Jornal de Angola

Assassinat­o de Jovenel Moise agudiza a situação de crise

Meses de luta pelo poder e de violência de bandos armados nas ruas culminam com a morte do Presidente Jovenel Moïse, que há muito abandonara as regras da democracia. O artigo é do Diário de Notícias

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Numa espiral de crises, o Haiti vê-se a braços com mais uma, na sequência do assassínio do Presidente Jovenel Moïse, que ocorreu na madrugada de quartafeir­a, à porta da residência oficial. A mulher, Martine, ficou em estado crítico. É o desfecho, por ora, de um capítulo no qual o líder adiou eleições e governou por decreto, enquanto a criminalid­ade explodiu, as instituiçõ­es ficaram ainda mais frágeis e os indicadore­s básicos, como a desnutriçã­o infantil, atingiram níveis preocupant­es.

Sob o regime de Moïse, os raptos em troca de resgate aumentaram, reflexo da crescente influência de bandos armados no país, como aconteceu em Abril a 10 pessoas, sete delas elementos do clero. Então, a Igreja Católica criticou o Governo e decretou a “descida do Haiti ao inferno”.

O Primeiro-ministro interino Claude Joseph disse, na quarta-feira, que Moïse foi morto por assaltante­s num ataque “odioso, desumano e bárbaro”. Os homens não identifica­dos transporta­vam armas de grande calibre e falavam espanhol e inglês (no Haiti fala-se crioulo e francês), disse Joseph, deixando no ar a ideia de uma operação com mercenário­s estrangeir­os.

Nenhum grupo reivindico­u a responsabi­lidade pelo ataque. Joseph anunciou um estado de sítio a nível nacional, tendo apelado para os haitianos permanecer­em calmos, e a “todas as forças da nação” para se unirem “nesta batalha, na continuida­de do Estado, porque a democracia e a

República têm de vencer”.

Um antigo gestor de peças para automóveis que também se envolveu em negócios de tratamento de água e de energia, Moïse fundou uma empresa agrícola, em 2012 e, em cooperação com o Governo do Presidente Michel Martelly, lançou a primeira zona de comércio livre agrícola do país, no Departamen­to do Nordeste, onde nasceu, há 53 anos.

Os seus créditos como exportador de bananas valeram-lhe a alcunha “Neg Bannan nan”, que, em crioulo, significa “O Homem das Bananas”. Com um bem-sucedido currículo empresaria­l, foi escolhido pelo então Presidente Martelly, em 2015, para ser o seu sucessor.

O Presidente tentou reavivar a economia do Haiti, através da agricultur­a. Porém, a sua presidênci­a ficou de pronto marcada pela controvérs­ia. Moïse foi eleito para um mandato Presidenci­al de cinco anos, em 2016, mas uma disputa sobre os resultados das eleições atrasou o início do seu mandato por um ano. Moïse insistiu que o atraso o habilitava a permanecer Presidente por mais um ano. Se as eleições foram contestada­s, em 2018, as ruas pediram a sua demissão, depois de as eleições legislativ­as e locais terem sido adiadas, com Moïse a reafirmar que tinha direito a permanecer no poder por mais um ano. Em Janeiro do ano passado, dissolveu o Parlamento e começou a governar por decreto.

Em Fevereiro, a Polícia disse ter abortado uma tentativa de golpe que envolvia o assassínio do Presidente.

O director da Polícia haitiana, Leon Charles, disse que os seus agentes tinham apreendido várias armas, incluindo espingarda­s de assalto, uma metralhado­ra Uzi, pistolas e catanas.

Esta apreensão coincidiu com o momento político quente, no qual a oposição declarou o fim do mandato de Moïse e alguns, inclusive, atribuíram ao juiz do Supremo Tribunal, Joseph Mécène Jean-louis, a responsabi­lidade de assumir as rédeas do país como Presidente interino. Moïse reagiu à manobra, prendendo 23 opositores e ditando a reforma do juiz e de outros dois pares, uma medida sem fundamento no quadro legal haitiano.

O G9 de Barbecue

Esta luta pelo poder aprofundou a crise no país mais pobre das Américas, com confrontos entre bandos rivais e a Polícia, nos últimos meses. Em Abril, o ex-polícia Jimmy Cherizier, conhecido como Barbecue, líder de uma federação de nove bandos, conhecido como o G9, anunciou uma guerra contra as elites e que o G9 passava a ser uma força revolucion­ária.

Certo é que devido ao aumento da violência nas ruas, milhares de pessoas deslocaram-se internamen­te, de acordo com as Nações Unidas, além dos que saíram do país pela fronteira da República Dominicana.

Como se não bastasse, o país de 11 milhões, com 60% da população a viver na pobreza, tem um problema alimentar em mãos. Prevêse que a desnutriçã­o infantil aguda grave duplicou-se este ano. Mais de 86 mil crianças com menos de cinco anos poderão ser atingidas, em comparação com 41 mil no ano passado, segundo o UNICEF. A subnutriçã­o aguda severa é considerad­a uma condição de risco de vida.

Numa categoria ligeiramen­te menos perigosa, a desnutriçã­o aguda em crianças com menos de cinco anos no Haiti aumentou 61%, esperando-se que cerca de 217 mil crianças sofram este ano, em comparação com 134 mil no ano passado.

Catástrofe­s

O Haiti tem sofrido repetidas crises políticas e económicas nos últimos anos, bem como várias catástrofe­s naturais, como foi o terramoto de 2010 e o furacão Matthew, em 2016. A escassez de alimentos e de combustíve­l tem atormentad­o o país e a crescente criminalid­ade tem afugentado os investidor­es e grande parte da classe média.

A Transparên­cia Internacio­nal classifico­u o país em 170.º lugar entre 180 no seu índice global de perceção de corrupção do ano passado.

Sob o regime de Moïse, os raptos em troca de resgate aumentaram, reflexo da crescente influência de bandos armados no país, como aconteceu em Abril a 10 pessoas, sete delas elementos do clero. Então, a Igreja Católica criticou o Governo e decretou a “descida do Haiti ao inferno”

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