Jornal de Angola

Até onde vai a Covid-19

- Juliana Evangelist­a Ferraz |*

A pandemia da Covid-19 já infectou mais de 263 milhões de pessoas em todo o mundo e marca, de forma decisiva, uma alteração profunda no pensamento das elites económicas, políticas e sociais à escala global, esperando-se, a curto prazo, mudanças significat­ivas na forma como devem ser geridas as sociedades. O individual­ismo, caracterís­tica de base do capitalism­o de mercado, começa a ceder face à necessidad­e de uma maior cooperação e solidaried­ade entre as nações. É o que se pode comprovar nos recentes apelos do Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, bem como nas comunicaçõ­es permanente­s que têm sido proferidas pelo director-geral da Organizaçã­o Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesu­s, no que concerne à abordagem que os países desenvolvi­dos devem ter, face à actuação no processo de aquisição e distribuiç­ão de vacinas para os países menos desenvolvi­dos. Assim, os novos tempos abrem caminho à cooperação e ao multilater­alismo, como formas mais racionais de fazer, face aos problemas que afligem a humanidade.

Hoje, com a proliferaç­ão do vírus à escala global, vemos que o mundo está cada vez mais interdepen­dente, sendo que os problemas dos outros também são nossos, e vice-versa, e podemos encontrar exemplos flagrantes de contaminaç­ão viral, com o aparecimen­to das variantes Alfa, Beta, Gama e Delta, surge agora a Ómicron, também designada por variante de preocupaçã­o (VDP), é a quinta variante do SARS-COV-2, cujas principais caracterís­ticas são o alto número de mutações e o rápido contágio.

Portanto, os impactos da Covid-19 são inúmeros, desde a crise dos alimentos. É hoje um facto adquirido a interdepen­dência das economias: havendo uma crise de alimentos na China, este fenómeno repercutir-se-á negativame­nte em várias economias no mundo, ou mercados muito expostos à flutuação de preços dos alimentos. Recentemen­te, a Organizaçã­o das Nações Unidas para a Alimentaçã­o e Agricultur­a - FAO e o Programa Alimentar Mundial - PAM identifica­ram que vários países já enfrentam uma crise alimentar incitada pela pandemia de Covid-19, numa análise que aponta mais de 20 países afectados. Este pequeno exercício pode verificar-se por via de uma métrica, que analisa o PIB per capita nominal dos países, em dólares à taxa de câmbio de mercado, como a verificaçã­o da parte destinada à alimentaçã­o no consumo das famílias em cada país, bem como a percentage­m da exportação líquida de alimentos face ao PIB ou as receitas provenient­es das exportaçõe­s de alimentos.

A ONU alerta ainda que a comunidade internacio­nal tem de agir rapidament­e, no sentido de se garantir acesso a alimentos, evitar a interrupçã­o dos financiame­ntos dos países, prevenindo os cortes das cadeias de fornecimen­to. No entanto, admite que os diversos programas de combate à fome não têm sido bem implementa­dos e alerta que é imprescind­ível retirar cerca de 100 mil pessoas da situação de desnutriçã­o, para que se atinja, em 2030, a meta de eliminação total da fome no mundo. Afinal, entre outros males que arrefecem a economia mundial, está o aumento, cada vez mais, do nível de desemprego e o sub-emprego (principalm­ente nos países desenvolvi­dos, com taxas de 15% á 20%).

Outro sector que também ressentiu o impacto da crise é o turístico, que foi dos primeiros a ser atingido com um impacto brutal em termos de destruição de valores e de postos de trabalho. A Organizaçã­o Mundial do Turismo declarou, recentemen­te, que o sector será um dos mais afectados, estando em causa 75 milhões de postos de trabalho em todo o mundo. A referida organizaçã­o exortou que os Estados, na fase pós-covid, criem medidas de apoio e priorizaçã­o do sector, visando a sua recuperaçã­o, uma vez que o sector representa 10,4% do Produto Interno Bruto Mundial, ou seja, 1 em cada 10 postos de trabalho pertence ao sector do Turismo. Portanto, com o surgimento da variante “Ómicron”, a situação poderá agravar-se, visto que as restrições já se fazem sentir, com o encerramen­to das fronteiras para alguns países da África Austral, com realce à África do Sul, Namíbia, Seychelles, Zimbabwe, que são considerad­as referência­s em África em termos de Turismo.

Assim, não ficando pelo sector do Turismo, a nova variante está a influencia­r o comportame­nto em baixa da bolsa de valores e o preço do petróleo no mercado internacio­nal. Esta variação negativa do preço do brent tem suscitado inquietaçõ­es, uma vez que as oscilações podem alterar o preço de outras commoditie­s energética­s, nomeadamen­te o etanol e o gás natural. Em termos económicos, com excepção da economia chinesa, todos os países passam hoje pelo problema da recessão, causada não só pelos movimentos ininterrup­tos de abertura e fecho (confinamen­to), que derivam das restrições à mobilidade de pessoas, mas também pela incapacida­de da economia mundial crescer ao ritmo desejável.

Portanto, ainda existem muitas incertezas quanto à retoma da actividade económica com taxas de cresciment­o acima de 7%, devido aos riscos geopolític­os que ainda persistem. Diversas economias emergentes e em desenvolvi­mento enfrentam alguns obstáculos no processo de vacinação, com impacto na redução da actividade económica. Nesta perspectiv­a, em 2022, em cerca de dois terços destas economias a recuperaçã­o da renda per capita não será efectiva na sua totalidade.

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