A morte de um homem vertical
Escritor Dario de Melo faleceu aos 87 anos na sua terra natal. Deixou uma obra quase inteiramente dedicada às crianças e aos jovens
Dario de Melo, escritor que muitos consideram Pai da Literatura Infantil Angolana, falecido no dia 5 de Junho em Benguela, rejeitava firmemente esse epíteto. A última vez que o fez foi no dia 1 de Julho do ano passado, aquando da conferência online promovida pela Academia Angolana de Letras, precisamente dedicada à vida e obra do escritor. Naquela que foi a sua última intervenção pública, Dario de Melo nos écrans diante de um heterogénio público de académicos, escritores e leitores angolanos, portugueses, brasileiros e de outras nacionalidades, apareceu, a partir da sua Benguela natal, com a mesma “ironia cáustica” de sempre, a afirmar: “atribuem-me a paternidade da Literatura Infantil Angolana, o que não é verdade. A Literatura Infantil Angolana não tem pai, só tem mãe. E agora é órfã porque a mãe morreu. Era a Gabriela Antunes”.
O pai da LIA (Literatura Infantil Angolana), segundo
Dario, fugiu, foi plantar filhos na barriga de outras mulheres, deixando a “filha” à responsabilidade de padrastos. Sem jamais assumir que fosse ele o pai relapso, Dario de Melo contou a história do surgimento da LIA tal como a vivenciou. Aquando de uma visita de Gabriela Antunes ao Jornal de Angola, diante da banca de profissionais que fazia o suplemento infantil, frontalmente, como era próprio dela, atirou à cara dos editores que a publicação infantil era “uma trampa”. Desafiada a fazer ela própria o suplemento, Gabriela Antunes por sua vez desafiou a equipa de técnicos do INALD a escrever estórias para o suplemento infantil mensal. “Foi assim que nasceu a Literatura Infantil Angolana”, contou Dario de Melo, que era um desses técnicos no princípio da década de 80. O INALD tinha então, por analogia, aquilo que os cronistas desportivos chamam “equipa de luxo”: Dario de Melo, Rosalina Pombal, Octaviano Correia, Gabriela Antunes, Maria Eugénia Neto e mais tarde como colaboradores Cremilda de Lima, Zaida Dáskalos, Maria do Carmo... Capitaneado por Boaventura Cardoso esse foi, no dizer de Octaviano Correia, “o núcleo incontornável do surgimento da Literatura Infantil Angolana”.
A LIA, passados anos do tamanho de décadas, afirmou Dario de Melo no ano passado, está em estado terminal que não termina nunca. “Não há editores que editem. E quando editam não vão além dos 2 mil exemplares, embora a gente se ufane de dizer que temos não sei quantos milhões de crianças nas escolas”.
Dirigindo-se muito particularmente à ministra da Educação Rosa Grilo, um acutilante Dario de Melo exclamou: “É uma vergonha. No tempo colonial um menino da 1ª. classe aprendia a ler em três meses, agora um menino da 1 ª . classe aprende a ler na 6ª. classe”.
O escritor afirmou que os professores actualmente estão a ensinar a ler pelo método que a Rainha Njinga Mbande aprendeu a ler, através da cartilha de João de Barros, enviada pelo Rei de Portugal. “Faz favor: proíba o ensino do alfabeto. O menino não precisa de aprender o alfabeto, que só vai precisar na 6ª. classe quando começar a ver os dicionários. É som a s om que os meninos aprendem a ler”, frisou, elogiando a ministra Rosa Grilo por ter aceite o cargo, “um dos mais difíceis”, segundo disse. “Sabe porquê que não me candidato a Presidente da República? Por uma simples razão. É que ao fim de três meses haveria uma revolução e eu seria morto. E não quero morrer porque ainda sou muito jovem aos 86 anos que tenho”.
A primeira coisa que faria caso fosse Presidente da República, disse Dario de Melo no dia 2 de Junho de 2021, “era reduzir o funcionalismo público a um terço e depois passava os outros dois terços à reforma”. (Ficava assim explicado o seu receio de causar uma revolução caso hipotética – e poeticamente -, fosse eleito Presidente da República...).