Histórias frustrantes de África...
Cuculama é um nome imaginário de uma bela cidade africana. Virada para o mar, tem na pesca, comércio marítimo, extracção do sal, minerais raros, madeira e na produção agrícola uma valiosa fonte de riqueza, infelizmente nas mãos de poucos. A maioria da população é pobre e vive conformada em continuar a sê-lo, até que a sorte bata à porta. Como em muitas cidades africanas, milhares e milhares de habitantes de Cuculama vieram do interior para exercer o pequeno comércio de fritos & assados, espalhados por todos os cantos.
“Mano, compra só o meu churrasco, quentinho!”, imploram dezenas de mulheres de origem rural. Onde querem e lhes apetece, mulheres lindas e gostosas vendem tudo o que lhes permita ter dinheiro para comer no mesmo dia, porque, segundo a crença “O amanhã pertence a Deus!”
Embora o Sol brilhe, dizse aqui que a vida é negra. Principalmente para os condenados à condição de miseráveis, que não sabem o que comer, vivem na incerteza de um “salário” e adormecem ignorando que nessa noite poderão morrer de um enfarte fatal...
Em contraste, os mais poderosos esforçam-se por ser vistos a rezar em lugares sagrados e a oferecer esmolas como obra de caridade. É uma farsa. Mas, permite- lhes o título de “Homens mais respeitáveis da Cidade!”. O ridículo é que eles imitam o turista americano de óculos escuros e calções de ganga que passeia pelas ruas, distribuindo migalhas de milho aos pombos e andorinhas sem tecto, caídos do céu... Mas, em Cuculama, os sem tecto são seres humanos, não são as andorinhas!
“Porquê que todas as cidades africanas vivem o mesmo drama?”, pergunto ao meu amigo.
“Não te rales. Não vais mudar nada! A África não tem solução”, diz-me ele irritado com a pergunta. “Como assim…?!”
“Põe isto na cabeça!”, ordena-me ele, sem parar: “Nós estamos condenados ao fracasso. Nenhum país africano se vai endireitar. Nenhum! Deus fez o homem com cinco dedos diferentes, para representar o diferente destino de cada um dos cinco continentes. Nós somos o dedo mindinho, condenados a pensar pequeno e a sermos inferiores. O dedo maior, representa os mais poderosos que são as grandes potências e os mais dot a d o s ! ” , e f e z - me um “Toma!”, num gesto de malícia e desprezo.
Não acredito! Faço tudo para contrariar aquela tese tão frustrante. Relato-lhe histórias contagiantes com grande entusiasmo, para lhe contrariar e desmentir. Mas, a réplica do meu amigo são gargalhadas de troça e de cepticismo.
“Eh, eh eh..., todos contam essa história!!! É para subir rápido na vida e enganar, meu amigo. Olha o outro, jurou a mesma coisa: “Vou mudar...! Vou mudar...!
Vou mudar!”. Foi tudo treta para ludibriar, roubar e encher os bolsos de dinheiro. Nada mudou.”
Inconformado, volto ao ataque: - Roubar, não é a solução, não!! Isso nunca. E quem for apanhado a roubar, ainda que sejas tu, deve ir para a cadeia. Serás o próximo preso e julgado...”
O meu amigo não se assusta. Voltou às gargalhadas. Diz que perdeu a esperança neste tempo. E, num tom provocante, pressionou o botão, vermelho, do suicídio da “Esperança Africana”, abrindo portas à derrota e ao conformismo!
“Vais prender todos, então! O africano é criado e educado para ser assim depois de grande. Quer comer hoje e deixar tudo para depois; quer o imediato, o poder, e gosta do excêntrico e do extravagante. Olha para aqueles à tua frente! Não te rales, amigo...!”
Não disse no início, mas era a manhã do Dia de África, o 25 de Maio, e íamos a caminho de uma celebração solene. Ao volante de um luxuoso 4X4, o meu amigo repetia que a África tem um dia, mas não tem futuro. Era peremptório, parecia surdo ao que lhe dizia e implacável nas suas verdades. Prefiro não discutir mais. Sentiame uma presa na boca e nas garras de um leão bruto, colosso e faminto. Arrogante e presunçoso, ele cometia o erro de acreditar que o destino do verdadeiro africano era crescer sem regras e sem berço.
Mas foi lindo vê-lo bater palmas, minutos depois. A oradora, era uma jovem de 33 anos num estilo raro, o cabelo crespo e sem maquilhagem no rosto, Começou o espantoso discurso surpreendendo todos. “Com a anuência do moderador, eu quero fazer a minha intervenção de pé...”, e levantou-se. Depois, perguntou misturada entre a plateia:
“Querem mudanças? Continuem a investir numa educação de luxo, na formação profissional e em mais civismo; continuem a investir na geração que está a nascer agora; usem a riqueza para impulsionar o desenvolvimento, e não para mordomias! Os pequenos resultados vão germinar e a África será gigante no fim do século!”
O meu amigo saltou e aplaudiu freneticamente, de pé, e todos imitaram-lhe o gesto. Durante o cocktail, apoderou-se da oradora, como se fosse sua companheira num salão nobre, executando animados gestos teatrais que lhe faziam sorrir.
Imaginei que relatasse agora histórias do tipo “Menina, o seu discurso ultrapassou o brilho e o calor do Sol, para as mentes congeladas do nosso tempo. Parabéns!”. Mas também imaginei que ele pudesse estar satisfeito com o desvio de fundos do erário públi co para a s ua conta bancária, sem que nada lhe acontecesse.
Talvez…