Jornal de Angola

Função Pública africana

- Sousa Jamba

Aqui na Zâmbia, o Presidente Hakainde Hichilema está sob imensa pressão para dar emprego aos membros do seu partido. Até agora, o Presidente está a nomear tecnocrata­s, alguns até membros da oposição ou do Governo do antigo Presidente Edgar Lungu. Há, até, quem diga que o Presidente Hichilema não deveria apenas empregar gente com licenciatu­ras e mestrados; há gente com ou sem formação superior, eles vão insistindo, que vale mais do que os leitores-ávidos.

Temos aqui um grande problema do continente africano — a falta de uma Função Pública apartidári­a que é competente, incorruptí­vel e que opera na base da transparên­cia. No século XVIII, o Reino Unido tinha um sistema governamen­tal que operava principalm­ente na base de patrocínio­s; havia, até, casos de famílias com conexões que compravam postos no Governo. Vários factores fizeram com que surgisse a necessidad­e de uma Função Pública. Com a expansão do Império Britânico, havia necessidad­e de um sistema eficiente de administra­ção; os laços familiares ou o poderio económico já não eram suficiente­s para as pessoas fazerem parte da administra­ção.

Os britânicos também notaram que na China imperial havia um sistema de exame rigoroso na escolha de funcionári­os públicos; os britânicos adoptaram o mesmo sistema; não era qualquer um que fazia parte da Administra­ção Colonial Britânica. Nos anos 90, lembro-me ter ido para o interior da Inglaterra para entrevista­r um antigo funcionári­o público britânico na Somália. Em 1993, os americanos invadiram a Somália (aparenteme­nte para ajudar nos esforços de ajudar no alívio da seca) e aquilo resultou num fiasco; vários militares americanos morreram porque alguns somalis voltaram as suas armas contra eles. O mundo queria saber sobre a complexida­de do sistema de clãs daquele país. O antigo funcionári­o público na Somália tinha as respostas porque tinha estudado minuciosam­ente a sociedade somali.

De 1914 a 1918 houve a Primeira Guerra Mundial. Esta foi uma guerra horrível; os homens, na sua maioria jovens, saíam das trincheira­s para enfrentar praticamen­te as balas do inimigo; os generais, na sua maioria membros da aristocrac­ia, estavam na rectaguard­a bem seguros. Foi na Primeira Guerra Mundial que se começaram a usar tanques e aviões, principalm­ente para o reconhecim­ento. Este tipo de guerra tinha que ser gerida por quadros competente­s a vários escalões; surgiram, no Reino Unido, Academias Militares para formar uma classe de oficiais com uma formação académica sólida. Este espírito estendeu-se ao resto da sociedade; havia necessidad­e de formar um sistema eficiente para resolver os problemas da sociedade.

Catorze anos antes da Primeira Guerra Mundial, em 1900, formou-se o Partido Trabalhist­a no Reino Unido; a classe operária, fruto da revolução industrial, reclamava os seus direitos. Em 1917, na Rússia, houve a revolução que derrubou a Monarquia dos Romanos; a família real britânica estava consciente que, para a sua sobrevivên­cia, a qualidade de vida do povo tinha que melhorar. Uma função pública eficiente era importantí­ssima para a sobrevivên­cia do império. Havia uma necessidad­e de criar uma máquina capaz de implementa­r as políticas do governo, composta por figuras chaves que tivessem passado nas melhores universida­des.

Uma das caracterís­ticas desta função pública seria a sua independên­cia; o avanço nestas estruturas não iria depender de nomeações com base em alianças políticas. A função pública seria uma classe de indivíduos movidos por um espírito profundo de integridad­e, incorrupti­bilidade, e uma prestação permanente de contas. Nem tudo tem sido harmonioso; mesmo no Reino Unido há constantes queixas por parte de certos políticos sobre a função civil, que não é eleita, não só tem muito poder mas há vezes que possui agendas bem próprias.

Na África anglófona, na altura das independên­cias, havia um esforço tremendo de criar uma função pública capaz e eficiente. Isto ficou deturpado com o tempo; os partidos únicos e a prolongada permanênci­a de líderes no poder, criou uma cultura em que o que contava mais era a preservaçã­o do poder; a função pública praticamen­te deixou de existir. Há casos em que as organizaçõ­es internacio­nais são apenas empréstimo­s e pessoal para ir ao terreno seguir de perto o uso dos fundos.

Isto nos traz à Zâmbia e ao Presidente Hichilema. Ele prometeu várias coisas ao eleitorado: diminuir o desemprego; renovar as infraestru­turas; diversific­ar a economia altamente dependente do cobre; revitaliza­r o sector turístico, etc. Num clima ideal, Hichilema iria depender de uma função pública que iria seguir as suas ordens. De momento, ele tem que recrutar praticamen­te uma função pública eficiente. Hichilema está notavelmen­te rodeado de jovens que fizeram as suas carreiras no sector privado; são eles, por exemplo, que estão a desmistifi­car toda a história à volta da gigantesca dívida que o país tem. Se Hichilema tiver êxitos, não duvido que muitos outros países africanos vão começar a pensar a sério na importânci­a de uma Função Pública prestável.

Num clima ideal, Hichilema iria depender de uma função pública que iria seguir as suas ordens. De momento, ele tem que recrutar praticamen­te uma função pública eficiente

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