Presidente de Cabo Verde regressa da ONU optimista sobre alívio da dívida
O Chefe de Estado indicou, no seu discurso perante a Assembleia Geral da ONU, na quarta-feira, que a pandemia de Covid-19 gerou “uma recessão nunca antes experimentada, traduzindo-se numa redução de 14,8%” do Produto Interno Bruto (PIB)
O Presidente de Cabo Verde disse à agência Lusa estar “relativamente optimista” sobre o alívio da dívida, após conversas com outros países na semana anual mais importante da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque.
O Chefe de Estado caboverdiano, Jorge Carlos Fonseca, adiantou que o alívio da dívida do país foi um tema sempre presente nas reuniões bilaterais que manteve com dignitários de outros países ou instituições, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, com reacções “relativamente optimistas”, especialmente para a possibilidade de transformação da dívida em investimentos.
“Nós falamos sempre do perdão ou o alívio da dívida, porque estamos num contexto complicado. Somos o país em África que sofreu os impactos mais fortes da pandemia. Somos um país de rendimento médio, mas somos também um pequeno país insular em desenvolvimento”, afirmou Jorge Carlos Fonseca à Lusa.
O Presidente cabo-verdiano defendeu que “todas essas condições devem sugerir e favorecer posições de perdão de dívida ou de alívio da dívida”.
“Portanto, temos feito esse apelo, discutindo isso com as instituições internacionais, mas também bilateralmente com alguns dos países amigos e outros parceiros”, acrescentou.
“Não é fácil, mas, sobretudo quando nós propomos a transformação de dívida em investimento, eu creio que é mais fácil de obtermos, digamos, uma solução a nosso contento”, sublinhou.
Aos seus homólogos internacionais, relatou a situação da pandemia no arquipélago e o facto de “Cabo Verde ser o país africano que, comprovadamente, sofreu os impactos económicos e sociais de uma forma mais brutal”.
Como indicou no seu discurso perante a Assembleia Geral da ONU, na quartafeira, a pandemia de Covid19 gerou “uma recessão nunca antes experimentada, traduzindo-se numa redução de 14,8%” do Produto Interno Bruto (PIB).
O Presidente cabo-verdiano explicou à Lusa que, “com o turismo parado, os impactos são tremendos”, um sector que representa 25% da economia nacional, “67% da balança de pagamentos com o exterior e 20% da empregabilidade”.
O sector tem dado “alguns sinais de uma retoma tímida”, nomeadamente nas ilhas turísticas como o Sal e Boavista, durante o alívio das medidas restritivas impostas por causa da Covid-19, considerou.
Estados insulares
O Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, afirmou que a “primeira prioridade” do arquipélago é “combater” a pandemia de Covid-19 e pediu mais atenção aos problemas dos pequenos Estados insulares.
“Na presente conjuntura, a primeira prioridade de Cabo Verde é combater a pandemia de Covid-19. Ganhos importantes e consistentes têm sido registados, tanto na redução das taxas de transmissão, quanto na taxa de vacinação da população elegível, que já atingiu os 74%, com pelo menos uma dose, sendo nossa meta atingir 85%, da população elegível, totalmente imunizada, até ao final de Outubro”, afirmou.
“Este sucesso não seria possível sem a perseverança e determinação que caracterizam os dirigentes e o povo cabo-verdianos, bem assim como o reforço da solidariedade mundial de todos os parceiros, designadamente do Covax. O nosso mais vivo agradecimento a todos”, disse ainda Jorge Carlos Fonseca.
O mecanismo Covax é uma iniciativa fundada pela Organização Mundial da Saúde (OMS, agência das Nações Unidas), que visa garantir uma vacinação equitativa global contra o novo coronavírus.
Paralelamente, reconheceu, a recuperação económica continua a ser uma prioridade para Cabo Verde, “principalmente através da retoma do sector do turismo e das economias conexas”.
“O reconhecimento recíproco dos certificados de vacinação e a revisão dos avisos de viagens são medidas em relação às quais Cabo Verde tem vindo a trabalhar com os parceiros públicos e privados e orientações internacionais, nesse sentido, só poderão apoiar e encorajar o retorno do turismo”, apelou Jorge Carlos Fonseca.
Segundo o Presidente, Cabo Verde “tem estruturalmente todas as características” de um Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento (SIDS, na sigla em inglês), nomeadamente, “a pequenez física e a dispersão em ilhas, a imersão em grandes espaços oceânicos e o afastamento dos principais mercados”, que “fragilizam a sua base económica, acentuam a sua exposição às mudanças climáticas e a outros fenómenos ambientais, como a seca”, reduzindo a “resiliência face aos fenómenos naturais e a outros choques externos”.
“Nesse âmbito, as manifestações e impacto da Covid-19 somente exacerbaram as condições preexistentes, fazendo dos SIDS os mais afectados pela pandemia”, enfatizou.
“Os SIDS, seus problemas, desafios e soluções, deverão estar presentes na Cimeira do Futuro, anunciada pelo Secretário-geral (da ONU, António Guterres), como parte dos problemas, mas também como parte das soluções. E a oportunidade se nos oferece para a tomada de decisões que venham ao encontro das especificidades e dos legítimos interesses e aspirações deste grupo de países, de entre os mais vulneráveis da família das Nações Unidas, não deixando nenhum para trás”, apelou.
Ainda sobre o impacto da pandemia, Jorge Carlos Fonseca recordou que “desconstruiu de forma brutal” a economia de Cabo Verde, devido à ausência total de turismo, após um crescimento económico anual a rondar os 6%, nos últimos anos.
“Causando desprotecção social, desemprego e aumento da pobreza. Desregulando os fundamentos da macroeconomia, como a inflação, o défice orçamental, a dívida e a queda vertiginosa do crescimento económico, em suma, gerando uma recessão nunca antes experimentada, traduzindo-se numa redução de 14,8%”, sublinhou.
Disse, no entanto, que Cabo Verde “não reagiu com resignação, mas com determinação, tomando de imediato, e a curto prazo, todas as medidas anticrise recomendadas internacionalmente”.
“Para o médio e longo prazos, fizemos um exercício participativo de planificação estratégica, para definir uma visão comum para o horizonte 2030, intitulado Cabo Verde Ambição 2030, para retomarmos o processo do desenvolvimento sustentável e reconstruirmos melhor, a partir dos ensinamentos e oportunidades surgidas da crise, incluindo, no plano do acesso ao financiamento concessional e da atração do investimento directo externo, que continuam a ser os maiores obstáculos nessa direcção”, acrescentou Jorge Carlos Fonseca.