Das antigas festanças só restam as lembranças
Longe das manifestações efusivas do passado, iniciadas sobretudo a partir de 2010, os citadinos do Uíge vão transformando o 1 de Julho, a data em que, em 1917, à antiga vila Carmona foi elevada a categoria de cidade, num momento de reflexão sobre as conju
As restrições impostas pela Covid-19 assim como a austeridade económica reservaram aos uigenses momentos de contracção, longe dos tempos das festas anteriores, que se verificavam principalmente no Largo da Independência e noutros cantos da cidade velha e arredores por dias a fio. Nas palavras da administradora municipal do Uíge, Sónia Arlete, este ano a programação festiva resumiu-se a “encontros restritos e outros eventos de menor visibilidade”.
No dia 1 de Julho de outros anos, antes da pandemia, a cidade do Uíge fervilhava. Havia gente a descer e a subir em busca de compras baratas em feiras recheadas de quase tudo trazido pelas gentes de Kimbele, Buengas, Maquela, Songo e outros municípios. Havia bebedeiras em barracas de ensurdecedora barulhada, que não sossegavam até 7 de Julho, dia em que se “varriam as cinzas”. Este ano tudo silenciou.
Lembranças antigas
A mais industrializada cidade do Norte de Angola na era colonial hoje vive da memória do que havia há 45 anos, do que restou e da esperança do que pode ser feito, na opinião dos citadinos ouvidos pelo Jornal de Angola.
A Bangola do Norte e a CIFAL eram as grandes referências do parque industrial da antiga cidade de Carmona. Na Bangola do Norte, situada junto ao rio Kandombe, que dá nome a um dos mais antigos e populosos bairros da cidade, eram produzidos os diferentes sabores da marca “DUSOL”, segundo o livro “Distrito do Uíge - Elementos de Informação”, de Garcia de Lencastre e Ernesto Fontoura. Na obra, os autores enfatizam que a cafeínada era o refrigerante da preferência de todos.
O parque industrial da cidade do Uíge há muito anda adormecido. As principais unidades fabris, erguidas no período colonial e no período pós-independência, foram totalmente pilhadas e destruídas durante o conflito armado em 1992.
Na CIFAL, localizada na rua industrial, era fabricado o vinho “Estrela”, que, devido aos muitos “tombos” dos consumidores, ficou apelidado de “Mamã me leva”. Mbuku Pedro, hoje a residir no bairro São Paulo, município do Sambizanga, província de Luanda, recorda com nostalgia: “Enquanto menino, a minha gasosa preferida era a DUSOL de café. Depois da adolescência, já a entrar na fase juvenil, começamos a fazer o uso do vinho Estrela, o famoso ‘Mamã me leva’. Eram duas marcas de bebidas que, além de serem de fabrico local, eram comercializadas e apreciadas noutras paragens do país”.
Mbuku Pedro prossegue: “Outras referências na cidade eram as fábricas de colchões e de calçados de plásticos. Muitas famílias se deleitavam nos colchões, assim como muitos meninos e adolescentes, sobretudo de famílias pobres, encontravam nos ‘chupacocó’ (perdoem-nos pelo termo, mas era mesmo assim que eram designados) o calçado predilecto para usar na escola e em vésperas da quadra festiva”.
Havia outras infra-estruturas industriais, como a gráfica que ficava localizada na Rua do Ultramar, onde eram editados os jornais Mukanda, Ecos do Uíge, Jornal do Congo e outras publicações.
O Jornal de Angola apurou que até 1970 existiam no Uíge 412 unidades fabris. Como refere o livro “Distrito do Uíge”, editado em 1972, este parque industrial era constituído por indústrias orientadas, principalmente, para o descasque do café, produção de óleo de palma e processamento de outros produtos agrícolas. Havia também serrações e cerâmicas.
Mbuku Pedro enumera como destaque a fábrica de gasosas Bangola do Norte, a fábrica de sumo de frutas e enchimento de vinho – a Companhia Industrial de Frutas de Angola -, uma fábrica de calçados, uma empresa de vulcanização de pneus Vulcap -, uma pequena empresa de metalomecânica, uma fábrica de mobiliário – FAMOE -, e algumas unidades de panificação, com destaque para a Padaria Malanje, que, com as indústrias alimentar, de bebidas e de tabaco constituíam as bases fundamentais da capacidade económica da região.
Até 1970, no antigo distrito do Uíge existiam 106 fábricas de descasque de café, 34 panificadoras, 21 serrações de madeira, 20 marchantarias, sete cerâmicas, cinco moagens de milho e bombó, três unidades de torrefacção e moagem de café, duas pastelarias e confeitarias, uma serralharia mecânica, igual número de fábricas de extracção de óleo de amendoim, de persianas, gelo, descasque de arroz, carpintaria mecânica e de calçados e de sumos fermentados.
O parque industrial era ainda composto por 14 câmaras frigoríficas, 152 bombas ou postos de abastecimento de combustíveis, 10 estações de serviços, igual número de oficinas de reparação de automóveis, uma recauchutagem de pneus e uma lavandaria, sete estúdios de fotografia, duas tipografias e encadernações, o mesmo número de barbearias, alfaiatarias, oficinas de sapataria e um atelier de inspecção de vestuário.
“Tínhamos quase tudo aqui, mas a guerra pela Independência Nacional fez com que os proprietários e a mão-de-obra especializada abandonasse o país. O conflito armado interno, sobretudo o que se desencadeou em 1992, depois das primeiras eleições presidenciais e legislativas, provocou a destruição de todo o parque industrial”, lembra Filomena António, 62 anos.
Nos dias de hoje, na cidade do Uíge existem apenas quatro postos de abastecimento de combustíveis, menos de duas dezenas de panificadoras, cinco gráficas, umas tantas carpintarias, serrações e serralharias de pequeno porte e outros pequenos empreendimentos. “O parque industrial da cidade do Uíge está praticamente morto”, sublinha Filomena António.