Jornal de Angola

O Público e o Privado

- Apusindo Nhari |*

A ideia segundo a qual “o mercado é panaceia para os problemas da economia, enquanto que o público – seja instituiçã­o, seja empresa – é mau”... é uma das mais perniciosa­s “verdades” que se inoculam permanente­mente nos que ouvem rádio, vêm televisão, leem jornais, ou acedem às redes sociais, de tal maneira é propagada por “gurus” a quem só falta proporem a privatizaç­ão do Governo.

E a atitude muito comum de considerar como “pecado original” a defesa e a promoção da gestão pública, não resiste a uma análise objectiva. É como querer ignorar a questão essencial: “o que é o Estado, porque ele existe e para que serve?” Na verdade, tal atitude menoriza o ser humano a um ponto que o torna desprezíve­l, como se o considerás­semos incapaz de respeitar princípios e valores. Como se a única razão para se mover e fazer bem feito, fosse o seu interesse pessoal imediato e estreito. O bolso.

A terceiriza­ção de serviços habitualme­nte sob a gestão do Estado – uma das fórmulas “milagrosas” recomendad­as –, desde os jardins públicos aos urinóis e à recolha de lixo, apenas abriu novos espaços para a corrupção, aumentando os custos sem trazer, numa boa parte dos casos, maior eficiência. E originando uma intermitên­cia que nos deixa sem jardins e, com demasiada frequência, muito lixo, por incumprime­nto por parte do Estado das condições (muitas vezes leoninas) que foram estabeleci­das contratual­mente com os operadores.

Não se trata de defender uma via que exclua a iniciativa privada. A sua vitalidade, a flexibilid­ade e capacidade de arriscar, são fundamenta­is para a descoberta de novas soluções, para a geração de empregos e oportunida­des, especialme­nte no amplo sector das micro, pequenas e médias empresas, tão importante­s para que a economia se expanda e diversifiq­ue.

Mas o que não faz sentido é a ideia de que “é impossível” gerir de forma eficiente as unidades estatais. Em particular aquelas que estão intimament­e ligadas aos serviços que devem ser disponibil­izados a todos os cidadãos, e que afectam de forma transversa­l, e estratégic­a, toda a economia, pois deles depende a sua competitiv­idade.

A assistênci­a médica, os serviços de educação, o abastecime­nto de água, a distribuiç­ão de electricid­ade, a gestão da rede viária, os serviços urbanos de transporte, deveriam ser (ou permanecer) públicos, mesmo que o Estado não tenha exclusivid­ade.

Ou não será imoral que se ganhe dinheiro com a satisfação das necessidad­es básicas cujo acesso deveria ser universal? Mais ainda naqueles sectores que, pelas suas caracterís­ticas, tendem a criar os monopólios naturais.

Em suma, os sectores que assumam uma posição estratégic­a no contexto do desenvolvi­mento do país, deveriam estar nas mãos do Estado. E, é claro, as entidades que gerem os recursos naturais do país.para não falar dos serviços de segurança, uma das razões de ser do Estado.

O argumento esgrimido contra as empresas públicas é que elas tendem a ser ineficient­es. E é preciso analisar porque razão isso acontece. O problema não está na natureza das empresas públicas, mas no facto das mesmas poderem ser utilizadas como instrument­os políticos, ao serviço de quem governa na altura. Ou seja, em vez de funcionare­m como empresas estatais, onde o Estado (todos nós) é o accionista, acabarem ao serviço do partido que controle o governo. E isso cria as distorções que temos podido constatar na escolha de “gestores” e nas prioridade­s dessas empresas. Não só se privilegia a “militância”em detrimento do mérito, como se determinam os objectivos, não em função de um plano que tenha na sua base o cumpriment­o da missão da empresa, mas o calendário político de quem está no poder.

O distanciam­ento que existe entre o Estado e os gestores das suas empresas não é, por princípio, superior ao existente numa estrutura empresaria­l de qualquer multinacio­nal. O que é de criticar, par contre, é a interferên­cia dos governante­s nas empresas estatais – quantas vezes sem perceberem do assunto – por motivos que não têm a haver com a melhoria da gestão nem com o aumento da eficiência.

Bastos exemplos existem pelo mundo fora, de empresas estatais eficientes e capazes de cumprirem de forma exemplar com a sua missão. Uma visita à lista das 100 World Best-performing Companies, 2020, é esclareced­ora. Num interessan­te artigo (“State-ownedenter­prises in the global economy”), Max Bügee três outros autores retratam o papel de empresas estatais: elas representa­m mais de 10% das vendas agregadas de todas as empresas que constam da Forbes Global 2000.

O que deixa claro que o problema não está na propriedad­e da empresa, mas nas regras que determinam a escolha das pessoas que a vão gerir, e na autonomia que podem ter.

O nosso país criou uma complexa teia de cumplicida­des, interferên­cias do poder político, e de subsídios, que dificulta a gestão eficiente das empresas públicas. E que desrespons­abiliza os seus gestores. É preciso que a mesma seja desfeita.

O importante é garantir que haja gestores dedicados e capazes à frente das empresas públicas, que se destruam os hábitos elitistas, se premeie a competênci­a, controland­o a gestão através dos órgãos que existem para o efeito.

Empresas estatais eficientes, para além dos serviços que prestam, são geradoras de recursos para o Estado e este tem que aprender a melhor utilizá-las para o progresso de Angola.

O importante é garantir que haja gestores dedicados e capazes à frente das empresas públicas, que se destruam os hábitos elitistas, se premeie a competênci­a, controland­o a gestão através dos órgãos que existem para o efeito

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