Jornal de Angola

A pandemia da rapina

- Luciano Rocha

A rapina do erário angolano, iniciada há muito, com causas conhecidas, a exemplo de tantos males, surgiu sorrateira­mente, sem que se lhe desse a importânci­a exigida, logo, sem obstáculos, anúncios de novos casos.

O assalto ao erário era, nos primeiros tempos, apenas do conhecimen­to de um grupo restrito de indivíduos, mas, a partir de um dado momento, tornou-se do conhecimen­to público devido à ostentação própria do novo-riquismo, sem, contudo, “levantar grandes ondas”, até porque o apogeu da rapina coincidiu com o “tempo das vacas gordas”, durante o qual Angola se mostrava ao mundo como “terra do futuro”.

Aquela imagem errada, quando muito, tentava esconder o país subdesenvo­lvido que era, como, naturalmen­te, tinha de ser qualquer outro, vítima de sucessivas guerras fomentadas. Entre elas, as chamadas fratricida­s, alimentada­s por grandes potências. Que mais não faziam, afinal, do que materializ­ar o velho conceito que manda “dividir para governar”.

Angola desaprovei­tou, assim, aquele período tomado “febre do grande festim” para, com os poucos recursos que tinha disponívei­s, encetar, finalmente, a edificação do país sonhado por mulheres e homens de vários quadrantes e origens, no qual “todos têm os mesmos direitos e obrigações”. O que se assistiu, todavia, foi ao alargament­o galopante do fosso entre os muito ricos, que praticamen­te não tinham deveres, mas usufruiam de todos os direitos que se davam a eles próprios, e os muito pobres, no fundo, apenas sujeições.

A nossa História recente está recheada de actos de heroísmo e desprendim­ento de compatriot­as que se tornaram conhecidos nas guerras que fomos obrigados a travar. Alguns dos quais pagaram com a vida, prisão e tortura. Mas, igualmente, anónimos, quer nos campos de batalha, como na luta clandestin­a em cidades, vilas e aldeias. Os exemplos de todos eles parecem esquecidos. Em contrapart­ida, os que persistem em repetir os passos de pioneiros e seguidores de assaltos ao erário, pelos vistos, continuam presentes. Um dos últimos destes casos conhecidos é o da detenção de dois responsáve­is do Instituto Nacional de Segurança Social suspeitos de meterem ao bolso uma quantia avultada de dinheiro destinada a aposentado­s. Segundo os investigad­ores, os detidos ficavam, inclusivam­ente, com o dinheiro de “beneficiár­ios” defuntos.

Esta é a Angola que reflecte o “país das maravilhas” “instituído” por e para uma pequena elite de novos-ricos, com todos os direitos que se atribuía a ela própria, sem quaisquer deveres, que isso era para os outros, nomeadamen­te os mais desfavorec­idos.

Os custos destes saques - passados e presentes - se algum dia forem somados, hão-de mostrar quanto mal foi e continua a ser feito a este país pela acção da gatunagem de “colarinho branco”. As vítimas - crianças, mulheres de todas as idades e origens - que morreram, ficaram com mazelas para toda a vida por não terem assistênci­a e acompanham­ento médico, que a Constituiç­ão garante, quantas são? Quantas delas não foram tratadas a tempo por falta de medicament­os desviados de onde deviam estar para negociatas, incluindo de rua? Quantos deles com prazos de validade expirado? Onde estão os responsáve­is por todos estes crimes contra a humanidade?

A pandemia da Covid-19 que enfrentamo­s, que continua a infestar e a matar, não ganhou, pelo menos até ao momento, piores proporções por ter sido atalhada a tempo, mesmo sem termos meios. As fortunas pilhadas ao erário davam para colmatar algumas das lacunas que registamos, como estabeleci­mentos e pessoal de saúde. Somem-se-lhes as verbas despendida­s em vestidos de noite e fraques, feitos por encomenda no estrangeir­o, iates, jactos, viaturas de toda a espécie, apartament­os, vivendas, quintas, prédios - lá fora e cá dentro - e concluiu-se que, mesmo com o coro-navírus, era possível viver melhor em Angola.

Angola tem duas pandemias a fustigá-la: a da Covid-19 e a da rapina. É muito, convenhamo­s.

Esta é a Angola que reflecte o “país das maravilhas” “instituído” por e para uma pequena elite de novosricos, com todos os direitos que se atribuía a ela própria, sem quaisquer deveres, que isso era para os outros, nomeadamen­te os mais desfavorec­idos

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