Egipto, Sudão e Etiópia “em guerra” por causa da água
Diz-se que as próximas guerras serão, eventualmente, por causa da água, o líquido que se vai escassear e gerar diferendos políticos, económicos e militares com contornos que vão afectar a segurança, a soberania e a existência dos Estados.
A construção da chamada "Grande Barragem do Renascimento Etíope" (tradução literal do Inglês Grand Renaissance Ethiopian DAM-GERD), à montante do rio Nilo, um curso de dia partilhado por nove países e que está a gerar em três deles um clima quase de guerra, é um caso sério a nível regional e continental.
Erguida a partir de 2011, numa altura em que a Primavera Árabe fazia manchete na imprensa e sociedade dos países afectados ao ponto de se terem esquecido dos contornos do empreendimento que, ao que se diz, será o maior de África, pode provocar a primeira guerra por causa da água. Situado a cerca de 15 km a este da fronteira com o Sudão, sobre o Nilo Azul, a CERD terá uma capacidade de produção eléctrica de 6000 MW, tida como a mais potente de África.
A barragem está concluída e, hoje, muitos lembram-se da Declaração de Princípios, assinada em 2015 entre os três países, que não ajuda a esclarecer elementos basilares sobre os moldes em que se iria processar a fase subsequente ao fim das obras e início do enchimento.
Numa altura em que a Etiópia se prepara para a segunda fase de enchimento da barragem, os alarmes "soaram" em Cartum e no Cairo, ao ponto de chamar a atenção do Conselho de Segurança da ONU que, oportunamente, convocou uma reunião, com os representantes daqueles países, nomeadamente do Egipto, da Etiópia e do Sudão, no dia oito de Julho.
O pronunciamento do ministro egípcio dos Negócios Estrangeiros, Sameh Shoukry, da sua homóloga do Sudão, Mariam Sadiq al-mahdi e do ministro etíope da Água, Irrigação e Energia, Seleshi Bekele, junto do Conselho de Segurança da ONU, espelhou bem o quadro preocupante em que se encontra o assunto. Foram intervenções muito carregadas, envolvendo, ainda que remotamente, ameaças veladas de Sameh Shoukry, quando falou em questões de segurança e de "ameaça existencial", por exemplo.
O governante egípcio fez referência ao que chamou de alegada "intransigência das autoridades etíopes" em prosseguir com um projecto, segundo o mesmo, à revelia do que eventualmente seria uma coordenação tripartida, atendendo que o rio é um curso de água partilhado. Shoukry diz que o Egipto não está contra a construção da barragem, defendendo que a Etiópia devia reservar espaço de concertação sobre o tempo em que se pretende encher a barragem, a quantidade de água a reter e a liberar, bem como outros procedimentos a observar com a operacionalização do projecto.
Diz-se que se a Etiópia encher a barragem em intervalo de cinco a sete anos, o Egipto terá perdas de água à volta de 12 a 25 por cento e atendendo aos ciclos nem sempre previsíveis de seca ou redução do caudal do rio, o país dos Faraós alega ter razões para temer. A Etiópia pretende fazer em intervalo de quatro a seis anos.
Sameh Shoukry acusou as autoridades etíopes de rejeitarem todas as diligências para uma saída pacífica da actual crise, incluindo as investidas diplomáticas do Chefe de Estado da RDC, enquanto presidente em Exercício da União Africana. Do lado do Sudão, a ministra dos Negócios Estrangeiros, solidária para com o homólogo egípcio, lembrou que ao longo de dois anos as autoridades etíopes, alegadamente, ignoraram todas as preocupações que envolvem questões de segurança e economia, apenas para citar estas, dos dois países. Mariam Sadiq al-mahdi indicou que o seu país fez numerosos investimentos agrícolas que podem estar agora sob ameaça extrema do projecto de construção da GERD.
Para o ministro etíope da Água, Irrigação e Energia Seleshi Bekele, todas as preocupações levantadas pelo Egipto e Sudão "são exageradas" e que o seu país nunca fechou as portas ao diálogo e concertação. Bekele exemplificou que o Egipto, nos anos 60, não tinha consultado a nenhum país com o qual partilha o curso do Nilo para erguer a barragem de Assuão que, segundo o governante etíope, é maior que a GERD.
Embora a iniciativa do Conselho de Segurança da ONU tenha sido oportuna e significativa ao colocar os representantes dos três países "face to face" para apresentarem os argumentos de razão em defesa dos seus respectivos Estados, esteve longe de produzir os efeitos desejados. Os holofotes voltam-se ao continente.
A Etiópia é favorável que o problema tenha uma mediação continental, privilegiando o papel que o presidente em Exercício da União Africana, Félix Tshisekedi, tem desempenhado, contrariamente ao Egipto que olha com mais esperança para o Conselho de Segurança, tendo já "arregimentado" as monarquias do Golfo Pérsico em sua defesa.
Se o Conselho de Segurança da ONU, a União Africana e os parceiros de peso dos três países, nomeadamente Estados Unidos, a Rússia, a China e a União Europeia não forem capazes de "pressionar" as partes para enveredar pelo diálogo e concertação em que deve haver cedências e concessões mútuas, o espectro da guerra estará inevitavelmente presente.
Resta saber se o Conselho de Segurança ao endossar a mediação da União Africana estará a "lavar as mãos" ou se, privilegiando soluções africanas para os problemas africanos, estará a dar aos três países, com o papel facilitador de Félix Tshisekedi, espaço de actuação para que os Estados excluam medidas unilaterais, explorem o diálogo e a concertação para evitar a guerra.
Resta saber se o Conselho de Segurança ao endossar a mediação da União Africana estará a "lavar as mãos" ou se, privilegiando soluções africanas para os problemas africanos, estará a dar aos três países, com o papel facilitador de Félix Tshisekedi, espaço de actuação para que os Estados excluam medidas unilaterais, explorem o diálogo e a concertação para evitar a guerra