A notícia do Tio Martins!
Cheguei ao Jornal de Angola, ainda canuco, há mais de duas décadas. A dinâmica da empresa levou a que, em menos de seis meses, eu e meus companheiros Teixeira Cândido, Bernardino Manje, Adriano de Melo e Mayomona Kuma (que veio a “tirar voado” da equipa, poucos anos depois), todos estagiários, nos familiarizássemos com o pessoal antigo da casa.
Os jornalistas, fotógrafos, paginadores, revisores, motoristas, que bumbavam directamente na Redacção, eram incansáveis na transmissão de conhecimentos. Todos os dias, vivíamos cenas diferentes quer sobre práticas jornalísticas, quer sobre a vida. No fundo, era uma formação integral.
Nessa vida da busca de notícias, as ruas de Luanda comiam metade do nosso tempo, enquanto principiantes. A prática da reportagem era uma constante para quem, naquele tempo em que o mestre Osvaldo Gonçalves era o chefe de Redacção e a Luísa Rogério a chefe de Reportagem, quisesse ganhar algum espaço neste diário. Todos os dias, tínhamos a obrigação de escrever alguma coisa!
Normalmente, as equipas de reportagem eram compostas por jornalista, repórter fotográfico e motorista. E um dos “ndutas” com quem mais trabalhei foi o Tio Martins, um “kota altamente”, como diriam os jovens de hoje.
O Tio Martins, que, infelizmente, já se encontra na outra dimensão da vida, tinha pouca estatura física. O kota tinha mais ou menos 1,50 metros de altura, mas era bom de boca. Falava tanto, tinha sempre histórias para contar ao longo do trajecto. Havia quem achasse que a altura do Tio Martins tivesse sido engolida pela própria boca!
Sobre a altura do Tio Martins, o Caetano Júnior dizia que o kota tinha mais de dois metros de altura, mas, em cada acidente de viação em que estivesse envolvido, eram-lhe suprimidas partes das pernas!
Mas, houve dias de sorte, em que o kota não teve de ser submetido a essas amputações, como foi uma vez quando, certo dia, eu, a Mayomona e o Tio Martins regressávamos à Redacção, depois de termos feito as nossas coberturas. Em pleno Eixo Viário, uma das rodas do carro soltou-se.
Entramos em pânico, quando vimos o pneu a descer aquela zona de Luanda, em direcção a uma série de veículos. O Tio Martins desceu do carro e, a três quilómetros por hora, começou a correr atrás da roda, que, graças a Deus, encontrou uma árvore e ficou ali!
Essa era uma das cenas que marcaram, até hoje, os bons dias que partilhei com o nosso kota. Mas, o que aconteceu noutro dia foi ainda mais engraçado. Numa das avenidas da capital, o Tio Martins apertou o freio para dar prioridade de travessia a uma moça, ainda que essa estivesse a fazê-la fora da passadeira, que ficava a uns cinco metros!
A equipa de repórteres tinha de chegar rápido à Redacção, porque estavam os editores à espera das matérias. Cada segundo era importantíssimo para as contas do “nduta” e dos escribas.
Do outro lado, a moça nem está para nós. Fazia a travessia nas calmas. Tio Martins sentiu que a jovem, não sei quem quis impressionar, jingava pela estrada como se o mundo fosse só dela. Nervoso pela demora da transeunte, o kota ergueu-se pela janela do carro e gritou para a peoa:
- “Ó menina, não temos a tua vida. Ande lá rápido, invés de estares aí a abanar essa bunda. Ainda perdes a tua jinga, quando eu decidir atropelar-te e mandar o Cuteta te fazer uma notícia!”