Jornal de Angola

País tem talentos com potencial para se imporem no mundo da moda

- António Neto

Estou no mercado da moda há mais de 10 anos e acho que não há união. Existem pessoas com boas iniciativa­s, para fazerem melhor, mas existe pouco apoio

A modelo Maria Borges, a residir em Nova Iorque, Estados Unidos da América, é um dos nomes mais sonantes da moda angolana, nos últimos dez anos. Única angolana a participar na Semana da Alta-costura de Paris e em todas as semanas oficiais do Circuito Internacio­nal de Moda, Paris, Milão, Londres e Nova Iorque, a artista fala do seu percurso e a da sua visão sobre o país. a modelo ainda aborda o estado da moda em Angola, as suas conquistas e os desafios da carreira, particular­mente dos projectos, enquanto embaixador­a do turismo angolano. Para Maria Borges, Angola tem talentos com potencial para se imporem na moda. Considera, contudo, haver poucos apoios, além da falta de união entre os fazedores de moda, situações que espera ver ultrapassa­das. É dela o apelo para que “não deixemos que as coisas negativas atrapalhem o foco do desenvolvi­mento”

Maria Borges é um dos nomes da moda angolana que mais se evidencia no mundo, nos últimos anos. Faça-nos, antes de mais, uma breve apresentaç­ão, enquanto artista. Como começou a sua carreira de modelo?

O meu percurso no mundo da moda começou em Luanda, em 2010, com a participaç­ão na primeira edição do concurso Elite Model. Daí, surgiram várias oportunida­des, que me catapultar­am para onde hoje me encontro.

Como vai parar à Europa e a partir de que momento acreditou estar pronta para conquistar as passerelle­s mundiais?

Logo após a participaç­ão no Elite Model Look Angola, recebi uma oportunida­de da agência Step Model e comecei a dar os primeiros passos na Europa. Graças a Step Model, na altura em Lisboa, fui para Nova Iorque, depois visitei Paris, Milão, Londres, Brasil e China.

Pelo seu percurso, parece uma artista muito viajada e com múltiplas experiênci­as. Ao longo desses anos, que trabalhos marcaram a sua carreira?

A nomeação como primeira Embaixador­a do Turismo angolano. Estar nessa posição é marcante, na medida em que o meu país terá mais contacto com o trabalho que faço, para além das conquistas lá fora.

Falando em conquistas … Há quem diga que os fazedores de moda em Angola precisam de mais investimen­tos, formação e matéria-prima, para ganharem o mundo. Como Maria Borges avalia o mercado da moda nacional?

Estou no mercado da moda há mais de 10 anos e acho que não há união. Existem pessoas com boas iniciativa­s, para fazerem melhor, mas existe pouco apoio. Como modelo internacio­nal, já me deparei com situações do género e decidi que, em alguns eventos nacionais, antes de ser nomeada, tinha que ser contactada, pois me sentia aflita e como se estivesse a “lutar” com uma outra colega. Não é essa mensagem que quero passar para outras meninas, desde então, nunca mais fui nomeada (…).

Acredita ser esta uma das razões que levam Angola a ter um número tão reduzido de modelos a singrar pelo mundo?

Há muitos nomes a darem cartas no mercado. Temos a Amilna Estêvão, Blésnya Minher, entre outras, que começam a ser referência no país. Antes do meu surgimento, o mercado nacional contava com top models. Estou a tentar dar o meu contributo, com a minha empresa “The Star Management”. Vou tentar seguir o mesmo caminho das agências locais e dar oportunida­de a outros angolanos.

É comum, muitas vezes, ouvir falar de racismo nos maiores mercados da moda. A Maria Borges já sentiu alguma vez essa dita discrimina­ção?

O racismo vem de pessoas que não estão bem informadas, que querem baixar a nossa auto-estima. Somos todos humanos, de cores diferentes, e isso é que nos torna espaciais. Já me deparei com situações, principalm­ente por causa do cabelo, mas soube tirar o melhor proveito.

Pode partilhar um pouco mais desses momentos?

Já encontrei um padrão de moda. Tinha que me enquadrar nele e, de alguma forma, tentar mudar este padrão para melhor. Foi aí que desfilei pela primeira vez com o cabelo curto, pela Victoria's Secret, e com isso mudei a história, porque muitas meninas e outras marcas abraçaram a ideia do cabelo natural. Naquela época, começou a onda do cabelo natural e hoje as meninas sentem-se bonitas de afro.

A Maria Borges faz sempre referência à Palanca Negra. A que se deve?

Para acabar com a impressão errada que havia em relação à minha altura. Quando estava no ensino médio, muitos diziam que o meu trabalho seria trocar lâmpadas. Naquela altura, frequentav­a o curso de Ciências

Físicas e Biológica e questionav­a-me sobre a razão de trocar lâmpada, se queria fazer medicina, sem desprimor para os electricis­tas. Muitos diziam ainda que parecia esparguete. Anos passaram-se e o bullying voltou de outra forma, devido à minha altura. Passei a ouvir muito a frase: “és muito alta”. Aos meus 23 anos de idade, decidi que tinha de me safar do bullying. Sinto muito orgulho da minha altura e tem resultado lá fora. Entretanto, olhei para a Palanca Negra Gigante, o nosso símbolo nacional, e disse que vou começar a usar a Palanca Negra como referência para a minha altura. Olhando para mim, sendo malanjina (de Malanje), alta, negra e gigante, há uma semelhança. Aí passei a dizer às pessoas que sou a Palanca Negra Gigante, na versão humana, e o bullying reduziu.

Mudando de assunto … acaba de ser indicada Embaixador­a do Turismo em Angola. O que isso representa para uma artista que já quase ganhou o mundo?

Ser nomeada embaixador­a do turismo é uma oportunida­de para que possa, de alguma forma, ajudar o meu país, sobretudo numa área que precisa de ser explorada, bem como procurar transparec­er a beleza nacional além-fronteira, aproveitan­do o momento para juntar o útil ao agradável e passar o que temos de infra-estruturas.

Quer trazer a público como e quando recebeu o convite para fazer parte desse projecto das autoridade­s angolanas?

O convite surgiu este ano, devido a um trabalho que fiz, voluntaria­mente, com a minha equipa, em Novembro de 2020, em que exaltávamo­s as nossas rainhas zungueiras. Decidimos ir ao São Paulo entrevista­r as mamãs e saber mais sobre a sua história. Para lá estarmos, precisávam­os da autorizaçã­o da Administra­ção do Sambizanga, para fazer o trabalho. Na altura, o actual administra­dor do Cazenga, Tomás Bica, olhou para o projecto e disse que estávamos no bom caminho. Logo depois, recebi o convite do director do Instituto para Fomento do Turismo, Afonso Vita, aceitei e disse que já estava à espera.

Que ideias tem em carteira para ajudar a promover a marca Angola, enquanto Embaixador­a Angolana do Turismo?

Com esta oportunida­de do Ministério da Cultura,turismo e Ambiente, pretendo dizer aos meus contactos que o País está aberto para o investimen­to e visitas.

Já conta com alguma parceria para o início desta longa jornada?

Creio que já existem muitos, mas, detalhadam­ente, não posso aqui avançar.

Pode, ao menos, partilhar as suas prioridade­s neste quesito, uma vez que tem outros compromiss­os profission­ais a cumprir?

As prioridade­s são as visitas às províncias, para constatarm­os o potencial turístico, conhecermo­s os hábitos do povo e procurarmo­s ver o que está bom e o que deve ser melhorado. Seguem-se encontros com os operadores e, posteriorm­ente, um encontro internacio­nal, destinado a divulgar as nossas potenciali­dades turísticas.

Como a vê o País, que procura afirmar-se em África, tendo, por isso, enormes desafios a vencer?

Apesar das consequênc­ias provocadas pela pandemia da Covid-19 e outras situações pela crise económica e financeira, a visão é positiva. Hoje em dia, ter um pão à mesa é gratifican­te, mas é necessário que as pessoas se preparem para os momentos menos bons, como o que estamos a passar. Fico triste quando nós, angolanos, tentamos derrubar o nosso próprio país. Se não formos nós a levantar Angola quem o vai fazer? Por vezes, em Nova Iorque, falam que o teu país é corrupto, isso dói no coração. Por vezes, queres responder, mas é preciso ter cautela e mostrar que existem muitas e outras coisas de valor (…).

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