O Público e o Privado
A ideia segundo a qual “o mercado é panaceia para os problemas da economia, enquanto que o público – seja instituição, seja empresa – é mau”... é uma das mais perniciosas “verdades” que se inoculam permanentemente nos que ouvem rádio, vêm televisão, leem jornais, ou acedem às redes sociais, de tal maneira é propagada por “gurus” a quem só falta proporem a privatização do Governo.
E a atitude muito comum de considerar como “pecado original” a defesa e a promoção da gestão pública, não resiste a uma análise objectiva. É como querer ignorar a questão essencial: “o que é o Estado, porque ele existe e para que serve?” Na verdade, tal atitude menoriza o ser humano a um ponto que o torna desprezível, como se o considerássemos incapaz de respeitar princípios e valores. Como se a única razão para se mover e fazer bem feito, fosse o seu interesse pessoal imediato e estreito. O bolso.
A terceirização de serviços habitualmente sob a gestão do Estado – uma das fórmulas “milagrosas” recomendadas –, desde os jardins públicos aos urinóis e à recolha de lixo, apenas abriu novos espaços para a corrupção, aumentando os custos sem trazer, numa boa parte dos casos, maior eficiência. E originando uma intermitência que nos deixa sem jardins e, com demasiada frequência, muito lixo, por incumprimento por parte do Estado das condições (muitas vezes leoninas) que foram estabelecidas contratualmente com os operadores.
Não se trata de defender uma via que exclua a iniciativa privada. A sua vitalidade, a flexibilidade e capacidade de arriscar, são fundamentais para a descoberta de novas soluções, para a geração de empregos e oportunidades, especialmente no amplo sector das micro, pequenas e médias empresas, tão importantes para que a economia se expanda e diversifique.
Mas o que não faz sentido é a ideia de que “é impossível” gerir de forma eficiente as unidades estatais. Em particular aquelas que estão intimamente ligadas aos serviços que devem ser disponibilizados a todos os cidadãos, e que afectam de forma transversal, e estratégica, toda a economia, pois deles depende a sua competitividade.
A assistência médica, os serviços de educação, o abastecimento de água, a distribuição de electricidade, a gestão da rede viária, os serviços urbanos de transporte, deveriam ser (ou permanecer) públicos, mesmo que o Estado não tenha exclusividade.
Ou não será imoral que se ganhe dinheiro com a satisfação das necessidades básicas cujo acesso deveria ser universal? Mais ainda naqueles sectores que, pelas suas características, tendem a criar os monopólios naturais.
Em suma, os sectores que assumam uma posição estratégica no contexto do desenvolvimento do país, deveriam estar nas mãos do Estado. E, é claro, as entidades que gerem os recursos naturais do país.para não falar dos serviços de segurança, uma das razões de ser do Estado.
O argumento esgrimido contra as empresas públicas é que elas tendem a ser ineficientes. E é preciso analisar porque razão isso acontece. O problema não está na natureza das empresas públicas, mas no facto das mesmas poderem ser utilizadas como instrumentos políticos, ao serviço de quem governa na altura. Ou seja, em vez de funcionarem como empresas estatais, onde o Estado (todos nós) é o accionista, acabarem ao serviço do partido que controle o governo. E isso cria as distorções que temos podido constatar na escolha de “gestores” e nas prioridades dessas empresas. Não só se privilegia a “militância”em detrimento do mérito, como se determinam os objectivos, não em função de um plano que tenha na sua base o cumprimento da missão da empresa, mas o calendário político de quem está no poder.
O distanciamento que existe entre o Estado e os gestores das suas empresas não é, por princípio, superior ao existente numa estrutura empresarial de qualquer multinacional. O que é de criticar, par contre, é a interferência dos governantes nas empresas estatais – quantas vezes sem perceberem do assunto – por motivos que não têm a haver com a melhoria da gestão nem com o aumento da eficiência.
Bastos exemplos existem pelo mundo fora, de empresas estatais eficientes e capazes de cumprirem de forma exemplar com a sua missão. Uma visita à lista das 100 World Best-performing Companies, 2020, é esclarecedora. Num interessante artigo (“State-ownedenterprises in the global economy”), Max Bügee três outros autores retratam o papel de empresas estatais: elas representam mais de 10% das vendas agregadas de todas as empresas que constam da Forbes Global 2000.
O que deixa claro que o problema não está na propriedade da empresa, mas nas regras que determinam a escolha das pessoas que a vão gerir, e na autonomia que podem ter.
O nosso país criou uma complexa teia de cumplicidades, interferências do poder político, e de subsídios, que dificulta a gestão eficiente das empresas públicas. E que desresponsabiliza os seus gestores. É preciso que a mesma seja desfeita.
O importante é garantir que haja gestores dedicados e capazes à frente das empresas públicas, que se destruam os hábitos elitistas, se premeie a competência, controlando a gestão através dos órgãos que existem para o efeito.
Empresas estatais eficientes, para além dos serviços que prestam, são geradoras de recursos para o Estado e este tem que aprender a melhor utilizá-las para o progresso de Angola.
O importante é garantir que haja gestores dedicados e capazes à frente das empresas públicas, que se destruam os hábitos elitistas, se premeie a competência, controlando a gestão através dos órgãos que existem para o efeito