Jornal de Angola

Lugares incorporad­os

- Adriano Mixinge

É o tipo de amostra que funcionari­a melhor e interpelar­ia um público mais vasto, se as fotografia­s de Rui Tavares estivessem expostas nos painéis e banners publicitár­ios, em grande formato, situados nas diferentes partes da cidade de Luanda: mas, a exposição “Lugares Incorporad­os” chegou à sala multiusos do Memorial António Agostinho Neto (MAAN), em Luanda, depois de ter estado noutras instituiçõ­es da cidade e estará patente nela, até finais de Janeiro de 2022.

Assim que se, por qualquer motivo, forem ao MAAN não deixem de visitá-la. Mas, o que é que, realmente, podemos ver nesta exposição e, também, no catálogo/ livro de Rui Tavares?

Vendo atentament­e as fotografia­s, damonos conta de que nelas aparecem dezasseis (16) bailarinos, num primeiro momento, em diferentes poses, quase sempre alguma clássica como aquela em que a Mónica Anapaz parece a imitar o Discóbolo de Myron e, no geral, os bailarinos parecem imitar as poses de esculturas greco-romanas, mas também, outras teatrais, com algum sentido de humor ou, simplesmen­te, descontraí­das, coisa que o tipo de indumentár­ia que os bailarinos vestem ajuda a enfatizar.

E, no segundo momento, quando vemos melhor as fotografia­s reparamos que, na verdade, os bailarinos podem aparecer/estar/ser fotografad­os a frente, ao lado ou no interior de dezasseis edifícios classifica­dos como património cultural, em estado de abandono ou que foram demolidos: é como se, na verdade, os bailarinos, o fotógrafo e os produtores do projecto estivessem sem saber se, face ao caos e ao abandono, deveríamos rir ou chorar.

Neste sentido, as fotografia­s que vemos nos “Lugares incorporad­os” são o resultado da sublimação de tragédias (quando os edifícios antigos foram demolidos) ou tentativas de ressurreiç­ão (quando apesar de tudo, sem negar os novos edifícios construído­s ou em construção), os bailarinos se situaram neles para, com as suas poses, fazer uma declaração de princípios que termina sendo, própria, coincident­e com a do fotógrafo Rui Tavares, com a da Companhia de Dança Contemporâ­nea (CDC), mas, também, com a da Associação Kalu e da Arquitecta Isabel Martins.

A exposição situa-se, também, entre a glorificaç­ão festiva e o réquiem: apesar do colorido delas, por um lado, a série de fotografia­s de Rui Tavares aponta o dedo às evidências do descaso, do desleixo e do abandono que persiste, quando o que os edifícios classifica­dos como património histórico e cultural deveriam ter é protecção e ser mais bem conservado­s. Por outro, a exposição é, também, o registo dos passos de dança fixados frente aos edifícios como uma maneira de celebrar uma arquitectu­ra em vias de desapareci­mento.

No entanto, com oitenta e sete páginas, o livro/catálogo que acompanha a exposição possui três prefácios: o primeiro deles é da coreógrafa Ana Clara Guerra Marques, com um texto “A propósito da inscrição dos corpos numa memória edificada”. O segundo prefácio ao livro é “Sobre o corpo e a cidade”, um texto assinado por Hugo Maia, o arquitecto que é Vicepresid­ente da KALU (Associação dos Naturais, Residentes e Amigos de Luanda), enquanto que o terceiro prefácio é um apelo “Aos lugares in(corpo)rados” assinado pela arquitecta Isabel Martins. O belo livro é uma edição da editora portuguesa Guerra e Paz (Lisboa, 2021), com o patrocínio exclusivo da Sociedade Mineira de Catoca, Lda.

De um modo geral, no catálogo/livro podemos ver sessenta e duas (64) fotografia­s, - se incluirmos duas que não são suas concretame­nte, umas de arquivo do Mercado do Kinaxixi e outra que é a de uma aguarela do Teatro Avenida, assinada por Sofía França.

Nas fotografia­s de Rui Tavares, a cidade antiga não é mais do que uma extensa laje de corpos ambulantes entre rigidez das pedras e de pedras fixas que são, também, testemunha­s dos corpos que nelas habitam. Ainda bem que, no entanto, a nossa relação com a cidade de Luanda é diária, constante, dinâmica e estimulant­e, ela se constrói e se reconstrói todos os dias e a cada instante: as da cidade são, pois, memórias edificadas, mas, também, memórias vividas, sempre.

Por tudo isso, talvez seja boa ideia ir visitar a exposição “Lugares Incorporad­os” e desfrutar das belas fotografia­s de Rui Tavares, que nos fazem pensar e, depois, quem sabem também nos façam agir.

Nas fotografia­s de Rui Tavares, a cidade antiga não é mais do que uma extensa laje de corpos ambulantes entre rigidez das pedras e de pedras fixas que são, também, testemunha­s dos corpos que nelas habitam. Ainda bem que, no entanto, a nossa relação com a cidade de Luanda é diária, constante, dinâmica e estimulant­e, ela se constrói e se reconstrói todos os dias e a cada instante: as da cidade são, pois, memórias edificadas, mas, também, memórias vividas, sempre

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