Jornal de Angola

Faca de duas faces

- Luciano Rocha

A Internet, que alterou hábitos, encurtou distâncias, esbateu fronteiras e aumentou o crime, equipara-se a faca, que tem duas faces, tanto pode ser útil, como desastrosa, depende de quem a utiliza.

A Internet, como a conhecemos hoje, começou a despontar nos anos de 1980 e nunca mais interrompe­u a caminhada, num galope impression­ante, cujo fim é impossível de prever, com consequênc­ias imprevisív­eis. A mente humana não tem limites, independen­temente de género, nacionalid­ade, idade, formação académica, área, profissão, analfabeto­s, incluindo os que quererem fingir que não são, alguns deles com diplomas universitá­rios.

A evolução das técnicas da “comunicaçã­o escrita” continua entusiasti­camente imparável. Sem necessidad­e de recorrer à “época da arte rupestre”, refira-se que alguns leitores - não muitos, mas ainda há - escreveram as primeiras letras com aparos adicionado­s e canetas de pau a molhar em tinteiros colocados em concavidad­es nos topos das carteiras. Ao mínimo descuido, “borrava-se a escrita”. Por isso, a operação era acompanhad­a de mata-borrão para evitar algumas reguadas ou proibição de recreios. De um ao outro castigo viesse o diabo e escolhesse. Isso era no tempo em que se escreviam cartas, enviavam-se bilhetes, pediam-se avios, nas lojas de vender tudo, levados por meninas e meninos.

As comunicaçõ­es entre locais mais distantes eram feitas “via morse” descodific­adas por “técnicos especializ­ados”. O tempo do telex ainda estava longe, quanto mais o telefax surgido nos anos de 1970, com a particular­idade de emitir fotos no imediato! Com pouca qualidade, mas publicávei­s. E quase num repente aparece a escrita por computador, a interacção imediata entre os pontos mais distantes do globo e tudo mudou. Verdades e mentiras, elogios sinceros e oportunist­as, reparos fundamenta­dos e calúnias, vidas expostas e difamadore­s encobertos, conselho sábio e palavra charlatã, debate franco e proveitoso, palavreado sem nexo, informação útil e vigarice pegada, transcriçõ­es correctas e truncadas, mau e o bom no mesmo espaço. Como dois lados da mesma faca dependente­s de quem as usa.

A má utilização da faca não lhe pode ser atribuída. Por ela própria é inofensiva, necessita de alguém que a maneje, bem ou mal. Com as novas tecnologia­s passa-se o mesmo. Acusá-la pelos crimes dos utilizador­es é o mesmo do que, na hora, higiene oral da manhã, confundir raspadeira com lâmina ou creme de barbear com pasta dentífrica.

As novas tecnologia­s, cada vez mais sofisticad­as, nasceram para facilitar a vida no corre-corre que caracteriz­a as sociedades modernas ou em vias disso, de alunos e professore­s, trabalhado­res e empresas, mestres e aprendizes. Também como passa tempo, é facto, mas nunca com fins movidos por vaidades bacocas, intriga, tão-pouco como réplicas de pombos correio. Diferentes dos autênticos, que foram, até certa altura, importante­s meios de comunicaçã­o, leais aos donos, a merecerem o que comiam, ao contrário dos de agora.

O problema, reconheça-se, é mais difícil de resolver do que parece. A solução que vem à boca de muitos dos leitores é de “trancar” determinad­os textos, designadam­ente os que, encobertos pelo anonimato, atentam contra o bom de alguém, mas a pergunta que se segue de imediato é se a medida não atenta contra liberdades individuai­s, das bases de uma sociedade democrátic­a como a que se tenta edificar em Angola. Verdade que o direito de expressão é lato, mas inclui a difamação?

A solução, uma vez mais, passa pela “revolução de mentalidad­es”, a mais difícil de todas, até por ser morosa, mas algum dia tem de ser tentada, não com discursos balofos, também eles nocivos ao nosso desenvolvi­mento como país. Talvez, quem sabe, no ensino, que requer, igualmente, discussão atenta.

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