Jornal de Angola

Escoliose

- José Luís Mendonça

Conheço uma rapariga. Essa rapariga, eu conheço bem, mas não digo o nome dela. É uma rapariga do bairro Rocha Pinto. Isso basta.

Essa rapariga carta água à cabeça desde os nove anos. Quando ainda era uma criança. Seis, sete, oito caminhadas, todas as manhãs, desde as seis horas, até encher o tambor do quintal, as banheiras de lavar loiça e do banho dos irmãos mais candengues.

De tanto cartar água, hoje a menina de 23 anos tem uma escoliose. Há muito que ela sentia dores na zona da coluna cervical, que é a zona que fica logo abaixo da nuca. A mãe sempre lhe fez massagens, mas, agora, nem massagens a livram do sofrimento. À noite, é um martírio para ela dormir. Tenta dormir do lado direito, vira-se para o lado do coração, e as dores não param. Disse-me que a dor apazigua se dormir mais do lado esquerdo, o do coração. A mãe levou-a ao médico no Hospital Militar, porque o pai é militar destacado no Cunene e o médico pediu uma radiografi­a e a radiografi­a não mente: a rapariga do Rocha Pinto, que cartou água durante a curta vida, tanta água como se fossem vários camiões cisternas, essa rapariga tem escoliose. Escoliose é o nome dado pela medicina a pessoas cuja coluna vertebral apresenta uma torção para a direita, ou para a esquerda. Na escoliose, as vértebras deslocamse, saem do devido lugar. Isso dá uma dor insuportáv­el.

Hoje, a menina do Rocha Pinto já não pode cartar água. O médico proibiu a mãe de mandar a filha cartar água. A água quer ela cartava para as lides domésticas provinha da casa de uma pessoa moradora no Prenda, três quilómetro­s mais abaixo, ali quem vê o mar da Samba. Essa pessoa do Prenda é abastecida por cisternas móveis, enche um tanque e revende a água em bidões de 20 litros aos seus concidadão­s do Rocha Pinto.

Agora que a rapariga do Rocha Pinto tem a tal de escoliose, já não há muito a fazer, disse o médico: a coluna é um órgão do corpo humano muito, mas muito sensível. Quando uma, duas, três ou mais vértebras se deslocam para os lados, provocam a doença chamada escoliose. Se se deslocam para dentro ou para fora, dão origem à lordose. Quem tem dinheiro e viaja, pode comprar lá fora uma cinta apropriada para sustentar a coluna e mantê-la estável, pelo menos no sentido de não ter dores lancinante­s. Acredito que os nossos ortopedist­as podem muito bem aconselhar a Senhora Ministra Sílvia Lutucuta a pedir ao Executivo para importar-se essas cintas elásticas para serem vendidas a quem as pode comprar, ou doadas a quem, como a rapariga do Rocha Pinto, não tem nem água potável em casa.

E agora, pergunto ainda: quantas meninas, quantas raparigas e mulheres feitas apresentam essas anomalias na coluna vertebral? É possível um inquérito para saber o número e procurar mitigar o sofrimento delas? Geralmente, são as pessoas do sexo feminino que, em Luanda e noutras províncias, abastecem os lares de água. Ou dos camiões cisternas, ou dos tanques, ou do rio nem sempre próximos.

Penso que elas merecem um pouco de atenção do Governo. Sei que os problemas são inúmeros. Temos a malária. Temos a comida que ficou cara. Temos a falta de luz, etc. Mas, dor de coluna, minhas manas, é dor de verdade! Se o ministério da Saúde fizesse mesmo esse inquérito às meninas que sofrem de dores da coluna, qual seria o resultado? Números grandes? Ou pequenos? Ninguém sabe. É preciso fazer um inquérito.

Conheço uma rapariga que tem escoliose. E mal consegue dormir. Essa rapariga, eu conheço bem, mas não digo o nome dela. É uma rapariga do bairro Rocha Pinto. Que tem escoliose de tanto cartar água, durante 14 anos.

Sei que os problemas são inúmeros. Temos a malária. Temos a comida que ficou cara. Temos a falta de luz, etc. Mas, dor de coluna, minhas manas, é dor de verdade! Se o ministério da Saúde fizesse mesmo esse inquérito às meninas que sofrem de dores da coluna, qual seria o resultado?

Números grandes? Ou pequenos? Ninguém sabe. É preciso fazer um inquérito. Conheço uma rapariga que tem escoliose. E mal consegue dormir. Essa rapariga, eu conheço bem, mas não digo o nome dela. É uma rapariga do bairro Rocha Pinto. Que tem escoliose de tanto cartar água, durante 14 anos

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