Contrabando de combustível
Parece endémica e aparentemente irremediável a prática de contrabando de combustível na localidade do Soyo, província do Zaire. Esta é a razão que me leva a escrever sobre esta maka, que todos os dias faz manchete na comunicação social, com particular realce nas páginas do Jornal de Angola. Já não sei se se trata apenas de uma questão policial, cultural que transforma o fenómeno numa espécie de ganhapão de dezenas de compatriotas ou um problema de contornos fiscais que, de alguma maneira, deveria envolver a Administração Geral Tributária (AGT). Começando por esta última parte do problema, a pergunta que se impõe, entre as várias possíveis, é a seguinte : até que ponto esta realidade, do contrabando de combustível, não devia ser formalizada, devidamente tributada para que o Estado não continue a perder ? Ou, para desencorajar, a eventual tributação deste famigerado negócio devia envolver impostos pesados para quem ousasse “atravessar o rio Zaire” com os bidons em direcção à República Democrática do Congo (RDC).
Uma das coisas caricatas é que, contrariamente ao que seria de esperar, em tantas operações policiais em que são apanhados os alegados traficantes de combustível, nunca são encontrados os “facilitadores”, eventuais verdadeiros negociantes e mandantes das operações de contrabando, junto da Sonangol Distribuidora, no Zaire, entidades da Polícia Nacional. Embora, regra geral os que “dão a cara” pelo contrabando são, aparentemente, cidadãos simples, não há dúvidas de que os responsáveis pelo contrabando de combustível na província do Zaire não são aqueles cidadãos, angolanos ou congoleses, que acabam detidos e apresentados aos órgãos de comunicação. Obviamente, não são aqueles cidadãos, claramente pacatos pela forma como se apresentam, que são responsáveis pela cumulação de milhares de bidons, pelo pagamento da transportação em terra e pelo rio, até ao destino na RDC.
Em certo sentido, podemos estar a ser enganados quando são apresentados supostos traficantes de combustíveis, detidos pela Polícia Nacional, dando dissimuladamente a entender que se está a combater o fenómeno, quando o mesmo, na verdade, continua normalmente. Isto até faz lembrar o negócio da falsificação de documentos, que ocorre aqui em Luanda, ali no Cazenga, no chamado “Pau Grande” em que, volta e meia, a Polícia Nacional faz incursão em que acabam detidos algumas pessoas. Na expectativa de vermos o fenómeno eliminado, com as operações policiais, acabamos, mais cedo ou mais tarde, por compreender que as operações policiais não geram nenhum impacto no combate contra a falsificação de documentos. A rede de falsificação de documentos no chamado “Pau Grande” continua, independentemente das operações policiais, da mesma maneira como o tráfico de combustível no Soyo cujas apreensões de material e detenções de pessoas, com regularidade, dão a falsa ideia de que se está a combater o fenómeno. Trata-se de uma situação já vergonhosa, sobretudo com os “mise-en-scène” em que participa a comunicação social com a apresentação de pessoas, mal amanhadas, como os traficantes, quando, na verdade, os verdadeiros traficantes podem eventualmente estar escondidos em gabinetes com ar condicionado, no Soyo e algures no Bas Zaire, agora Bas Congo.
Parece assunto de somenos importância, mas começa a tomar contornos graves. ALFREDO GUIMARÃES Barra de Dande