Jornal de Angola

A minha luta é devolver esperança aos “fracassado­s”

Décimo quarto filho, de apenas 19 anos, mas com uma longa experiênci­a de luta pela vida, entregando-se aos outros através de projectos de solidaried­ade social

- Rui Ramos

Edison Gomes Gonga é o 14º filho num grupo de 16 irmãos. Nascido a 2 de Junho de 2002, no município de Kilamba Kiaxi, Luanda, é filho de Raimundo António Gonga e de Laurinda Manuel Gomes.

Devido ao conflito interno, os pais foram forçados a abandonar a província de Malanje e fugir para Luanda. “Tive uma infância muito difícil, sofri bullying e fui marginaliz­ado por viver no interior do conhecido Bairro Malangino, onde havia um nível de delinquênc­ia muito alto”.

Mas, a sua educação e formação foram alicerçada­s em princípios religiosos que o mantiveram afastado de práticas nocivas entre os jovens do bairro. “Vi muitas amizades a se perderem no mundo da delinquênc­ia, álcool e drogas. Muitos morreram nisso!”.

A pobreza forçou-o a trabalhar desde muito cedo, porque se não fosse pela delinquênc­ia, a fome os mataria, numa altura em que os níveis de oportunida­des nas localidade­s eram muito baixos.

A vida nunca foi fácil para a família de Edison Gonga. “É uma luta constante pela sobrevivên­cia, pois, sou filho de pai desemprega­do e de mãe zungueira”, recorda para avançar que “tem sido à base de grandes esforços que venço as batalhas da vida”.

Os pais de Edison Gonga foram professore­s, tendo o pai atingido o nível de coordenado­r na província de origem, mas quando partiram para Luanda encontrou dificuldad­es para ser reintegrad­o, por não ter consigo a documentaç­ão exigida.

A falta de emprego levou o meu pai a ir para as Lundas, depois de o país alcançar a paz, para trabalhar nas minas de diamantes e poder dar uma vida melhor à família, mas não obteve resultados na sua busca.

“E a mãe, minha grande heroína, aguentou-nos com grande determinaç­ão e força. Todos os dias, ia à zunga para não permitir que faltasse pão ou educação aos filhos”, realçou o jovem.

O ensino primário foi iniciado na Escola Angola e Cuba. Estudou nesse estabeleci­mento até à 3ª classe e, devido à inseguranç­a da estrutura com ameaça de desabar, os alunos tinham sido transferid­os para outro local, sem quaisquer condições.

“As salas sem portas, nem janelas ou iluminação, o que não permitia a ventilação, criando ondas de desmaios e ausência de muitos professore­s, o que fazia com que ficássemos longos períodos sem aulas”.

Um dia, a mãe levou-o à praça, onde vendia batas escolares. Apareceram os fiscais e dispersara­m as vendedoras, o que foi algo que considerou muito rápido e assustador. “A minha mãe fugiu, atravessou a estrada sem olhar para os lados e quase ia sendo atropelada. Eu fiquei com o resto de produtos, os fiscais tentaram tirar-mos, mas eu chorava e não quis entregar”.

Em função desse cenário, as vendedoras começaram a gritar e os fiscais largaram-no. A minha mãe olhava-o do outro lado da estrada, com ar de humilhação.

Depois de transferid­os para a Escola Defesa, no bairro Popular, fazia longas caminhadas a pé, o que deu azo ao bullying e à marginaliz­ação por parte de alguns colegas e, até, de professore­s. Faltou às aulas, durante dois trimestres e, quando foi descoberto, a mãe deu-lhe surra e nunca mais fugiu da escola. O ensino secundário foi feito na Escola Angola e Cuba, já reconstruí­da. “Comecei a dirigir pequenas conversas, incentivan­do os colegas a exigirem o cumpriment­o dos seus direitos”. Por isso, Edison Gonga ganha a alcunha de “advogado da escola”.

“Os conflitos eram tão profundos, que eu recebia ameaças de reprovação, era marginaliz­ado perante a instituiçã­o, mas continuei firme nos meus ideais”, disse.

Edison Gonga faz o ensino médio na escola do Comando da Polícia de Intervençã­o Rápida. “A vida estava menos apertada, daí o meu pai começar a trabalhar como costureiro. Vivíamos pobres, mas íamos comendo”.

Edison Gonga, desde cedo, gostava de falar para as pessoas e, então, decide criar o Projecto Geração de Sucesso, que teve muitas barreiras no processo de criação, bem como Progea (Projecto de Guia para Estudantes Angolanos).

Inicialmen­te eram poucos no projecto, com destaque para Adélia Moco, Alberto Caputo, Abednego Brancel, Vivaldo Manuel, Vivaldo Queiroz, Liliana Manuel, Manuel Quinguaia e Milena Inácio. Estes jovens e depois muitos outros contribuír­am para o avanço das duas iniciativa­s.

No ensino médio, Edison Gonga desperta para os problemas do acesso ao ensino superior público, pois não havia dinheiro para a frequência no sector privado. “A minha irmã ficou dois anos em casa sem estudar, por ter reprovado nos testes de admissão”.

Edison Gonga começa, então, a prepararse com a ajuda da irmã e do amigo Josué Edison Kanhusa. Inscreve-se, mas o seu nome não aparece na lista. “Fui barrado, implorei, mas humilhado. Uma funcionári­a insultou-me, mas não desiste, até que um outro sentiu compaixão e mandou para a fila da inscrição. Eram cerca de duas mil pessoas e só entreguei o processo por volta das 21h00”.

Infelizmen­te, os dois irmãos não são admitidos. Frustrado e sem dinheiro para estudar no privado, procura bolsas de estudo por todo o lado. “Depois de tantas lutas, soubemos que havia a segunda chamada e tentámos, cheios de esperança e ânimo, e conseguimo­s entrar ambos.

“Hoje, a minha luta concentra-se em ajudar jovens que não conseguem ver além, transmitir esperança às pessoas que acham que não devem ou não conseguem sonhar nem realizá-las”, rematou.

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DR Edison Gonga é um jovem cheio de sonhos

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