sintonizad­o numa emissora que abordava a condição do Real Madrid, -assunto que figurou na abertura desta plêiade de textos -, e, dizia o comentaris­ta de plantão, que face às limitações da equipa, a ambição do Real em ganhar a Champion e a La Liga foi um erro estratégic­o, e agora está numa clara condição de aceitar que “Quem tudo quer pode tudo perder”. E o que isso tem a ver com a vida de Mariana? A história responderá.

Como qualquer mulher que se confia, desprezand­o os comportame­ntos típicos dos automobili­stas que não podem ver mulher linda, colocam logo o pé no freio para oferecer caronas, quase sempre com segundas, terceiras ou sabe-se lá quantas malignas intenções, confirmou-se a sina de que aquela sexta-feira,13, era mesmo de azar

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