A pandemia da rapina
A rapina do erário angolano, iniciada há muito, com causas conhecidas, a exemplo de tantos males, surgiu sorrateiramente, sem que se lhe desse a importância exigida, logo, sem obstáculos, anúncios de novos casos.
O assalto ao erário era, nos primeiros tempos, apenas do conhecimento de um grupo restrito de indivíduos, mas, a partir de um dado momento, tornou-se do conhecimento público devido à ostentação própria do novo-riquismo, sem, contudo, “levantar grandes ondas”, até porque o apogeu da rapina coincidiu com o “tempo das vacas gordas”, durante o qual Angola se mostrava ao mundo como “terra do futuro”.
Aquela imagem errada, quando muito, tentava esconder o país subdesenvolvido que era, como, naturalmente, tinha de ser qualquer outro, vítima de sucessivas guerras fomentadas. Entre elas, as chamadas fratricidas, alimentadas por grandes potências. Que mais não faziam, afinal, do que materializar o velho conceito que manda “dividir para governar”.
Angola desaproveitou, assim, aquele período tomado “febre do grande festim” para, com os poucos recursos que tinha disponíveis, encetar, finalmente, a edificação do país sonhado por mulheres e homens de vários quadrantes e origens, no qual “todos têm os mesmos direitos e obrigações”. O que se assistiu, todavia, foi ao alargamento galopante do fosso entre os muito ricos, que praticamente não tinham deveres, mas usufruiam de todos os direitos que se davam a eles próprios, e os muito pobres, no fundo, apenas sujeições.
A nossa História recente está recheada de actos de heroísmo e desprendimento de compatriotas que se tornaram conhecidos nas guerras que fomos obrigados a travar. Alguns dos quais pagaram com a vida, prisão e tortura. Mas, igualmente, anónimos, quer nos campos de batalha, como na luta clandestina em cidades, vilas e aldeias. Os exemplos de todos eles parecem esquecidos. Em contrapartida, os que persistem em repetir os passos de pioneiros e seguidores de assaltos ao erário, pelos vistos, continuam presentes. Um dos últimos destes casos conhecidos é o da detenção de dois responsáveis do Instituto Nacional de Segurança Social suspeitos de meterem ao bolso uma quantia avultada de dinheiro destinada a aposentados. Segundo os investigadores, os detidos ficavam, inclusivamente, com o dinheiro de “beneficiários” defuntos.
Esta é a Angola que reflecte o “país das maravilhas” “instituído” por e para uma pequena elite de novos-ricos, com todos os direitos que se atribuía a ela própria, sem quaisquer deveres, que isso era para os outros, nomeadamente os mais desfavorecidos.
Os custos destes saques - passados e presentes - se algum dia forem somados, hão-de mostrar quanto mal foi e continua a ser feito a este país pela acção da gatunagem de “colarinho branco”. As vítimas - crianças, mulheres de todas as idades e origens - que morreram, ficaram com mazelas para toda a vida por não terem assistência e acompanhamento médico, que a Constituição garante, quantas são? Quantas delas não foram tratadas a tempo por falta de medicamentos desviados de onde deviam estar para negociatas, incluindo de rua? Quantos deles com prazos de validade expirado? Onde estão os responsáveis por todos estes crimes contra a humanidade?
A pandemia da Covid-19 que enfrentamos, que continua a infestar e a matar, não ganhou, pelo menos até ao momento, piores proporções por ter sido atalhada a tempo, mesmo sem termos meios. As fortunas pilhadas ao erário davam para colmatar algumas das lacunas que registamos, como estabelecimentos e pessoal de saúde. Somem-se-lhes as verbas despendidas em vestidos de noite e fraques, feitos por encomenda no estrangeiro, iates, jactos, viaturas de toda a espécie, apartamentos, vivendas, quintas, prédios - lá fora e cá dentro - e concluiu-se que, mesmo com o coro-navírus, era possível viver melhor em Angola.
Angola tem duas pandemias a fustigá-la: a da Covid-19 e a da rapina. É muito, convenhamos.
Esta é a Angola que reflecte o “país das maravilhas” “instituído” por e para uma pequena elite de novosricos, com todos os direitos que se atribuía a ela própria, sem quaisquer deveres, que isso era para os outros, nomeadamente os mais desfavorecidos