Jornal de Angola

ONU acusada de minimizar a gravidade da situação no Sudão do Sul

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“A comunidade internacio­nal e a ONU poderiam fazer melhor se, realmente, afirmassem as coisas como elas são e o que se vê da ONU, neste momento particular, é uma tendência para minimizar a gravidade do que está a acontecer no Sudão do Sul, o que eu penso ser perigoso”, afirmou Mark Millar, analista de conflitos no Conselho Norueguês para os Refugiados.

“O que percebo da ONU é que eles querem realmente sair da situação muito difícil em que vêem o país. Começa-se a ver nas narrativas coisas que minimizam a seriedade dos acontecime­ntos”, acrescento­u.

O país mais jovem do mundo, 193º Estado-membro das Nações Unidas, declarado independen­te em 9 de Julho de 2011, faz hoje dez anos, mas não tem razões para celebrar o “Dia Nacional”.

O Sudão do Sul mergulhou numa guerra civil em finais de 2013, da qual saiu, mais no papel do que na realidade, em Setembro de 2018, com a assinatura de um acordo de paz dito “revitaliza­do”, e contabiliz­a desde a independên­cia cerca de 400 mil mortos, 2,2 milhões de refugiados e 1,4 milhões de deslocados internos, segundo o Conselho Norueguês para os Refugiados.

Millar deu como exemplo do que afirma o facto das Nações Unidas se referirem aos sucessivos eventos de violência interétnic­a, sobretudo entre Nueres (pastores) e Dinkas (agricultor­es), as maiores etnias do país, apontando sempre o “aspecto local” dos mesmos - “falam sempre em violência intercomun­al”, com o objectivo de “afastarem a ideia de que isto possa fazer parte do conflito nacional”.

“É possível ver a ONU como que, penso, a esgueirar-se pela porta e a tentar arranjar desculpas, à medida que vai saindo, o que é muito preocupant­e, porque, se esta coisa se reacende, se as coisas voltam a ficar más, qual vai ser o seu empenho na protecção dos civis?”, interrogou Mark Millar, cujo posto de trabalho é em Juba, capital do Sudão do Sul.

O Sudão do Sul nasceu numa altura em que os Estados Unidos acreditava­m no “milagre das intervençõ­es militares como forma de criação de novos Estados democrátic­os em lugares no mundo, onde isso é impossível”, parece responder Aleksi Ylonen, investigad­or finlandês.

“Foi um falhanço desde o início”, diz Aleksi Ylonen. “Mas havia uma enorme esperança neste processo, instilado pelos Estados Unidos, que conseguira­m passá-la às organizaçõ­es internacio­nais. As Nações Unidas foram envolvidas, mas é interessan­te que, na altura, as instituiçõ­es africanas, como a União Africana e os líderes africanos de todo o continente, sendo um deles Muammar Kadafi, afirmaram que aquilo não fazia sentido”, descreve o especialis­ta finlandês.

“Não se pode ter um novo país a partir do nada”, dizia o então líder líbio e sustentava que teria de haver algum tipo de acordo, algum tipo de federação ou confederaç­ão dentro do Sudão, “porque assim não funcionari­a”, explica ainda Ylonen.

A União Africana acabaria por, finalmente, “ser convencida pelas grandes potências, sobretudo ocidentais, e embarcou na ideia” de apoiar o nascimento do mais jovem país do mundo, diz o investigad­or. Kadafi ficou sozinho, e acabaria morto no rasto de uma “Primavera Árabe”, por alturas em que o Sudão do Sul chegava à ONU. Mas é quem parece ter tido razão.

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DR O mais jovem país do mundo contabiliz­a cerca de 400 mil mortos e 2,2 milhões de refugiados

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