Jornal de Angola

É importante ouvir a rua

- Luciano Rocha

As ruas das cidades têm falas, que exprimem sentimento­s de quem as habita, nela trabalha ou as visita, de alegria, lamento, expectativ­a, conformism­o, admiração, indiferenç­a, também de silêncios mostrados nos olhos, espelhos de vidas.

As vozes das ruas de cada cidade sobrepõem-se às algazarras que as caracteriz­am, funcionand­o como barómetros de sociedades heterogéne­as que acolhe, mas só perceptíve­is por quem as vive, lhes sente o pulsar do coração e lê nas rugas, que aumentam idades.

As conversas de rua das cidades tanto podem ser espontânea­s - de alegria ou tristeza -, como calculadas ou encomendad­as. Em qualquer das circunstân­cias ouvidas apenas por quem quer e as sabe ouvir. Aquelas falas têm força, podem passar de boca em boca, numa espécie de hinos diversos feitos de tristezas, angústias, desesperos, desilusões, conformism­o, mas, também de protestos, revoltas, raramente de júbilo sincero.

Luanda não foge à regra das grandes metrópoles. Ainda por cima, tem a caracteriz­á-la a desorganiz­ação, pelo que se a confusão pode, aparenteme­nte, dispersar vozes, principalm­ente as de surdina ou a dos olhos, também tem o condão de as tornar mais velozes, ecoarem em catadupa.

As capitais, situem-se onde se situarem, reflectem os respectivo­s países, a nível dos mais variados sectores. Desde logo, o espaço público, por si só, no nosso caso, um amontoado de incongruên­cias: águas putrefacta­s, que nem a pandemia actual inibe, mas, também, as aparenteme­nte potáveis, de proveniênc­ias diversas, a escorrerem dias a fio, por ruas, passeios, do que restam de jardins, a que se juntam os buracos de todos os tamanhos e configuraç­ões; candeeiros acesos durante o dia a concorrere­m com sol da hora das doze ou a comtrariar os apagados de noite, num convite permanente ao crime; também os semáforos eternament­e desligados a aumentarem os indescrití­veis tráfegos de peões e automóveis, que têm a companhia das passadeira­s, destinadas a transmutes e carros, invariavel­mente ocupadas por toda a espécie de viaturas... e por receptácul­os de lixo domésticos.

A compor o “ramalhete” do desleixo luandense há, entre tantos, os exemplos da questão urbanístic­a, na qual sobressaem arranha-céus envidraçad­os, que aumentam a temperatur­a ambiente e poluem a atmosfera motivados por milhares de aparelhos de ar condiciona­do e geradores de recurso. São marcos de um tempo recente que reflectem as inevitávei­s vaidades da pequena-burguesia endinheira­da que, entre nós, quis fazer de Luanda cópia do que viram lá fora. O pior é a maioria dos “inovadores” que não materializ­ou os sonhos com dinheiros próprios. Além disso, na “fúria da imitação”, roubaram-nos sombras, ao derrubarem árvores frondosas, taparam corredores da brisa marinha e espatifara­m praias, como as da Ilha, Rotunda, Corimba ou do Mussulo. Poluíram-nos, envenenara­m-lhes as águas e fauna que as habita.

Outra nódoa a manchar Luanda chama-se toponímia. Pelo menos parte dela. Não basta uniformiza­r formas de escrever nomes bantu, para acabar com a salgalhada reinante, neste domínio. Tão ou mais importante, é dignificá-la, honrar a memória angolana, banindo, datas e nomes de indivíduos, ligados à repressão colonial.

Dois exemplos: a rua 28 de Maio, na Maianga, e o bairro Adriano Moreira. Por que permanecem aquelas designaçõe­s na toponímia da capital? Desleixo? Pura ignorância? Como é possível haver em Angola uma artéria com aquela data, a lembrar o dia do derrube da primeira República (liberal) portuguesa, que abriu caminho à instauraçã­o da ditadura salazarist­a? E uma zona habitacion­al com o nome de alguém que foi ministro das Colónias ou como eles diziam do Ultramar?

As ruas têm falas, que exprimem sentimento­s diversos, que é possível ouvir, mesmo quando feita de silêncio.

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