Até onde vai a Covid-19
A pandemia da Covid-19 já infectou mais de 263 milhões de pessoas em todo o mundo e marca, de forma decisiva, uma alteração profunda no pensamento das elites económicas, políticas e sociais à escala global, esperando-se, a curto prazo, mudanças significativas na forma como devem ser geridas as sociedades. O individualismo, característica de base do capitalismo de mercado, começa a ceder face à necessidade de uma maior cooperação e solidariedade entre as nações. É o que se pode comprovar nos recentes apelos do Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, bem como nas comunicações permanentes que têm sido proferidas pelo director-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, no que concerne à abordagem que os países desenvolvidos devem ter, face à actuação no processo de aquisição e distribuição de vacinas para os países menos desenvolvidos. Assim, os novos tempos abrem caminho à cooperação e ao multilateralismo, como formas mais racionais de fazer, face aos problemas que afligem a humanidade.
Hoje, com a proliferação do vírus à escala global, vemos que o mundo está cada vez mais interdependente, sendo que os problemas dos outros também são nossos, e vice-versa, e podemos encontrar exemplos flagrantes de contaminação viral, com o aparecimento das variantes Alfa, Beta, Gama e Delta, surge agora a Ómicron, também designada por variante de preocupação (VDP), é a quinta variante do SARS-COV-2, cujas principais características são o alto número de mutações e o rápido contágio.
Portanto, os impactos da Covid-19 são inúmeros, desde a crise dos alimentos. É hoje um facto adquirido a interdependência das economias: havendo uma crise de alimentos na China, este fenómeno repercutir-se-á negativamente em várias economias no mundo, ou mercados muito expostos à flutuação de preços dos alimentos. Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura - FAO e o Programa Alimentar Mundial - PAM identificaram que vários países já enfrentam uma crise alimentar incitada pela pandemia de Covid-19, numa análise que aponta mais de 20 países afectados. Este pequeno exercício pode verificar-se por via de uma métrica, que analisa o PIB per capita nominal dos países, em dólares à taxa de câmbio de mercado, como a verificação da parte destinada à alimentação no consumo das famílias em cada país, bem como a percentagem da exportação líquida de alimentos face ao PIB ou as receitas provenientes das exportações de alimentos.
A ONU alerta ainda que a comunidade internacional tem de agir rapidamente, no sentido de se garantir acesso a alimentos, evitar a interrupção dos financiamentos dos países, prevenindo os cortes das cadeias de fornecimento. No entanto, admite que os diversos programas de combate à fome não têm sido bem implementados e alerta que é imprescindível retirar cerca de 100 mil pessoas da situação de desnutrição, para que se atinja, em 2030, a meta de eliminação total da fome no mundo. Afinal, entre outros males que arrefecem a economia mundial, está o aumento, cada vez mais, do nível de desemprego e o sub-emprego (principalmente nos países desenvolvidos, com taxas de 15% á 20%).
Outro sector que também ressentiu o impacto da crise é o turístico, que foi dos primeiros a ser atingido com um impacto brutal em termos de destruição de valores e de postos de trabalho. A Organização Mundial do Turismo declarou, recentemente, que o sector será um dos mais afectados, estando em causa 75 milhões de postos de trabalho em todo o mundo. A referida organização exortou que os Estados, na fase pós-covid, criem medidas de apoio e priorização do sector, visando a sua recuperação, uma vez que o sector representa 10,4% do Produto Interno Bruto Mundial, ou seja, 1 em cada 10 postos de trabalho pertence ao sector do Turismo. Portanto, com o surgimento da variante “Ómicron”, a situação poderá agravar-se, visto que as restrições já se fazem sentir, com o encerramento das fronteiras para alguns países da África Austral, com realce à África do Sul, Namíbia, Seychelles, Zimbabwe, que são consideradas referências em África em termos de Turismo.
Assim, não ficando pelo sector do Turismo, a nova variante está a influenciar o comportamento em baixa da bolsa de valores e o preço do petróleo no mercado internacional. Esta variação negativa do preço do brent tem suscitado inquietações, uma vez que as oscilações podem alterar o preço de outras commodities energéticas, nomeadamente o etanol e o gás natural. Em termos económicos, com excepção da economia chinesa, todos os países passam hoje pelo problema da recessão, causada não só pelos movimentos ininterruptos de abertura e fecho (confinamento), que derivam das restrições à mobilidade de pessoas, mas também pela incapacidade da economia mundial crescer ao ritmo desejável.
Portanto, ainda existem muitas incertezas quanto à retoma da actividade económica com taxas de crescimento acima de 7%, devido aos riscos geopolíticos que ainda persistem. Diversas economias emergentes e em desenvolvimento enfrentam alguns obstáculos no processo de vacinação, com impacto na redução da actividade económica. Nesta perspectiva, em 2022, em cerca de dois terços destas economias a recuperação da renda per capita não será efectiva na sua totalidade.