As línguas de Angola
A língua portuguesa é, dentro do país, das mais faladas, suplantadas apenas pelo quimbundo e umbundo, embora extra-fronteiras, seja a mais usada, e, tal como cá dentro, a que reúne maior número de escreventes.
A situação deve-se a uma série de circunstâncias, que a razão, neste caso, conhece, e tem contribuído para o atraso reinante em todos os sectores. Tão grave, senão pior, para o aumento da discriminação entre filhos do mesmo país, sem culpa de terem nascido e crescido na província, vila, aldeia que lhes calhou em sorte, sem acesso ao conhecimento, que, quando lhes chega, vem numa língua estranha.
O ensino é dos maiores “calcanhares de Aquiles”, porventura o maior, por se reflectir em todos os outros sectores. É preciso equacionar as vantagens advindas das crianças aprenderem a ler e a escrever nas línguas que conhecem desde sempre, lhes preenchem todos os momentos da vida, de ouvirem falar em casa, das estórias contadas pelos mais velhos, conversas que ouvem sobre colheitas, secas, inundações, pastorícia, dos capins bons, caça, pesca.
Depois, quando vem escola, quando há, impingem às crianças palavras estranhas, não raro mal escritas por professores que pouco mais sabem do que elas. Como se lhes não bastasse percorrerem caminhos longos, por vezes perigosos, até ao “estabelecimento de ensino”, tantas vezes ao ar livre, debaixo de árvores, sentados em latas, que trazem com elas, ou no chão. E a seguir, o regresso apressado para chegarem a casa antes da noite aparecer e poderem ter “a refeição do dia”: um pedacito de mandioca ou de batata-doce, parte de uma massaroca; com sorte, uns fios de peixe seco, molhado em sumate, umas colheres de funji tiradas de prato comum. Em dias especiais, quem sabe, matete, kizaca, um naco de churrasco, uns golos de quissangua, antes de fermentar. Resta-lhes as conversas dos mais velhos em língua que entendem. Sucedem-se dias iguais, com resultados escolares esperados, causas de desistência, que podiam ser diferentes se lhes ensinassem nas línguas maternas para depois aprenderem a alternativa para as preparar para os ensinos secundário, profissional, até superior. Com benefícios para todos.
Para elas e para o país, que não pode ficar pela “palavra de ordem” de “Cabinda ao Cunene, de mar ao Leste, um só povo, uma só nação”. É urgente darlhe conteúdo, concretizá-la, cumprir sonhos antigos. As crianças obrigadas a aprender a escrever e ler numa língua estranha são, sem sofismas, vítimas de violência, a fazer lembrar a alguns daqueles que na escola eram vexados por não saberem desenhar a castanha, o figo e a maçã de que os professores falavam, quando só conheciam formatos, cheiros, cores e sabores das do caju, da piteira e a da Índia. Ou a decorar nomes e cognomes de reis, rainhas, príncipes, princesas, marqueses, marquesas, condes, viscondes, fidalgos cheios de virtudes e valentias, sem nos deixarem saber, quanto mais falar de nossos reis, heróis, mártires. O mesmo sucedia com rios, afluentes e subafluentes, linhas férreas, estações e apeadeiros de Portugal, sem nos ensinarem nada sobre os nossos. Ridículo era quando falavam de Espanha, como “o país vizinho”. Olhávamos à nossa volta e a não víamos.
O ensino no nosso país requer uma avaliação corajosa, urgente, mas sem pressas excessivas, sabendo-se que muitas vezes dão em vagares. A nível das línguas bantus, mas, igualmente, da portuguesa falada e escrita em Angola. Neste caso, com todos os aportuguesamentos já incorporados, neologismos, pronúncias, entoações, que a enriquecem e caracterizam. De forma rigorosa, contudo, no que toca à escrita. A nível da sintaxe e morfologia. A comunicação tem de ser clara, nunca estabelecer confusões.
As crianças obrigadas a aprender a escrever e ler numa língua estranha são, sem sofismas, vítimas de violência, a fazer lembrar a alguns daqueles que na escola eram vexados por não saberem desenhar a castanha, o figo e a maçã de que os professores falavam, quando só conheciam formatos, cheiros, cores e sabores das do caju, da piteira a da Índia