Em defesa dos jogos endógenos
É comum recorrermos aos jogos ocidentais para nos deleitarmos e relaxarmos ou espevitarmos a mente.
Dos jogos ocidentais, o xadrez é o mais apreciado pelos intelectuais. Pelo xadrez, os jogadores conseguem travar uma batalha onde leva a melhor quem for mais atento.
Há um conjunto de jogos ocidentais que não têm piada nenhuma. Jogos como o golfe, o futebol americano e o boxe são, na nossa opinião, provas da banalidade. No golfe, jogadores impulsionam uma bola com um taco para o interior de vários buracos que se encontram num campo extenso; no futebol americano, usa-se muita agressividade, ataques e defesas com o corpo (touchdown) entre os jogadores de duas equipas e no boxe, um dos piores desportos do mundo para nós, atletas enfrentamse com os punhos, trocam socos violentamente.
Tendo em conta o rumo da colonização cognitiva que a maior parte dos africanos vai sofrendo ao longo dos séculos, em muitos países há a prática desses desportos ocidentais. Existem até federações.
Tomemos como exemplo “o membro da África global”, Mike Tyson que, em Las Vegas, pela prática do boxe, acabou por “comer” um pedaço da orelha do outro, Holyfield, no ringue, demonstrandodesrespeitoaooutro enquanto indivíduo.
Em África, a pessoa é valorizada enquanto elemento do cosmo. Muntu (a pessoa) deve cultivar a metafísica. Tanto é assim que as histórias contadas à volta da fogueira, na África profunda, servem muito mais para (in)formar as crianças e os jovens do que para se lhes pôr a dar risadas. O acampamento dos rapazes circuncidados (mukanda para o tucokwe) é uma escola endógena de aprendizagem do essencial para viver, os jisabhu, mi-imbu e jinongonongo (máximas, provérbios, poesia, canções e adivinhas em kimbundu) são elementos metafísicos e metonímicos.
O mesmo acontece com os jogos africanos. Ao contrário de muitos jogos ocidentais, os jogos africanos mais importantes nas comunidades são meios de demonstração de inteligência e prática da filosofia. Vejamos o caso dos jogos lwela (wela), npanza, ndele, sweka solola, mansasa mena e nkinka.
As práticas desportivas citadas no parágrafo anterior estão longe da brutalidade e banalidade do boxe, são jogos endógenos que ensinam o autocontrolo e a defesa das comunidades contra ataques estrangeiros, práticas desportivas de inteligência e de contrainteligência.
Ngonga Afonso, responsável pela promoção e valorização do Centro Histórico de Mbanza Kongo, capital do antigo Reino do Kongo, explana que, com a prática da lwela, era possível traçar uma estratégia ou ofensiva militar para a defesa do reino contra ataques inimigos, pois que este jogo servia de cartografia no campo de batalha.
Ngonga diz ainda que o jogo npanza era usado como um detector de mentiras em julgamentos [do direito consuetudinário].
O mesmo ukulu wendamba (mais-velho ajuizado) Ngonga encerra a sua comunicação esclarecendo que a prática desportiva da sweka solola funcionava como um estudo psicológico para desvendar alguns segredos ou descobrir o paradeiro de alguém.
Assim, notamos que os jogos endógenos são uma herança que devíamos aproveitar e modernizar para que os africanos pudessem espevitar a mente e evitar a prática de desportos ociosos e incitadores de violência, como é o caso do golfe, do boxe e de um conjunto de jogos electrónicos de guerra inventados e promovidos pelo Ocidente.
*Professor e ensaísta