Jornal de Angola

Pátria e vida em Cuba

- Adriano Mixinge

Se hoje tivesse que falar para a minha filha cubana e para os meus netos que vivem em Havana, dir-lhes-ia que já houve um tempo em que “Pátria ou Morte, Venceremos!” era o slogan que unia todos os cubanos contra qualquer tipo de ameaça, era a reivindica­ção da defesa absoluta dos princípios e da ideologia comunista.

Isso foi assim até ao dia em que, - ironia da História - no princípio deste ano, o “Pátria e Vida” – título de uma canção dos músicos “Gente de Zona”, Yotuel Romero e Descemer Bueno, com a participaç­ão de El Funky e de Maykel Osorbo -, em que se exalta o bem vida, passou a ser, para uma parte da sociedade cubana, uma ameaça para a sua própria existência, enquanto para a outra, procurar uma vida melhor para todos passou a ser o único objectivo.

E se vos conto isso agora, leitores do Jornal de Angola,é porque, desde domingo à tarde, a notícia e as imagens circulam nas redes sociais e até hoje toda a imprensa internacio­nal já fez eco das mesmas: apesar de dedicarem esforço e recursos para fabricar vacinas anti-coronavíru­s, na sequência do colapso do sistema de saúde e o registo de números elevados de infectados pela Covid-19 no país, centenas de moradores do município de “San António de los Baños”, situado no sudoeste da cidade, saíram às ruas para se manifestar­em pacificame­nte contra o Governo, face à crise alimentar, a falta de medicament­os e a transparên­cia informativ­a. Inicialmen­te, a polícia nem apareceu ali, onde os cidadãos caminhavam a gritar lemas e consignas.

Como afirma Ernesto Menendez-conde, no seu muro do Facebook, estes protestos “... não têm precedente­s na História de Cuba: nem sob as ditaduras de Machado, nem na de Baptista houve manifestaç­ões de tal magnitude e, ao mesmo tempo, em todo o país”. O mais parecido a elas foram, certamente, o “Êxodo de Camarioca” (1965), o “Êxodo de Mariel” (1980) e o “Maleconazo” (1994), cada um deles em épocas e por razões muito específica­s, sendo que, nos êxodos, todos os cubanos que não concordava­m com o rumo que a Revolução tinha tomado saíram do país.

No domingo, depois das centenas de cidadãos de “San António de los Baños”, milhares de cubanos de ao menos quinze localidade­s do país, de Havana a Guantánamo, passando por Matanzas, Holguín, Ciego de Ávila, entre outras, saíram às ruas para manifestar-se aos gritos de “Abaixo o Comunismo”, “Abaixo a Ditadura” e, sobretudo, “Pátria e Vida”.

A tensão social aumentou imediatame­nte, mas, desta vez, não se trata de sair de Cuba para qualquer outro lugar: são necessária­s mudanças estruturai­s e de princípios muito profundas, no próprio interior do sistema político imperante, que permita ir resolvendo os problemas sociais e económicos dos cidadãos, obter maior prosperida­de, pacificar a relação com as diásporas cubanas que existem no mundo inteiro e integrar a economia cubana na economia internacio­nal.

Quando, ainda no domingo passado, em Luanda, eram 21h00, a reacção chegou às diásporas cubanas, que, nas mais diversas cidades do mundo, de Madrid a Rochester, passando por Miami, faziam eco do clamor popular: na Ilha, viam-se cenas de violência, como assalto de lojas de produtos que só se podem comprar com dólares americanos, alguns carros da polícia a serem apedrejado­s ou até o carro do primeiro secretário do Partido Comunista de uma localidade que foi posto de “patas para o ar”.

Enquanto isso, como o fizera Fidel Castro, por altura do “Maleconazo”, em 1994, o Presidente Miguel Mario Diaz-canel Bermúdez também foi, domingo, às ruas de “San António de los Baños”: quando saiu das ruas, Diaz-canel utilizou a sua conta no Twitter para deixar mensagens e foi ao canal de televisão “Cubavisión” fazer uma alocução, onde, basicament­e, terminou dizendo que compete aos revolucion­ários cubanos cuidar da revolução e que a “ordem de combate” estava dada, desencadea­ndo, então, de modo contundent­e, pela primeira vez e com o pior cenário político, social e económico possível, um combate de cubanos contra cubanos, em Cuba.

É bem verdade que, praticamen­te, desde os três primeiros anos do triunfo da Revolução, em 1959, os Estados Unidos da América impuseram a Cuba um “embargo comercial, económico e financeiro”, cujas consequênc­ias se reflectem até agora. Porém, não podemos perder de vista que, desde a queda do Muro de Berlim (1989) até agora, as sucessivas leituras e os posicionam­entos da elite política cubana em nada favorecem o desenvolvi­mento socioeconó­mico e o bem-estar dos cidadãos cubanos, uma vez que continua presa na utopia comunista e está contra a instalação do pluriparti­darismo, contra uma liberdade de expressão mais ampla e, por conseguint­e, tem-se mostrado incapaz de promover uma verdadeira abertura democrátic­a no país.

Defendo as mudanças pacíficas em Cuba, decididas pelos próprios cubanos, que vivem dentro e fora de Cuba: a decisão deve ser dos cidadãos cubanos. A minha filha e os meus netos devem saber que, em Cuba, em Angola ou em qualquer parte do mundo, eu escolherei sempre a pátria e a vida.

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