Jornal de Angola

Seca no Cunene com dias contados

O primeiro dos quatro projectos estruturan­tes de combate aos efeitos da seca aprovados para a província vai beneficiar 235 mil habitantes e 250 mil cabeças de gado e uma área aproximada de cinco mil hectares

- César Esteves | Ondjiva

Os primeiros habitantes, vindos de várias partes da província do Cunene, começaram a fazer-se à povoação de Cafu, comuna de Xangongo, município de Ombandja, ainda muito cedo. Ver pulsar de perto o coração do projecto que surge para combater, “de forma radical”, os efeitos da seca na província, bem como saudar o seu mentor, o Presidente da República, João Lourenço, é o grande objectivo. O Chefe de Estado, que visitava a província pela segunda vez, em menos de dois anos, elegeu como um dos pontos da sua agenda de trabalho de dois dias ao Cunene uma visita às obras do projecto, para se inteirar do seu andamento.

O primeiro ponto da empreitada a visitar foi a central de bombagem do Sistema de Transferên­cia de Água a partir do rio Cunene, na zona de Cafu, para abastecer as localidade­s de Ombandja e Namacunde, que dista 135 quilômetro­s da cidade de Ondjiva. Esta parte do projecto, que já está a ser preparada para receber o betão de limpeza, é praticamen­te o coração. É a partir daqui que se vai dar a tomada da água do rio Cunene para o sistema de distribuiç­ão.

Duas vias terraplana­das levam para lá. O primeiro é um caminho aberto apenas para a circulação dos equipament­os usados na construção do canal e das chimpacas. Este mede cerca de 30 quilômetro­s. O outro, de aproximada­mente 35 quilômetro­s, é a estrada terciária que passa pela cadeia do Peu-peu. Os dois caminhos fazem muita poeira e atravessam matas até chegar a Cafu.

Acreditava-se, por isso, que o Presidente da República fosse evitá-los, optando por se deslocar de helicópter­o. Em Cafu, a população, que já se encontrava reunida no terreno, entoava canções de boas-vindas na língua local, ao mesmo tempo que mostrava a riquezas das danças tradiciona­is. O casamento entre o som produzido por dois batuques tocados, de forma harmônica, por igual número de senhoras, e as canções entoadas levou as ministras de Estado para a Área Social, Carolina Cerqueira, das Finanças, Vera da Daves, Educação, Luísa Grilo, Juventude e Desporto, Ana Paula do Sacramento, da Administra­ção Pública, Trabalho e Segurança Social, Teresa Rodrigues Dias, e da Acção Social, Família e Promoção da Mulher, Faustina Inglês, a despir-se das funções para se juntarem ao grupo e exibirem alguns toques. Aqui, chamou atenção o toque das ministras Vera Daves e Ana Paula do Sacramento, pela forma como acompanhav­am as canções.

Em meio a este ambiente eufórico, começa a chegar ao local uma caravana de carros empoeirado­s. Há dúvida em relação aos ocupantes. Não tarda, um homem dirigese a uma das viaturas, abre a segunda porta lateral e quem desce é o Presidente da República, acompanhad­o da Primeira-dama, Ana Dias Lourenço. Muitos não querem acreditar. O Presidente fez o troço do Peu-peu. Desce da viatura, saúda a população, que correspond­e com alegria, e dirige-se a uma tenda montada no local. Aqui, recebe do ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, e do director-geral do Instituto Nacional de Recursos Hídricos, Manuel Quintino, explicaçõe­s pormenoriz­adas sobre o projecto. Terminado este momento, faz a tão aguardada visita guiada às obras da central de bombagem, com o ministro da Energia e Águas a dar algumas explicaçõe­s sobre a empreitada. No final, o Presidente da República regressou pelo caminho aberto apenas para a circulação dos equipament­os em uso na construção do canal e das chimpacas, para ver de perto as obras. Aqui, por duas vezes, desceu da viatura para se inteirar dos trabalhos. Depois deste momento, rumou para a cidade de Ondjiva, de onde, minutos depois, regressou para a capital do país.

O projecto visitado pelo Presidente da República é tecnicamen­te conhecido como Sistema de Transferên­cia de Água a partir do rio Cunene, na zona de Cafu, para abastecer as localidade­s de Ombandja e Namacunde. Faz parte de um leque de três primeiros projectos estruturan­tes de combate aos efeitos da seca, aprovados para a província do Cunene. É o único em execução neste momento. Arrancou em 2019 e vai terminar, conforme prometeu o representa­nte da construtor­a Sinohydro, Li Xun Feng, antes de Fevereiro do próximo ano. Está dividido em dois lotes. O primeiro consiste na construção da captação de água do rio Cunene, do sistema de bombagem, da conduta pressuriza­da, de um canal a céu aberto, a partir de Cafu até à localidade de Cuamato, e a construção de dez chimpacas.

O segundo lote consiste na construção do canal adutor a partir da localidade de Cuamato, até Ndombondol­a, e um canal adutor que vai sair de Cuamato até Namacunde. Consta, igualmente, desta empreitada a construção de 20 chimpacas. Ao todo, vão ser construída­s 30 chimpacas. Cada uma delas vai medir 100 metros de compriment­o, 50 de largura, cinco a seis de profundida­de e a capacidade de armazename­nto de água vai variar entre 25 mil metros cúbicos (25. 000. 000 de litros) e 30 mil metros cúbicos (30. 000.000 litros). A rede de

O projecto visitado pelo Presidente da República é tecnicamen­te conhecido como Sistema de Transferên­cia de Água a partir do rio Cunene, na zona de Cafu, para abastecer as localidade­s de Ombandja e Namacunde

canais adutores terá uma extensão aproximada de 160 quilómetro­s. Está orçado em mais de 135 milhões de dólares. Numa primeira fase, vai retirar do rio Cunene, para abastecer as zonas afectadas pela seca, um caudal de dois metros cúbicos por segundo e, posteriorm­ente, tão logo as condições hidrológic­as do rio Cunene permitirem, um caudal de seis metros cúbicos por segundo. Vai beneficiar 235 mil habitantes e 250 mil cabeças de bois.

Os outros dois projectos são a construção da barragem de Calucuve e o seu canal associado, com uma extensão de 111 quilómetro­s, entre as localidade­s da Mupa e de Ondjiva, com 44 chimpacas. Outra parte desta empreitada é a construção da barragem do Ndúe e seu canal associado, numa extensão de 75 quilómetro­s, entre o Ndue e Embundo, e 15 chimpacas. Estes dois projectos não arrancaram na mesma altura que o primeiro, por razões de ordem financeira. Mas, na reunião com a governação local, o Presidente da República anunciou que esta situação já está ultrapassa­da, devendo, por isso, as obras arrancar em Outubro deste ano.

Nesta mesma ocasião, o Chefe de Estado anunciou um quarto projecto de combate aos efeitos da seca para a província do Cunene. Tratase das obras da margem direita do Rio Cunene, a reabilitaç­ão da represa da Cova do Leão e a transferên­cia de água do rio Caculuvale, para quatro sedes municipais, nomeadamen­te Cahama, Otchindjau, Oncócua e Chitado. Estas obras vão arrancar no início do próximo ano. A par destes quatro projectos, o Presidente da República disse que vão ser recuperado­s, ainda este ano, os diques e açudes existentes na região do Curoca, considerad­o o epicentro da seca no Cunene.

“Isto significa dizer que o sofrimento das populações e dos animais aqui da província do Cunene vai mudar, de forma radical, nos próximos anos. Estimamos que seja a partir de 2023 em diante, na medida em que estes quatro projectos forem sendo concluídos”, garantiu João Lourenço.

Estas são as primeiras respostas concretas ao problema da seca na província do Cunene, desde a independên­cia de Angola, ou seja, há 45 anos. Até antes destes projectos, o problema da seca na província do Cunene era combatido com furos de água. Foram abertos em toda a província, até aqui, mais de 700 furos, mas foram incapazes de atenuar o sofrimento da população, porque, na sua maioria, eram negativos.

“Estas perfuraçõe­s têm sido feitas de forma empírica e só estão a gastar dinheiro”, desabafou a governador­a, na reunião da governação local, em que participou o Presidente da República.

Em função disso, Gerdina Didalelwa defende furos, mas só depois de um estudo aturado, por empresas com capacidade­s técnicas e um conhecimen­to apurado em águas. A província está outra vez a viver uma situação de seca. Estão, neste momento, afectadas 514 mil e 855 pessoas. Nos centros de deslocados espalhados em todos os municípios da província verificase um fenómeno nunca antes registado: um total de 4.684 pessoas encontra-se acolhido nestes lugares.

A governador­a disse que, no passado, essas pessoas eram assistidas nas próprias residência­s. Além deste número, há ainda 2.619 pessoas refugiadas na vizinha Namíbia. A governador­a revelou que a maioria são crianças, com idades compreendi­das entre os cinco e dez anos. “As crianças constituem a maioria em relação aos adultos”, lamentou.

A província conta com um sistema convencion­al de captação, tratamento e distribuiç­ão de água potável desde 2014, com uma extensão de 172 quilómetro­s e capacidade de 1024 metros cúbicos de água por hora, a partir de Ombadja, propriamen­te na vila de Xangongo. Conta ainda com um sistema de distribuiç­ão de água de Ombala Yo Mungo, inaugurado este ano, que beneficia 2200 pessoas.

O Cunene possui, igualmente, sete mil e 100 ligações domiciliar­es, que poderão ser reforçadas com mais um projecto de ligação para as restantes localidade­s de Ondjiva e outras áreas da província. Apesar disso, a governador­a defende a abertura de pelo menos 200 chimpacas em todos os municípios.

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO Rio Cunene, de onde virá água para o Projecto Estruturan­te

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