Concessão bate recorde com angolanos entre os beneficiários
Mais de 149 mil estrangeiros passaram a ter o cartão de cidadão nacional em 2020 e, nos primeiros meses deste ano, já foram 56 mil. Fruto da intensificação dos fluxos migratórios e das alterações à lei. Em primeiro lugar estão os naturais do Brasil seguidos dos oriundos de Israel. Angolanos também entram nas contas
Odília Carvalho levantou-se às 04h00 num dia de semana para ir para a fila da Conservatória do Registo Civil da Amadora, região de Lisboa, em Portugal. Mora em Casal da Mira, no concelho, apanhou dois autocarros, chegou às 05h00 e recebeu a senha 08 B, o que significa que houve quem chegasse bem primeiro. Vai pedir o passaporte como portuguesa, nacionalidade que obteve em Outubro, depois de muitos documentos e anos de espera. Natural de Angola, é uma dos mais de 149 mil estrangeiros que obtiveram o cartão de cidadão em 2020, um novo recorde.
Odília tem 43 anos, trocou Angola por Portugal há 20. De início, regularizar a sua situação não foi fácil, depois da autorização de residência temporária veio a permanente. Pedir a nacionalidade portuguesa era um desejo que foi adiando. Em 2017, deu o primeiro passo, mas só obteve o registo como portuguesa três anos depois.
“Fiquei muito tempo à espera. Havia dificuldade com a certidão de nascimento. Diziam que tinha ido de Luanda para o Porto, marcar e não marcar a entrega dos documentos, acabei por só conseguir nacionalidade em Outubro. É muito complicado”, contou.
A partir desse momento, tem vindo a tratar de todos os papéis para ser portuguesa de pleno direito. Recebeu o cartão de cidadão há dias, falta-lhe, agora, o passaporte. E, como não é possível o agendamento, madrugou para ir para a fila da conservatória.
A Conservatória do Registo
Civil da Amadora tem a porta fechada e só é aberta quando um funcionário vem chamar quem marcou o atendimento presencial. São três os avisos colados no vidro: “o agendamento para atendimento nesta conservatória encontra-se suspenso por as agendas se encontrarem esgotadas”; “Atendimento presencial limitado à capacidade da conservatória” e “Distribuição de senhas suspensa por ter atingido o limite da capacidade de atendimento”. Limite que foi atingido muito antes de
abrir, às 09h00. E ninguém sabe, nem os funcionários, quantas entregam por dia. O número é sempre variável.
A conservatória fica nas arcadas de um prédio, com as pessoas a esperar do lado de fora, em pé, sentadas no chão. Um ou outro já traz cadeira. Primeiro, atendem quem fez agendamento, só depois quem tem senha. Estes temem que não sejam recebidos depois das 16h00, a hora de encerramento dos serviços. Uma funcionária tranquiliza: “Serão todos atendidos.”
12 e 13 horas de espera
O primeiro dessa fila final é Ismael Kanga, um jovem que, praticamente, faz uma directa, pois chegou às 04h00. Esperou quase 13 horas para ser atendido.
A angolana Odília sai com o pedido de passaporte feito às 17h30, mais de 12 horas depois deterchegado.omesmotempo de espera de Irina Chascear, uma romena a viver em Portugal há 20 anos, que, finalmente, conseguiu pedir o cartão de cidadão para a filha de 6 anos, que já nasceu no país.
Foi a quinta vez que esteve na fila das senhas - nas outras quatro não conseguiu. Tentou agendar, mas a única vaga possível para a sua área de residência era para Novembro, no Cacém, também em Lisboa.
“A escola começa em Setembro e ela precisa de ter o documento de identificação”, explicou.
Os atrasos nos serviços são uma crítica constante de portugueses e estrangeiros. Quanto aos imigrantes, o gabinete do Ministério da Justiça chama a atenção para as nacionalidades concedidas em 2020 149.157, mais 2 % que em 2019, sendo assim o maior número de sempre. E, até 30 de Abril deste ano, decidiram favoravelmente 56.550 processos, segundo a tutela.
Um aumento que tem que ver com a alteração da Lei n.º 37/81, que vai na 11.ª versão, nomeadamente, o facto de um cidadão estrangeiro poder ter a nacionalidade por naturalização, ao fim de cinco anos consecutivos de residência legal em Portugal, regra de 2018.
Desde 2013, esse direito é concedido aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, “através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objectivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente, apelidos, idioma familiar, descendência directa ou colateral”.
Tais alterações explicam a razão pela qual os brasileiros estão em maior número nos novos portugueses, são a comunidade maioritária no país.