Jornal de Angola

O cunhado da zungueira!

- Augusto Cuteta |

Nesse dia, o ambiente é agitado. Há pessoas a correr de minuto a minuto de um lado para o outro. Uns correm, por força do enxotar dos polícias, e outros fogem à condução desgoverna­da dos automobili­stas, na sua maioria apressada, embora o lugar não o permita. E ainda os que correm para escapar aos gatunos que abundam naquela zona comercial.

Os agentes da Polícia tentam manter a ordem e diminuir a azáfama naquela avenida, uma das mais movimentad­as de Luanda. Aliás, a avenida tem divisões. É Avenida Cônego Manuel das Neves e, ao mesmo tempo, noutro ponto é Avenida Ngola Kiluanje. Confesso que sempre procurei saber onde começa uma parte e termina outra. Nessa curiosidad­e, procurei por amigos, alguns, até, funcionári­os da Administra­ção de Luanda. E uma explicação assim assim deu para ter uma ideia de onde termina uma e começa a outra! Aliás, a partir de uma conversa com o kota Nhuca Júnior fico a saber que a Ngola Kiluanje chamava-se Avenida Francisco Newton, no tempo da outra senhora.

E, saindo desse assunto dos pontos da avenida, vejo que o negócio da zunga, entenda-se, venda ambulante, tomou conta da parcela mais famosa do São Paulo, que fica entre o lado oposto da Igreja Católica e um pouco depois do Mercado local. Por isso, um dos corredores de maior concentraç­ão de vendedores e compradore­s, obviamente, atraídos pelos baixos preços ali praticados, ganha um novo nome: “Arreiou”. No fundo, não é um baptismo novo, porque faz mais de 15 anos que a zona é assim designada.

Na verdade, o verdadeiro “Arreiou”, marca que conquistou, hoje, a paixão de um dos maiores investidor­es no negócio de lojas de produtos da cesta básica, fica por detrás da rua principal do São Paulo, entre locais que se cruzam pelas bandas do Prédio Sujo, que agora é Prédio Limpo, e a Gajajeira.

Aqui, há mulheres e jovens com vários produtos à venda, desde roupas, calçados, material escolar, bij ute r i a a utensílios de cozinha. Com esses vendedores ambulantes, que, depois gostam de se concentrar à porta das lojas ali existentes, há enormes quantidade­s de lixo. Os taxistas, que arranjam qualquer canto para transforma­r em paragens de passageiro­s, complicam ainda mais a vida de outros automobili­stas. Os peões, inclusive, não têm, também, a vida fácil, pois, andar por aquelas bandas exige uma ginástica dos diabos.

Num troço de menos de um quilómetro, os carros podem levar quase 15 minutos para furarem a zona, por causa, em parte, da confusão das corridas às zungueiras e da desorganiz­ação no troço. As pequenas crateiras na via, também, não ajudam. Mas, enquanto avalio a zona, cumprindo aquele ensinament­o dos manuais de Jornalismo de primeiro ver, ouvir e só depois perguntar, pauso na zona, dentro do ruca. A ideia é fazer um texto sobre o movimento rodoviário nesse troço. Mas, acabo mais de duas horas no famoso “Arreiou”, onde constato que a tarefa dos agentes policiais não é nada fácil, dada a teimosia das vendedoras.

O cenário é bem parecido às brincadeir­as dos conhecidos desenhos animados “Tom&jerry”, onde o gato está sempre atrás do rato e quando o primeiro se afasta o segundo entra novamente em acção. E, no São Paulo basta que os agentes da Polícia se retirem do local das vendas, mesmo que por segundos, as senhoras e jovens vendedores voltam a transforma­r o ambiente na mesma confusão. Estou com a sensação de que de zunga, nalguns pontos, é só nome. Há fixação de bancadas improvisad­as. Latas, bacias, papelões, panos fazem esse papel!

E os agentes, quer da Polícia quer da Fiscalizaç­ão ret o mam a c o r r e r i a . O s vendedores, principalm­ente as senhoras, saltam à estrada

e vão para o outro lado. Segundos depois, tão logo os agentes parem a correria, elas voltam outra vez. E nesse corre-corre, os gatunos aproveitam para espetar as mãos em bolsos alheios, sacar objectos em pastas, puxar fios, pulseiras e brincos de ouro e gamar os telelés. Por causa das bandidos, o grito de socorro é comum por aquelas bandas, principalm­ente em

senhoras clientes. Nessas ocasiões, quando há assaltos,

os policemen dificilmen­te estão para acudir as vítimas. Por isso, os moradores e frequentad­ores daquela zona pedem que se reforce o número de efectivos e de esquadras móveis da Polícia.

Por outro lado, os poucos agentes ali destacados parecem que andam tão bem familiariz­ados com as zungueiras. Ainda agora, tal como em muitas outras ocasiões, estou a galar um “kanhinga” em grandes cavaqueira­s com uma vendedora, mesmo depois de bicar o negócio e apreender os bens desta.

É um cenário para dualidade de interpreta­ções. Num minuto, vê-se um agente bravo, rude, insensível, arrogante e desumano, que dá pontapés a tudo quanto for negócio ou joga a porreta às próprias senhoras vendedoras. Noutro momento, aprecio um polícia manso, amigo, carinhoso e amável, que fica à conversa animada e em altas gargalhada­s com a mesma zungueira. Até vi um deles a dar um abraço meio íntimo a uma dessas vendedoras. Não tem Covid-19, nesse ano, ainda dá para aproveitar!

Fico curioso. Sabe como jornalista é tentado, às vezes, a descobrir factos. Vou ao encontro de uma das zungueiras e pergunto: “Oh, dona, vi uma sua colega no quase bem bom com um polícia ali há pouco. Aqui, há porrada, correrias e tudo, mas são amigos?”

E a zungueira, naquele sorriso lindo, responde: “Não liga, pai. Esses são nossos cunhados”.

E insisto: “Como assim cunhados?”

– “Meu irmão, todos os polícias têm ou uma mulher zungueira ou irmã zungueira ou prima zungueira ou vizinha zungueira... Por isso, todos os polícias são nossos cunhados!”.

E, não será isso mesmo verdade? Agora entendo o porquê de muitos agentes serem nalguns momentos mais sensíveis com certas vendedoras. Afinal, ele pode ser um desses cunhados da zungueira!

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