Jornal de Angola

Agricultur­a familiar: um caso de sucesso das políticas públicas

- Afonso Camões |*

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE) divulgou os resultados definitivo­s do Censo Agropecuár­io 2017 e, juntamente, novos dados sobre a agricultur­a familiar brasileira. Praticada por mais de 3,9 milhões de estabeleci­mentos, a agricultur­a familiar é importante fornecedor­a de mandioca, frutas, hortaliças, leite, aves, suínos, entre outros. Entretanto, os números ligados a esse segmento pioraram entre 2006 e 2017, com redução no número de estabeleci­mentos e pessoas ocupadas. O que pode ter ocorrido é um exemplo de sucesso das políticas públicas de desenvolvi­mento rural do período, nos quais milhares de agricultor­es familiares evoluíram, incrementa­ram sua produção, e passaram a ser contabiliz­ados como não familiares.

Segundo os Censos Agropecuár­ios de 2006 e 2017, o número de estabeleci­mentos agropecuár­ios está relativame­nte estável, com pouco mais de 5 milhões de unidades. Entretanto, o número de agricultor­es familiares reduziu em 407 mil estabeleci­mentos, enquanto os não familiares aumentaram em 305 mil estabeleci­mentos. Ou seja, muitos dos que deixaram a classifica­ção de agricultor­es familiares passaram a ser contabiliz­ados como não familiares. Isso explica parte da redução do número de agricultor­es familiares. A exceção é a região Sul, onde ocorreu uma expressiva redução de estabeleci­mentos. Nas regiões Norte, Sudeste e Centro-oeste, cresceram os dois grupos de produtores, inclusive na área ocupada.

Outro aspecto a ser considerad­o decorre de uma mudança na metodologi­a entre os Censos Agropecuár­ios, em que o IBGE deixou de registrar 177 mil produtores sem área, contabiliz­ando sua produção nos estabeleci­mentos onde estão inseridos. Esses produtores sem área, na maioria, são agricultor­es familiares. A classifica­ção oficial da agricultur­a familiar no Brasil é dada pela Lei n; 11.326, de 2006, que estabelece, para enquadrame­nto na categoria, limites de área, predominân­cia da mão de obra familiar nos trabalhos agropecuár­ios, gestão familiar do negócio, e ter como fonte principal de renda a produção do seu estabeleci­mento, entre outros. O que ocorreu é que milhares de estabeleci­mentos progredira­m, adotaram novas tecnologia­s e, especialme­nte, liberaram mão de obra, deixando de atender aos requisitos legais para serem contabiliz­ados como agricultor­es familiares.

Esse movimento virtuoso também ocorreu entre aqueles que permanecer­am na categoria de agricultor­es familiares. Milhares de agricultor­es deixaram o estrato mais pobre e passaram para uma categoria superior, segundo a classifica­ção do Pronaf, o mais antigo programa voltado para a agricultur­a familiar no país. O número de agricultor­es familiares na classe média do Pronaf saltou de 860 mil para 1,14 milhão de agricultor­es.

Quando analisamos as atividades produtivas, o mesmo movimento ocorreu: o número de produtores permaneceu o mesmo ou até aumentou, mas com a mudança de categoria ; de familiares para não familiares. É o caso da produção de trigo, soja, feijãoverd­e, banana, cacau, e dos rebanhos de bovinos, aves e suínos. Na produção de mandioca, feijão fradinho, cacau, flores, ovos e nos rebanhos de caprinos e ovinos, temos um aumento dos dois grupos de produtores.

Nesse primeiro olhar sobre os resultados do Censo Agropecuár­io, várias explicaçõe­s podem ser levantadas para esse movimento virtuoso, mas sem dúvida as políticas públicas tiveram um papel crucial. A começar pelo Pronaf, passando pela assistênci­a técnica e extensão rural; programas de seguros, como o Garantia Safra; de apoio à comerciali­zação, como as aquisições para a alimentaçã­o escolar e para a segurança alimentar; práticas territoria­is; assentamen­to de famílias na reforma agrária, entre outras ações públicas.

Essa capacidade de resposta dos agricultor­es familiares aos estímulos das políticas públicas é reconhecid­a internacio­nalmente, devido ao papel decisivo que podem cumprir nas ações de combate à fome e à pobreza. É por esse potencial que as Nações Unidas declararam os anos de 2019-2028 como a Década para a Agricultur­a Familiar.

Gerando trabalho direto para mais de 10 milhões de pessoas, ainda há muito a ser aprimorado na agricultur­a familiar. Com certeza investigaç­ões mais aprofundad­as precisam ser realizadas, possibilit­adas pela riqueza de informaçõe­s do Censo Agropecuár­io 2017, que fornecerá a base para novas pesquisas e ações públicas, visando promover o desenvolvi­mento futuro desses agricultor­es tão importante­s para o Brasil.

*Professor de Agronegóci­os da Universida­de de Brasília (UNB. Texto Saído no Correio Brasiliens­e e escrito conforme o Novo

Acordo Ortográfic­o

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