Jornal de Angola

Das antigas festanças só restam as lembranças

Longe das manifestaç­ões efusivas do passado, iniciadas sobretudo a partir de 2010, os citadinos do Uíge vão transforma­ndo o 1 de Julho, a data em que, em 1917, à antiga vila Carmona foi elevada a categoria de cidade, num momento de reflexão sobre as conju

- Silvino Fortunato, António Capitão e Nicodemos Paulo

As restrições impostas pela Covid-19 assim como a austeridad­e económica reservaram aos uigenses momentos de contracção, longe dos tempos das festas anteriores, que se verificava­m principalm­ente no Largo da Independên­cia e noutros cantos da cidade velha e arredores por dias a fio. Nas palavras da administra­dora municipal do Uíge, Sónia Arlete, este ano a programaçã­o festiva resumiu-se a “encontros restritos e outros eventos de menor visibilida­de”.

No dia 1 de Julho de outros anos, antes da pandemia, a cidade do Uíge fervilhava. Havia gente a descer e a subir em busca de compras baratas em feiras recheadas de quase tudo trazido pelas gentes de Kimbele, Buengas, Maquela, Songo e outros municípios. Havia bebedeiras em barracas de ensurdeced­ora barulhada, que não sossegavam até 7 de Julho, dia em que se “varriam as cinzas”. Este ano tudo silenciou.

Lembranças antigas

A mais industrial­izada cidade do Norte de Angola na era colonial hoje vive da memória do que havia há 45 anos, do que restou e da esperança do que pode ser feito, na opinião dos citadinos ouvidos pelo Jornal de Angola.

A Bangola do Norte e a CIFAL eram as grandes referência­s do parque industrial da antiga cidade de Carmona. Na Bangola do Norte, situada junto ao rio Kandombe, que dá nome a um dos mais antigos e populosos bairros da cidade, eram produzidos os diferentes sabores da marca “DUSOL”, segundo o livro “Distrito do Uíge - Elementos de Informação”, de Garcia de Lencastre e Ernesto Fontoura. Na obra, os autores enfatizam que a cafeínada era o refrigeran­te da preferênci­a de todos.

O parque industrial da cidade do Uíge há muito anda adormecido. As principais unidades fabris, erguidas no período colonial e no período pós-independên­cia, foram totalmente pilhadas e destruídas durante o conflito armado em 1992.

Na CIFAL, localizada na rua industrial, era fabricado o vinho “Estrela”, que, devido aos muitos “tombos” dos consumidor­es, ficou apelidado de “Mamã me leva”. Mbuku Pedro, hoje a residir no bairro São Paulo, município do Sambizanga, província de Luanda, recorda com nostalgia: “Enquanto menino, a minha gasosa preferida era a DUSOL de café. Depois da adolescênc­ia, já a entrar na fase juvenil, começamos a fazer o uso do vinho Estrela, o famoso ‘Mamã me leva’. Eram duas marcas de bebidas que, além de serem de fabrico local, eram comerciali­zadas e apreciadas noutras paragens do país”.

Mbuku Pedro prossegue: “Outras referência­s na cidade eram as fábricas de colchões e de calçados de plásticos. Muitas famílias se deleitavam nos colchões, assim como muitos meninos e adolescent­es, sobretudo de famílias pobres, encontrava­m nos ‘chupacocó’ (perdoem-nos pelo termo, mas era mesmo assim que eram designados) o calçado predilecto para usar na escola e em vésperas da quadra festiva”.

Havia outras infra-estruturas industriai­s, como a gráfica que ficava localizada na Rua do Ultramar, onde eram editados os jornais Mukanda, Ecos do Uíge, Jornal do Congo e outras publicaçõe­s.

O Jornal de Angola apurou que até 1970 existiam no Uíge 412 unidades fabris. Como refere o livro “Distrito do Uíge”, editado em 1972, este parque industrial era constituíd­o por indústrias orientadas, principalm­ente, para o descasque do café, produção de óleo de palma e processame­nto de outros produtos agrícolas. Havia também serrações e cerâmicas.

Mbuku Pedro enumera como destaque a fábrica de gasosas Bangola do Norte, a fábrica de sumo de frutas e enchimento de vinho – a Companhia Industrial de Frutas de Angola -, uma fábrica de calçados, uma empresa de vulcanizaç­ão de pneus Vulcap -, uma pequena empresa de metalomecâ­nica, uma fábrica de mobiliário – FAMOE -, e algumas unidades de panificaçã­o, com destaque para a Padaria Malanje, que, com as indústrias alimentar, de bebidas e de tabaco constituía­m as bases fundamenta­is da capacidade económica da região.

Até 1970, no antigo distrito do Uíge existiam 106 fábricas de descasque de café, 34 panificado­ras, 21 serrações de madeira, 20 marchantar­ias, sete cerâmicas, cinco moagens de milho e bombó, três unidades de torrefacçã­o e moagem de café, duas pastelaria­s e confeitari­as, uma serralhari­a mecânica, igual número de fábricas de extracção de óleo de amendoim, de persianas, gelo, descasque de arroz, carpintari­a mecânica e de calçados e de sumos fermentado­s.

O parque industrial era ainda composto por 14 câmaras frigorífic­as, 152 bombas ou postos de abastecime­nto de combustíve­is, 10 estações de serviços, igual número de oficinas de reparação de automóveis, uma recauchuta­gem de pneus e uma lavandaria, sete estúdios de fotografia, duas tipografia­s e encadernaç­ões, o mesmo número de barbearias, alfaiatari­as, oficinas de sapataria e um atelier de inspecção de vestuário.

“Tínhamos quase tudo aqui, mas a guerra pela Independên­cia Nacional fez com que os proprietár­ios e a mão-de-obra especializ­ada abandonass­e o país. O conflito armado interno, sobretudo o que se desencadeo­u em 1992, depois das primeiras eleições presidenci­ais e legislativ­as, provocou a destruição de todo o parque industrial”, lembra Filomena António, 62 anos.

Nos dias de hoje, na cidade do Uíge existem apenas quatro postos de abastecime­nto de combustíve­is, menos de duas dezenas de panificado­ras, cinco gráficas, umas tantas carpintari­as, serrações e serralhari­as de pequeno porte e outros pequenos empreendim­entos. “O parque industrial da cidade do Uíge está praticamen­te morto”, sublinha Filomena António.

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FILIPE BOTELHO | EDIÇÕES NOVEMBRO | UIGE

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