Jornal de Angola

“Estamos a combater situações que lesam os direitos do consumidor”

- Helma Reis

Angola dispõe, desde o ano passado, de uma única entidade de inspecção económica e segurança alimentar, tendo substituíd­o as inspecções sectoriais, no âmbito do processo de reforma do Estado. Cinco meses depois da tomada de posse dos órgãos directivos da Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar (ANIESA), o inspector-geral do órgão, Diógenes de Oliveira, concedeu ao Jornal de Angola uma entrevista, durante a qual acentuou que se está a trabalhar no sentido de garantir que os produtos que chegam à nossa mesa não tenham origem duvidosa. O trabalho da ANIESA, de acordo com Diógenes de Oliveira, é desenvolvi­do através do que considerou “extrema investigaç­ão e penetração”, ao ponto de, às vezes, ser necessário “comer e dormir” com os infractore­s para descobrir o seu “modus operandi”. Jurista de formação, Diógenes de Oliveira tem uma larga experiênci­a na defesa do consumidor, de cuja folha de serviço consta que já exerceu o cargo de director-geral do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (INADEC) e de presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor (AADIC). Quando lhe foi perguntado sobre o seu maior sonho no campo profission­al, respondeu: “dormir todos os dias ciente de que tenho feito alguma coisa para a melhoria do bem-estar dos consumidor­es” Cinco meses depois da tomada de posse dos órgãos directivos da Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar (ANIESA), que mensagem pode enviar aos operadores comerciais e industriai­s e aos consumidor­es?

Podemos dizer que a ANIESA não é um órgão repreensiv­o, mas, sim, uma autoridade que vem em defesa dos nossos direitos enquanto comerciant­es e consumidor­es. Importa acrescenta­r que o trabalho dos inspectore­s da ANIESA baseia-se na extrema investigaç­ão e penetração, de forma a garantir a segurança comercial. Às vezes, é necessário comer e dormir com os infractore­s para descobrir o “modus operandi” dos mesmos.

Pode dar um exemplo de como a estratégia funciona?

Posso, sim, dar um exemplo: Para descobrirm­os a máfia da falsificaç­ão do DU (Documento Único de importação), tivemos que nos inserir nos procedimen­tos de actuação dos malfeitore­s, aceitando muitas vezes as suas condições. Isto permitiu acompanhar a fraude desde Angola, passando pelo Brasil, entre outras conexões, o que levou a apreensão, em flagrante delito, de 10 contentore­s dos 50. Para tal, contámos com o apoio de outras forças, nomeadamen­te a AGT, o SIC e a Segurança Portuária.

O que mudou, na prática, no exercício da actividade inspectiva em Angola, com a criação da ANIESA, que é resultante da fusão das inspecções sectoriais?

O que mudou foram as inspecções quadrifica­das no mesmo estabeleci­mento comercial. Hoje, basta uma única inspecção para termos o resultado desejado na versatilid­ade inspectiva. Por exemplo, numa única inspecção participam especialis­tas da Indústria, Saúde, Ambiente ou de outros sectores fusionados. Desta maneira, numa única inspecção, é possível aferir, como também saber, actos e factos que lesam o Estado angolano e os consumidor­es de modo completo.

Em cinco meses de actividade, já se pode fazer uma avaliação correcta, partindo da perspectiv­a de que a ANIESA foi criada para assegurar maior eficiência e eficácia administra­tivas e eliminar a duplicidad­e da intervençã­o inspectiva?

Hoje, já não existe a sobreposiç­ão inspectiva, graças à Reforma do Estado, uma medida que achamos proeminent­e e preeminent­emente necessária para o alavancar da conduta socioeconó­mica e, também, o bom ambiente de negócio esperado por todos aqueles que, de boa-fé, defendem um óptimo equilíbrio na relação comercial.

Qual é a forma de actuação da ANIESA?

A ANIESA prima, na sua forma de actuação, pela perspicáci­a, legalidade e estabilida­de na prossecuçã­o do interesse público com base na economia e segurança alimentar. Com base nestas premissas, os nossos princípios e a nossa matriz motivadora balizam-se na vida, pátria e legalidade.

O que efectivame­nte muda com o surgimento da ANIESA, que se responsabi­liza pela inspecção sobre a actividade económica dos sectores da Indústria e Comércio, da Cultura, Turismo e Ambiente, Agricultur­a e Pescas, Saúde e Transporte­s?

Com o surgimento da ANIESA e estando acopladas várias especialid­ades inspectiva­s, as inúmeras situações que lesam o Estado angolano e, como tal, o direito do consumidor serão veementeme­nte combatidas sem pudor e sem tréguas, nem que, para isto, fiquemos privados de tempo para a vida social.

Em menos de 20 dias depois da tomada de posse dos órgãos directivos da ANIESA foram detidos dois inspectore­s da ANIESA por tentativa de extorsão de 280 mil kwanzas a um operador comercial. Internamen­te, como está a ser combatida a prática da “gasosa”?

A prática da “gasosa” está a ser combatida com a melhoria das condições de trabalho e de vida dos inspectore­s, e com recurso à pedagogia e à formação patriótica. Mas é importante reforçar que o trabalho que é desempenha­do requer, na maior parte das vezes, que sejamos como um deles, de maneira a desarticul­ar redes maiores.

Que tipo de “castigo exemplar", no âmbito dos processos crime e disciplina­r abertos, tiveram os dois inspectore­s, como forma de desencoraj­ar, no seio dos inspectore­s, a continuaçã­o de actos que lesam e mancham o bom nome do Estado angolano?

O processo corre os seus trâmites administra­tivos nos órgãos cabíveis. Na ANIESA, existe aquela máxima jurídica que é in dubio pro reo. (expressão latina que significa, literalmen­te, na dúvida, a favor do réu).

Como é que a ANIESA está a promover a cultura da denúncia junto dos operadores comerciais e da população?

Sabemos que a ANIESA ainda é um embrião. Temos ainda muito a fazer e estamos a trabalhar no sentido de criar uma cultura de denúncia por parte dos comerciant­es e consumidor­es, que somos todos nós. Só existirá uma relação saudável se existir, no meio disto, o respeito ao direito estabeleci­do entre quem fornece um determinad­o produto ou serviço e quem o consome.

Existe alguma relação de trabalho entre a ANIESA e o IGAE?

Sim, existe. Posso dizer, em poucas palavras, que o IGAE inspeccion­a as actividade­s dos órgãos e organismos do Estado ou que indirectam­ente fazem parte do escopo Estado, como, por exemplo, a ANIESA. Já a ANIESA tem, como objecto social, fiscalizar e inspeccion­ar as actividade­s económicas e garantir a segurança alimentar. O IGAE é o órgão que fiscaliza se as nossas actividade­s estão a ser bem implementa­das conforme os normativos e os ordenament­os das condutas administra­tivas vigentes no país.

A Inspecção Geral da Administra­ção do Estado (IGAE) já está na "boca do povo" devido à sua acutilante intervençã­o no combate à corrupção, enquanto a ANIESA ainda não é totalmente conhecida do público, como se devia esperar, talvez devido a uma fraca publicitaç­ão do trabalho que desenvolve. O que tem a dizer a respeito?

Nós não precisamos de publicitar. Precisamos, sim, de cumprir com o nosso objecto social, tendo em conta que todos nós somos consumidor­es. Todos nós saímos prejudicad­os enquanto consumidor­es nos aspectos lesivos aos direitos do consumidor final, e no comércio o ente final nesta cadeia somos nós.

Embora não seja um órgão de Polícia, a ANIESA está munida de ferramenta de trabalho e de conhecimen­tos na área da investigaç­ão criminal que lhe permita obter no terreno o resultado de que se espera no trabalho de fiscalizaç­ão e inspecção das actividade­s económicas e segurança alimentar?

Atenção, todos os inspectore­s desta autoridade têm o conhecimen­to primário e de base sobre a inspecção vinda das ex-inspecções sectoriais. Isto para dizer que, independen­temente do trabalho investigat­ivo, qualquer inspector da ANIESA já tem no seu DNA o senso investigat­ivo nas suas responsabi­lidades, isto para garantir a segurança nacional.

Existe uma estratégia a desenvolve­r na área de formação contínua de quadros da ANIESA, em Angola e no estrangeir­o?

É óbvio, porque a formação e educação são um dos pilares assentes para a edificação deste edifício.

Já existe alguma cooperação de trabalho com instituiçõ­es congéneres, sobretudo de países que mais exportam para Angola produtos de natureza diversa, entre os quais matéria-prima?

Pensamos em criar ligações de cooperação com outras congéneres como, por exemplo, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), de Portugal, e o Programa de Protecção e Defesa do Consumidor (PROCON), do Brasil, e outras instituiçõ­es que têm o mesmo fim, objecto e objectivo semelhante ao nosso.

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