Jornal de Angola

“Nascer numa família humilde não limita a vontade de estudar”

Uma juventude vivida entre dificuldad­es extremas e desafios nunca impediu Víctor Capolo de estudar

- Rui Ramos

Víctor Guilherme Capolo, filho de Domingos Bira Capolo, falecido em 2011, e de Lúcia Guilherme, nasceu em 1978, no bairro do Aliwaio do Galo, município do Seles, província do Cuanza-sul. A mãe, camponesa, foi nascida, em 1958, no bairro Gongolo (Seles), onde continua a viver.

O pai, com a 4ª classe do tempo colonial, nasceu na aldeia da Apocalícia, no município da Conda. Excontínuo na Escola do II nível do Seles, senhor Domingos reparava rádios e relógios, além de ter sido pedreiro, camponês e artesão.

“Tive uma juventude de muita luta pela sobrevivên­cia”, disse Víctor Guilherme Capolo, o mais velho de dez irmãos, dos quais dois já falecidos. Cresceu com os avós maternos, desde os dez meses de vida, no Seles.

Em virtude de, em 1980, os avós terem viajado para o Sumbe, onde o avô tinha ido trabalhar como cozinheiro, no então Bar Capre, Víctor foi obrigado a voltar a viver com os pais, mas, por pouco tempo.

Nesse período, ficou doente por muito tempo, por uma malnutriçã­o aguda. Em 1982, viajou para o Sumbe com a família numa viagem turbulenta, devido às condições da estrada, estado da viatura e ao medo de serem atacados pelas tropas da UNITA.

“Por causa de os tios chegarem da escola sempre com as palmas inflamadas, a avó nunca quis que eu estudasse”, lembra. Assim, ficou até aos nove anos sem estudar. “Ajudava os avós em casa e cuidava da minha prima, enquanto uma das tias vendia cerveja na praça.”

Ao ver outras crianças a estudarem, ele chegou a comprar um caderno e lápis e seguiu os amigos na explicação da Capela. Só aos dez anos, foi ao Lobito, no bairro do Galo, encontrar o pai, que o levara à casa do professor Francisco Huambo, que o pôs a estudar.

“De segunda a sexta-feira, depois da escola, íamos para a lavra, que ficava a cerca de cinco quilómetro­s, onde a mãe ficava com o almoço já preparado”, contou.

Depois começou a vender lenha na praça, trazida das lavras, carregada em caminhadas de mais de dez quilómetro­s. E, com os poucos valores conseguido­s, comprou cadernos e um par de chinelos “Facility” para ir à escola.

Tempos mais tarde, a mãe deu-lhe três quilos de jinguba e indicou um pequeno terreno para desbravar e fazer plantação. “Nesse dia, ela disse que, dentro de três meses, eu teria dinheiro com a venda da produção.”

Assim, todos os dias, durante dois meses, depois da escola, o jovem ia trabalhar no terreno. “A produção foi tão frutífera que chamei uns ‘langas’, que, na altura, eram os únicos que compravam para levar para Luanda. E, com o dinheiro, comprei duas calças e duas camisolas.”

Com 17 anos, na 7ª classe, o tio que estava na frente de combate na Lunda-norte, há seis anos, chega ao Seles com muito dinheiro da venda de diamantes. “Viajámos para Luanda e Benguela e comprámos tudo quanto era livro escolar e muita roupa”.

O pai inscreveu-o no projecto “Acção Agrária Alemã” e aprende carpintari­a. “O mestre aceitou com a exigência de que tínhamos de levar o equivalent­e em dinheiro uma galinha e um garrafão de bebida. Comecei a aprender esta profissão e a estudar à noite.”

Terminada a 8ª classe, em 1999, foi ao Sumbe, para conseguir chegar a Luanda, onde tentou o ensino médio. “Viajei por cima de um camião IFA, carregado de produtos agrícolas, numa viagem que durou 22 horas até chegar ao Mercado do Quintalão, no Rocha Pinto”.

Foi parar à casa de uma da tia, que vivia num quintal comum, com dez famílias. A moradia dessa familiar de Víctor era de um quarto e sala, com 10 moradores. “Todos os dias depois de acarretar água para casa, eu ia ao Mercado do Prenda, no período da tarde e tentei vender medicament­os, ante o protesto dos mais antigos”.

Até 2000, já tinha 650 dólares, suficiente­s para assegurar uma vaga para o ensino médio, o que consegue materializ­ar no Instituto Simione Mukune, o mais barato, na altura.

Nesse instituto, num grupo de 40 alunos, participa numa pesquisa sobre “Atitudes e Comportame­ntos das Forças Armadas Angolanas”, realizada pela Charles R. Drew University de Los Angeles California (Estados Unidos) e pelo Estado Maior General das FAA. Desse trabalho, conseguiu o seu primeiro salário, no valor de 700 dólares.

No final dessa operação, foi selecciona­do para um estágio como educador social. Calhou na Base Central de Logística 3, no Namibe. “No encerramen­to do curso, esteve presente Francisca do Espírito Santo, da Comissão de Gestão da Província de Luanda, que chegou a anunciar a necessidad­e de 20 educadores sociais para trabalhar nas administra­ções municipais. Foi selecciona­do e colocado, em 2005, no gabinete da vicegovern­adora para a Área Social.

Em 2006, frequenta dois cursos, mesmo a trabalhar, História, no ISCED, e Filosofia, na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UAN, tendo abandonado o primeiro por insatisfaç­ão.

A vice-governador­a incentivou-o a estudar Serviço Social, no Instituto Superior João Paulo II, hoje afecto à Universida­de Católica de Angola, e o Governo Provincial de Luanda pagou-lhe as propinas. “Quando a senhora Francisca do Espírito Santo foi nomeada governador­a, indigitou-me para o cargo de chefe do Departamen­to Provincial da Juventude, onde fiquei de 2009 a 2015.”

No final do curso defendeu o tema “Governação Participat­iva em Angola, o Caminho para o Exercício da Cidadania. A experiênci­a da Developmen­t Workshop na Comuna do Ngola Kiluanje 2006 -2010” e obteve a nota de 15 valores.

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DR Víctor Capolo enfrentou dificuldad­es, mas lutou para vencer

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