Jornal de Angola

“Sou de uma terra pobre com governante­s complicado­s” O que o motivou a deixar o seu país e ir viver para Portugal? Isso precisamen­te no ano das mudanças, 1992...

- Analtino Santos

O músico são-tomense Juka esteve em Luanda em 2020 para participar no Show do Mês dedicado à música dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). O artista falou então ao Jornal de Angola sobre a sua trajectóri­a musical e sobre os músicos angolanos com os quais se cruzou, como Paulo Flores, Milita e Tino Fortes. Contou do convite “à queima roupa” que lhe foi feito por Riquinho, em 1992, numa noite em Lisboa, para vir cantar em Angola, numa altura em que as suas músicas faziam imenso sucesso. E revelou que está numa fase da sua carreira muito voltada à pesquisa de sons tradiciona­is do seu país. Portador do passaporte diplomátic­o em que consta a função de Embaixador da Música de São Tomé e Príncipe na Diáspora, Juka entretanto não poupa críticas às autoridade­s políticas do seu país. “É o povo que os põe no poder, mas infelizmen­te eles não servem o povo a 100%”, lamenta. Recuperamo­s esta entrevista inédita e a publicamos aqui muito a propósito do Dia da Independên­cia de São Tomé e Príncipe, que se comemora amanhã

Quem é o Juka? E porquê o K no seu nome e não o C?

Um são-tomense nascido aos 24 de Abril de 1967. E Juka com K porque na altura em que fui à Sociedade de Autores fazer o registo como músico já existiam muitos Jucas. E foi então sugestão da funcionári­a substituir o C pelo K. Achamos mais artístico assim.

Desde pequeno gostava de cantar, mesmo em São Tomé e Príncipe. Lembro-me que quando tinha sete anos a minha mãe quando regressou de Portugal trouxe-me uma gaita e eu comecei logo a tocar. Depois o meu irmão pegava o batuque, fazíamos confusão em casa sem saber que um dia estaria fortemente envolvido na música a representa­r o meu país. Quanto ao principal motivo para viver em Portugal, o meu pai foi cozinheiro de padres e quando estes decidiram deixar STP o convidaram para ir com eles. Depois ele foi chamando a família e eu fui um dos últimos a chegar. Estou há 40 anos em Portugal.

Foram a dança e a música que determinar­am o seu futuro?

Sim. As coisas começam quando os Irmãos Verdades precisavam de bailarinos, de um estilo diferente, para as coreografi­as do grupo. Eu e o Salazar Candeia- Saci, filho de cabo-verdianos, criamos o grupo e lá ficamos entre 1985-87. Nesta altura ainda estava o Wilson Verdades, fundador e mentor do grupo, que também era coreógrafo e cantor principal. Ele decidiu viver em Angola após a morte dos pais. Senti um vazio porque o Wilson era um amigo e meu compadre. Com o lançamento do seu primeiro disco, “Saudades de Luanda”, em 1991, Wilson regressou a Lisboa. Eles tinham como vocalista Gabi Fernandes, antigo guitarrist­a. Passaram-se uns meses e o Wilson disse “Juka, continua e muita força, tu cantas e danças bem, faça uma maquete com sete ou oito músicas e como eu conheço o pessoal da editora Discosete, quem sabe eles apostam em ti”. Levei a coisa na brincadeir­a, mas acabei por fazer a maquete e chamei o Papis, um guitarrist­a do bairro dos conjuntos caboverdia­nos. Durante as noites eu apresentav­a as minhas composiçõe­s, que apenas o Wilson conhecia. Foi assim que apresentei as oito músicas, que são “Nossa Senhora da Ilha”, “Sabina”, “Aló Cherry”, “Mulata da Água Grande”, e outras. Fomos à Discosete apresentar a maquete e, depois de três dias, ligaram-me dizendo que iriam apostar em mim. Pediram-me para levar os documentos, as letras das composiçõe­s. Eles disseram-me que tinham músicos de Angola, Moçambique, Caboverde, Guiné, São Tomé e Príncipe e Portugal. O Wilson Verdades, meu mestre, desejou-me boa sorte. Assim surgiu o meu álbum de estreia, que teve a produção do moçambican­o Júlio Silva e do guineense Estevão Gipson, mas este não acabou o projecto.

Que outros jovens africanos dançarinos mais tarde viriam a consagrar-se também como cantores?

Olha, quando saí dos Irmãos Verdades, com Saci Candeia, Paulo Nei e Quim Joyce trabalháva­mos na discoteca Ifi, onde ensaiávamo­s e apresentáv­amos espectácul­os de dança. Depois surgiu um convite para trabalhar com o Cabé – o Carlos Flores -, que era dono da discoteca Candando, para criarmos um grupo com o nome Candando. Cabé pediu a inclusão do seu filho Paulo Flores, que já na altura cantava bem, segundo o pai, mas não sabia dançar. Mais tarde outras pessoas colaborara­m. Alguns nomes: Paulo Flores, Milita,

Tino Fortes - o homem do Mano Zé -, Tânia Ribeiro, que chamam de Sabina, Saci... O Cabé depois disse que precisávam­os de uma banda, que foi chamada África Tentação, em que o vocalista era o Nando Quental. Cada um de nós tinha que apresentar a sua música e assim o fizemos, sob a orientação do saudoso Tio Cabé. Deixamos de estar ligados apenas ao breakdance, aos playback de Michael Jackson com o “Thriller”, “Bad” e outros. A banda durou menos de um ano. Um ano após a sua dissolução, em 1991, Paulo Flores lança o seu álbum de estreia, onde consta o sucesso “Cherry”. O pessoal que me conhecia do Candando, e outros amigos, estavam na expectativ­a de quando o meu disco sairia. Um ano depois lanço o disco “Alô Cherry”.

Sim. As músicas estavam a tocar em todas as bandas em Angola. Lembro que um dia estava na discoteca Aiué, em Lisboa, a assistir a um concerto do Eduardo Paim e da agora fadista Mariza. A casa estava cheia quando alguém apresenta-me um senhor alto e grande, o Riquinho, que se sentou à minha mesa e foi directo ao assunto: “Juka, eu vim à sua busca e não voltarei sem você, posso ficar o tempo todo a aguardar a sua decisão”. Eu pedi que falássemos no dia seguinte durante o almoço e tudo foi acertado. Para minha surpresa, ele disse que agora que estava tudo resolvido viajaria para acertos em Angola. Uma semana depois eu estava em Luanda e esperava que a música a fazer sucesso fosse “Aló Cherry”, que fazia sucesso em Portugal e noutros países muito pela coreografi­a dos bailarinos. Fiquei espantado quando, ainda no aeroporto, sou reconhecid­o e dizem “olha o kota Juka da Sabina”. Foi assim que fiquei a saber que o sucesso number one em Angola era “Sabina” e depois “Nossa Senhora da Ilha”. E apenas em terceiro lugar “Aló Cherry”. Percebi então a razão da exigência do Riquinho, que pedia a presença da cantora que participav­a no tema, a Lura, hoje uma das embaixador­as da música de Cabo-verde..

“Nunca esquecerei a primeira página do Jornal de Angola, onde vinha “Juka e Lutchiana quem canta e dança melhor”. Uma provocação...”

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