Jornal de Angola

“Estou bem na vida social e profission­al”

- António Cristóvão

O antigo meio-campista do 1º de Agosto e dos Palanca Negras, Ivo Traça, 60 anos, disse ao Jornal de Angola que está bem na vida social e profission­al, “com um salário suficiente para não ser mendigo”. O técnico assistente do clube do Rio Seco gaba-se de ter ganho todos os títulos no futebol nacional. “Como desportist­a no 1º de Agosto ganhei tudo que deveria vencer. Sou filho querido do clube e estou bem na equipa. Não ganho muito e nem mal de salário. Estou bem colocado. Comecei a trabalhar no escalão de formação e actualment­e estou na equipa principal”, disse sem rodeios

Convidado a se pronunciar sobre como geriu a vida social depois de ter “pendurado” as chuteiras, Ivo Traça garantiu que já havia se preparado antes. “A vida de um jogador é quando termina a carreira. É aí onde vemos quem é este homem, mas tive a felicidade, quando terminei a minha carreira, de nos anos anteriores ir me preparando para ter uma vida estável. Tive sempre a paixão de um dia ser treinador. No Grupo Desportivo dos Massacres éramos quem resolvia as questões administra­tivas do clube”, recorda, saudosista.

Depois de abandonar a carreira como futebolist­a, Ivo abraçou a função de treinador e no início orientou a equipa de juvenis do 1º de Agosto. Antes, em 1982, treinou e ajudou a constituir a equipa de juvenis dos Dínamos de Luanda.

Traça frequentou o primeiro curso de treinadore­s da FIFA, realizado na década de 80, em Luanda, com os técnicos nacionais Domingos Inguila, Daniel Kata e Joka Santinho. O seminário foi dirigido por prelectore­s brasileiro­s.

Traça contou ao Jornal de Angola que depois de ter completado 18 anos e ao serviço dos Palancas Negras, ainda fazia trabalhos domésticos, mesmo com irmãos mais novos em casa. “Actualment­e, os nossos menores ouvem pouco. Não era como nós naquela altura. Era jogador da Selecção Nacional de Honras, vivia no Hotel Dom João II, mas ainda tinha de sair da concentraç­ão para ir lavar a loiça em minha casa depois do treino”, lembra o técnico, que também já foi estofador. Traça admite que isso fazia parte da educação, era costume e uma rotina diária, todos os irmãos faziam os trabalhos domésticos.

“Tinha irmãos menores que podiam se ocupar deste serviço. Eu já resolvia os problemas de casa. Recebia dinheiro e tantas outras coisas, mas entregava à minha família”, acrescento­u, sem complexos de o dizer.

“Jogava na equipa principal, mas ainda levava as pastas dos mais velhos do clube depois do treino e não tinha problema nenhum. Mas, actualment­e, isso é um problema e eles (os menores) não aceitam”, apontou.

Questionad­o como está a gerir a carreira de treinador, Traça garantiu que se sente bem e espera um dia ser o técnico principal do 1º de Agosto.

“Cumpri uma missão de dois anos no Desportivo da Huíla e foi positivo. Foi uma óptima experiênci­a. Espero um dia ter a oportunida­de de poder treinar a equipa principal. Tudo é preciso ter o seu tempo. Estou feliz no 1º de Agosto”, garantiu. Indagado sobre a relação com os outros treinadore­s, Traça exaltou as qualidades dos técnicos com quem trabalhou durante a passagem pelos escalões de formação.

“Tive a felicidade de trabalhar com Jorge Humberto Chaves e Mário Soares. Foram pessoas muito úteis para mim. Bebi muito da experiênci­a deles. Ajudaram-me para que hoje seja o treinador que sou”, asseverou.

Início da carreira

Ivo Raimundo Traça nasceu aos 19 de Maio de 1961, na Rua da Serração Bailundo, no bairro Marçal, em Luanda, onde, na infância, deu os primeiros pontapés na bola. Iniciou a jogar pela equipa de futebol do Grupo Desportivo Massacres, na altura com 15 anos. O GD Massacres era uma agremiação do Marçal, fundada em 1976 por alguns mais velhos do bairro.

“Com o Massacres disputamos dois campeonato­s provinciai­s de juniores. No primeiro campeonato, tivemos uma óptima classifica­ção. No segundo, a prova não acabou, mas ficamos entre as oito equipas apuradas para a disputa da segunda fase. Estávamos com os mesmos pontos da Terra Nova”, conta o antigo meiocampis­ta.

Para Traça, a Terra Nova era uma das melhores equipas de juniores na altura em Luanda.

“A Terra Nova, o Maxinde e a Académica Social Escola do Zangado tinham os melhores conjuntos. No Rangel era o Massacres. Tínhamos também o Atlético (actual Petro de Luanda), Sporting, Benfica, Técnicos, Zinga e o Independen­te do Rangel (do Kota Licas). No Prenda estavam os Perdidos. Em quase todos os bairros havia equipas boas e muito fortes. Todas elas equiparava­m-se umas às outras. O Progresso do Sambizanga também tinha uma boa equipa, tal como o Uniases e o União do São Paulo”, lembrou.

Com a extinção do GD Massacres, em 1978, o grupo todo foi levado por Napoleão

Brandão “Tio Alfredo” ao 1º de Agosto, por sugestão de Agostinho, antigo lateral direito dos militares do Rio Seco e do 1º de Maio de Benguela, que foi morador do Marçal.

“O Agostinho falou com o Napoleão e este apareceu no bairro. Levou-nos a todos, os que integravam a equipa de juniores do Massacres, ao 1º de Agosto”, explicou Traça.

O antigo meiocampis­ta fez saber que depois de ter sido apurado nos testes, Napoleão Brandão foi buscar Nelito Kwanza, Stefânio, Antunes e Kará à Terra Nova, Isaac à Académica Social Escola do Zangado e Coluna ao Nelito Soares,

para reforçar a equipa de juniores do Rio Seco.

“Tive a felicidade de ficar no 1º de Agosto. Disputámos o Campeonato Provincial de juniores. Eu, o Nelo e o Chico Zé tivemos a felicidade de ser observados pelo treinador da equipa principal do 1º de Agosto, o Ferreira Pinto, que então solicitou para que pudéssemos treinar na equipa principal”, declarou Ivo Traça, para esclarecer como ascendeu tão cedo na equipa principal dos militares.

“Éramos um grupomuito­forte. Jogávamos a bola todos os dias quando regressáva­mosdaescol­a e aos finais de semana fazíamosos nossosjogo­s da praxepara o campeonato provincial”, disse.

Juniores do GD Massacres

Aequipadej­unioresdo Gdmassacre­seraintegr­adapelosat­letas Marcolino,chicozé,david, Zé Escarborit­a, Miguel Jibóia,paieta,bernardino “Waco”,ivotraça(capitão), Jesus (sub-capitão),neloesquer­dinho, Diata,gimata,mangueira, Toy, Docas, Araújo, Genito,andrade,sinho,

Diogo,ulissesene­lo“patola”. Os três últimos já são falecidos.

O GD Massacres foi fundado em 1976, no bairro Marçal, tendo como dirigentes Chico Gordo, Chico Bazuqueiro, Kafanhanha – falecidos - e Parreira.

Com a extinção do GD Massacres, Traça e outros colegas rumaram para a TAAG, por influência de alguns mais velhos do bairro, mas sem sucesso: devido ao corpo franzino foi dispensado pelo falecido treinador

Chico

Ventura. O sonho de jogar pelos aviadores esfumou-se.

“Na altura não tinha um corpo vistoso. Era muito magro. Chico Ventura viume e disse que não estava interessad­o em mim. Tranquilos regressamo­s ao bairro”, contou.

Ivo passou ainda pelo Ferroviári­o de Luanda, onde o resultado foi idêntico ao vivido na TAAG, devido à falta de massa muscular.

No primeiro Girabola, disputado em 1979, Ivo Traça ficou de fora da convocatór­ia da equipa principal do 1º de Agosto, devido à concorrênc­ia na sua posição. “Fui simplesmen­te expectador. Só treinava com os seniores. Entrei em campo apenas na segunda edição do Girabola, em 1980. Na altura, o 1º de Agosto era a base da Selecção Nacional, porque o clube cedia 15 ou mais jogadores”, esclareceu.

No estrangeir­o

Como atleta, Ivo Traça beneficiou de estágios e formações no Sporting e no de Carvalho”, explicou.

Traça passou pela mão de vários técnicos, entre nacionais e estrangeir­os, mas foi o brasileiro Paulo Roberto que mais o marcou durante a carreira como atleta, devido à sua metodologi­a de treino.

“Paulo Roberto em 1984 já fazia o trabalho que se faz hoje”, disse o antigo meio-campista, acrescenta­ndo que os jogadores africanos e sul-americanos “são indiscipli­nados tacticamen­te”.

Ivo Traça considerou que o treinador Ivan era bastante exigente e rigoroso com o grupo de trabalho e gostava de apostar nos mais jovens. “Não tinha problemas de alinhar um jovem a jogar. Era um treinador rigoroso e disciplina­do. Era um treinador forte e não via nomes”.

Impedido de ir ao Petro

Belenenses, O antigo ambos médio do 1º clubes de Agosto portuguese­s, esteve perto de representa­r anualmente, o Petro de Luanda após o no início e final de no final da cada década de edição 80, mas a do Girabola. direcção do clube do “No 1º Rio Seco impediu de a transferên­cia Agosto do atleta mesmo depois sempre de ter já assinado fui tratado as fichas de inscrição pelo conjunto do Eixo como Viário. “Fui um dos filho. atletas que o António Era um Clemente tanto quis jogador para jogar no Petro. querido O brasileiro criou no Rio muitas variantes, Seco. mas o regime não Tive permitiu a minha muitas saída. Eu fazia tratamento oportunida­des no Petro, com o fisioterap­euta em Portugal Getúlio. Já tinha assinado e pelo Petro, na exjugosláv­ia. ofereceram-me uma residência e iriam O pagar os salários em técnico dólares”, contou. Ivan colocou-me Ivo Traça explicou no queointere­ssedeantón­io Estrela Vermelha Clementeco­meçouapós e no ter representa­do com Partisans”, brioospala­ncasnegras, conta Ivo. naiiªediçã­odosjogosd­a “Ku Ngongo Áfricacent­raldisputa­dos ku Bola” em 1981, em Luanda. - alcunha que lhe Em 1987 António foi dada no Vietname Clemente voltou a -, Ivo Traça esteve convidar Ivo Traça, na Alemanha durante mas o clube militar anos, para tratamento voltou a rejeitar prontament­e de uma lesão, a proposta onde cumpriu também do Petro. um trabalho de “António Clemente recuperaçã­o da condição quis também física, após o o Vieira Dias e o falecido tratamento médico. Barbosa, mas “O Leipzig queria que infelizmen­te travaram eu ficasse na equipa, a nossa saída”, foram contactar o recordou. embaixador Mendes

Era jogador da Selecção Nacional de Honras, vivia no Hotel Dom João II, mas ainda tinha de sair da concentraç­ão para ir lavar a loiça em minha casa depois do treino

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