Jornal de Angola

O ladrar dos “cães VIP”

No “Pet Shop” da Maianga, andam a desfilar rações e raças caninas sobre as quais, às vezes, aos humanos sobe a ideia de certa invalidez. Foi neste espaço que o pastor alemão do corpulento Pascoalito cruzou o rafeiro do sempre magrinho Alex

- Víctor Júnior |* *Pseudónimo de Isaque Lourenço, Jornalista

Só não fosse coincidênc­ia, todos eles, donos e seus cães, já nasceram na nova Maianga. O bairro Salazar já era mesmo Mártires de Kifangondo e o Mbondo ya Mbulungu estava reduzido ao Prenda. Foram-se os embondeiro­s e com eles a sorte de muitos. Na retina de Pascoalito e Alex, a sua “bwala” agora só tem lá os “zazá” ou “retrós”, que também estão a ser despojados das cantinas e negócios de rua pelos “mamadus”, donos e senhores do espaço.

O que Pascoalito (in)compreende é a razão de o raçudo do amigo Alex hoje ladrar contra o seu rafeiro num calmo olhar e sem espanto do contemporâ­neo.

Amigos amigos, negócios à parte. Soa o cantar das palavras que se apoiam nos dizeres populares, para mediar o conflito entre o raçudo e o rafeiro.

A porta do “Pet Shop” talvez não fosse o melhor dos cenários para o (re)encontro (in)feliz dos amigos de ontem, conhecidos de hoje. O ginásio mudou a fisionomia do ex-franzino Pascoalito e as estigas do bairro para os “frangotes” eram agora só mesmo para o Alex, embora este tivesse decidido treinar artes marciais e todas as técnicas de auto-defesa, para também se proteger.

Mas o bem alimentado cão do Pascoalito não dá um palmo ao rafeiro do Alex. O distanciam­ento da robustez dos caninos reflecte-se na dos respectivo­s donos.

Foi por aqui que nos subiu a lembrança de um tão nostálgico encontro, porquanto os cães, conforme fez questão de nos situar o kota Domingos, ladram ante uma ameaça ou quando em situação de desafio. Porém, esqueceu-se o kota que os raçudos, que hoje desfilam pela cidade com coleiras de luxo e se alimentam de uma apurada dieta animal, também ladram por não pretendere­m partilhar a sua refeição com os outros; desconfiam dos que se aproximam e negam, até mesmo, aos outros a cedência de um palmo da sua zona de conforto.

Em palavras miúdas, já dizia a velha Sambita, sobre estes cães de raça e bem alimentado­s, que estão a ladrar de barriga cheia. A tirar o sono de quem precisa e a pôr em ameaça a sobrevivên­cia dos que também pretendem conquistar o direito de andar e espreitar, ao menos, pelo passeio e partes vidradas de um “Pet Shop”. A diferença é como eles e outros encaram a ideia de trabalho em equipa e a igualdade de oportunida­des.

Os “cães VIP” ladram sem fome e negam dar ao semelhante o que é repartível. Gritam com pequeno toque ou um simples piso ligeiro de uma patada humana.

No fundo, eles têm é medo de perder os “tachos” que no tempo das festas em “bar aberto” abundavam, mas que, por restrições às importaçõe­s, agora são mais raros.

As orelhas antenadas de sobreaviso são reflexo de uma matilha atenta aos perigos, mas que a todo o custo quer alimentar a sua fome de vaidade sem olhar às necessidad­es de quem vai ao seu lado. Esquecem-se da chegada de um tempo novo onde cada um deve procurar partilhar, mas mais do que isso reproduzir as boas experiênci­as para diminuir os gemidos dos rafeiros, que não tendo o direito de ir já a um “Pet Shop” pela porta principal reclamam, como que num miar de gatinhos, por melhores oportunida­des.

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