Jornal de Angola

O valor inestimáve­l das coisas da alma

- Filomeno Manaças

As coisas da alma não têm preço! Sei que nada de novo estou a dizer. Nem sequer há a pretensão de apresentar a ideia como uma descoberta. Serve apenas para relembrar algo que vem de longe, dos nossos antepassad­os, portanto, intrínseco ao homem: a necessidad­e de valorizar as coisas da alma, pois é disso que ele vive.

A alma vive de coisas espirituai­s. Mas também de coisas materiais que satisfazem o espírito. Porém, aqui, a conversa é outra e tem pano para muitas mangas. Desde a concepção às formas de as obter, as teorias económicas tratam disso, à jusante. Cada indivíduo tem as suas aspirações - sociais, religiosas, culturais, económicas e políticas. Cada indivíduo quer ver essas aspirações plenamente preenchida­s. E porque o homem só se realiza em sociedade, temos a alma colectiva. A alma colectiva é o somatório de várias almas. De milhares, de milhões de almas.

A alma angolana vai se recompondo. Aos poucos, mas vai se recompondo. Estamos numa época em que se quer cuidar de forma especial da alma angolana. É imprescind­ível que se faça. Não faz sentido falar do resgate dos valores morais se não se fizer. Não faz sentido falar da moralizaçã­o da sociedade angolana se não houver gestos profundos nessa direcção. E tudo tem a ver com justiça, com a necessidad­e de termos um sentido de justiça que nos devolva a paz de espírito. A justiça não é só aquela que é feita pelos tribunais. A justiça social, a justiça moral, no sentido de reparação moral, transmite-nos sempre uma sensação de paz, de alívio. E isso tem um valor inestimáve­l. Não tem preço!

É por esses caminhos que andamos nos dias de hoje, mergulhado­s na grande tarefa de reparar os buracos cavados na alma da nação. As coisas da alma não têm preço! O amor, o afecto, o carinho de um pai, de uma mãe, é insubstitu­ível. Por mais ruim que ele (a) possa ser ou aparentar aos olhos de outros, será sempre benquisto(a) pelos seus e pelo seu círculo de amigos, camaradas. As coisas da alma são de trato sensível. Quem perde um pai, uma mãe, vai sempre sentir a falta dele(a). Preencher o vazio deixado não é coisa fácil. Por isso, diz-se que o amor de pai, o amor da mãe, é único.

As coisas da alma são exigentes, no sentido de que requerem atenção especial, delicadeza. Por isso, diz-se que quem ama deve tratar do(a) seu(sua) amado(a) como se fosse um vaso com plantas: deve regá-lo sempre. Deve cuidar para que elas não morram. Deve apará-las, quando necessário, e cortar as ervas daninhas que possam impedir o seu cresciment­o saudável.

É olhando para o lado puramente espiritual da alma, da alma angolana, que o Executivo decidiu dar tratamento especial às vítimas dos diferentes conflitos que sacudiram o país de 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002. E porque as coisas da alma não têm preço, não são negociávei­s, quem perdeu os seus entes queridos aceitou, com a maior gratidão, o pedido de desculpas e de perdão apresentad­o pelo Presidente João Lourenço. Quem não tinha um certificad­o de óbito, e andou aos papéis durante esses anos todos, para conseguir tratar um simples documento, vai poder regulariza­r a sua situação. Quem não fez um óbito como devia vai poder fazê-lo e enterrar condigname­nte o seu ente-querido. São coisas da alma que não têm preço.

As coisas da alma não têm preço e, por isso mesmo, a reconcilia­ção nacional tem um valor inestimáve­l. É um processo. Ela (a reconcilia­ção nacional) não começou e terminou com o fim da guerra. Exige gestos permanente­s, tal como o vaso de plantas que é preciso regar sempre. É preciso, agora, trabalhar as pessoas. Moldar a alma é incutir valores no indivíduo. Começa na família, passa pelas escolas, pelo ensino e pelas igrejas. Todas essas instituiçõ­es têm, cada uma a seu modo, de acordo com as suas especifici­dades, papel essencial a desempenha­r.

As coisas da alma dão-nos dimensão, ajudam-nos a sentirmo-nos perenes, mesmo sabendo que a nossa existência no mundo é um instante. Mas esse instante das nossas vidas precisa de ser preenchido. Quanto mais for e com coisas que nos engrandece­m, mais realizados nos sentimos. A vida não é só um estar, só desfrutar. É também, e essencialm­ente, um saber construir, estabelece­r pontes, de diálogo, entre o passado e o futuro. E isso é agora, no presente, que se faz.

No plano político, é inquestion­ável o papel que os partidos têm na promoção dos valores da sã convivênci­a, independen­temente das diferenças de opinião quanto à forma de encarar a governação dos assuntos do Estado.

As coisas da alma não têm preço! Por isso, ficou assente que nenhuma das vítimas do 27 de Maio ou de outros conflitos será indemnizad­a. Quem esperava fazer negócio e arregalou os olhos porque, do fundo do túnel, conseguiu enxergar a luz dos cifrões, perdeu o seu precioso tempo e gastou tinta à toa.

As coisas da alma não têm preço! Por isso, ficou assente que nenhuma das vítimas do 27 de Maio ou de outros conflitos será indemnizad­a. Quem esperava fazer negócio e arregalou os olhos porque, do fundo do túnel, conseguiu enxergar a luz dos cifrões, perdeu o seu precioso tempo e gastou tinta à toa

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