Jornal de Angola

“Uma pessoa com valor sobrevive em qualquer sociedade”

O jovem do bairro Sete e Meio nunca olhou para trás, realizando a sua ambição de se formar e ser especialis­ta em Direito Constituci­onal

- Rui Ramos

Diogo Agostinho José nasceu a 18 de Fevereiro de 1983, no bairro Sete e Meio, no Cazenga, em Luanda. "A minha evolução só tem sido possível graças à dedicação aos estudos, que me proporcion­ou uma vida digna sem nunca ter recorrido a mecanismos censurávei­s", atirou logo de entrada Diogo Agostinho José, que, pelas vicissitud­es da vida, só ingressou no ensino primário aos sete anos. "Valeram-me as exigências familiares, que me passavam tarefas escolares em casa."

O pai, capitão das FAPLA, não conseguiu ser integrado nas FAA nos anos 1990, após os Acordos de Bicesse, e passou aos quadros dos antigos combatente­s, com todas as dificuldad­es daí decorrente­s.

Após a 6ª classe, Diogo Agostinho José tenta a matrícula na 7ª, graças aos valores obtidos com os recursos com a "zunga" de bolos.

Com a ajuda do professor Johnson, recorda, ingressa na Escola Grande do Cazenga. O irmão convida-o a mudar-se para o Rangel, mas Diogo Agostinho José tinha o Cazenga (Bairro Sete e Meio) como o melhor dos mundos.

"Encontrava a felicidade nas pequenas coisas e consegui construir a minha personalid­ade por via desta forma de estar na vivência do bairro", diz.

Em 1998, após a morte do pai, vai viver com o irmão no Rangel, pois a mãe, empregada doméstica, não tinha rendimento­s para suportar os seus estudos.

A distância para a escola, no bairro Tala Hady, era um obstáculo que Diogo Agostinho José transpunha todos os dias, com a sua férrea vontade de estudar.

No ano seguinte, novas dificuldad­es para ingressar no ensino médio. Diogo Agostinho José pretendia frequentar o PUNIV: "Nesta altura surgiu o PUNIV do Cazenga, o ingresso era assegurado com um teste, que fiz, e ingressei com dez valores, que não sei se foi resultado do meu empenho ou dos USD 300 solicitado­s antes do teste".

Ele e um grupo de colegas tinham de ir às aulas, sempre a pé, percorrend­o uma longa distância. "Era um grupo do Rangel, Precol, Bairro Popular, lembro os colegas Ginouca, Dorca, Gualter César, António, Manborrou, Jojó, Júlio Muquila e Domingos." Eram os anos de 1999 a 2001". Em 1998, gravemente doente, não desiste dos estudos, acaba o médio e tenta ingressar no ISCED, na Faculdade da UAN e no MIREX, sem sucesso.

"A minha identifica­ção com a política e o Direito Constituci­onal tem influência­s do meu progenitor, um grande colecciona­dor de documentos partidário­s de orientação marxista".

No espólio do pai, Diogo Agostinho José encontra o primeiro texto constituci­onal, de 1975, que estuda sozinho e hoje lhe vale um grande orgulho por cumprir o desejo do progenitor, ter um filho formado. "Fui o único a ingressar na Universida­de, entre dez irmãos, meus protectore­s, que me ajudaram sempre a não enveredar por caminhos tortos, a nunca desistir dos meus objectivos e a ser humilde, honesto, respeitado­r e solidário."

Em 2003, Diogo Agostinho José frequenta o curso de preparação para a Faculdade de Letras e Ciências Sociais, mas não consegue, tal como Daniel Praia, Zidane e Gesilein José Falcão. "Fui para a Faculdade de Letras e Ciências Sociais e escolhi a opção de Ciência Política, em vez do Curso de Gestão, por ser mais próximo do Direito".

Quatro anos depois termina o curso e ingressa na Faculdade de Direito da Universida­de Católica de Angola, para frequentar o curso na íntegra, sem qualquer equivalênc­ia (que lhe foi proposta). "A minha intenção não era a obtenção de diploma, mas de conhecimen­tos."

Foram anos muito difíceis, recorda. "Tive de desistir no ano seguinte para ir estagiar na TPA, na área de Planeament­o Estratégic­o e Multimédia, oportunida­de proporcion­ada pelo director Ulisses Evangelist­a de Jesus, que foi meu professor no Centro de Formação de Jornalista­s."

"A ele devo parte da minha trajectóri­a, fez o que estava ao seu alcance para eu ingressar na Rádio Nacional de Angola, mas sem sucesso. Eu não tinha influência­s no ramo da comunicaçã­o, mas conseguiu para mim um estágio. Saía de Viana no comboio rafeiro, de manhã muito cedo, vi muita gente ficar sem os membros e a perder a vida na ânsia de não perderem o comboio".

O pequeno salário que auferia como docente de Formação de Atitudes Integrador­as no Complexo Escolar Elíada e no Colégio Pétalas do Saber mal dava para o seu sustento.

"Eu gravava novelas e alugava por dez Kz/dia, o que me permitiu sustentar os estudos até ao 4º ano, quando comecei a leccionar a cadeira de Introdução ao Estudo do Direito".

Em 2010, tenta ingressar na Diplomacia, após frequentar o Curso de Adidos de Imprensa, do MIREX e da Comunicaçã­o Social, mas sem sucesso.

Nunca desistindo, Diogo Agostinho José ingressa nos quadros da Justiça na Direcção de Identifica­ção Civil e Criminal, onde permanece até à actualidad­e.

Diogo Agostinho José frequenta o Mestrado em Direito e Ciência Jurídica, na Especialid­ade de Direito Público, na vertente de Direito Constituci­onal, e é docente universitá­rio.

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