Burkina Faso - 79 mortos, três dias de Luto Nacional
O Sahel apresenta novamente sintomas de que vai a pique, a caminho do fundo! Relativamente ao Burkina Faso, enquanto gozávamos o fim-de-semana prolongado de Santo António, o distrito Norte de Seytenga, na fronteira com o Níger, assistiu à matança de um número ainda indefinido de aldeões. Digo-o desta forma porque parece haver neste acto uma mudança no modus operandi de quem chacinou e ainda não reivindicou. As aldeãs e as crianças foram poupadas neste ataque, aparentemente sem um objectivo definido, para além da criação do caos, pânico e prova de uma crescente terra-deninguém na chamada “três fronteiras” (Mali, Níger e Burkina).
Há relatos de mais de 100 mortos e relatórios oficiais que garantem serem 50. Os 79 mencionados correspondem a uma média, mais credível, apresentada pela Rede de Reflexão Estratégica sobre a Segurança no Sahel (Jérôme Pigné). Certo é que na quinta-feira anterior, 11 polícias militares foram abatidos no mesmo distrito. Esta Rede de Reflexão também aponta outra alteração no modus operandi destes grupos de assassinos. Chacinam como dantes, mas não aparece nenhum grupo ou entidade a reivindicar os actos, o que adensa a nebulosa em torno dos mesmos, das populações, multiplica o pânico e dificulta o seu combate. Objectivo cumprido!
Os golpes militares no Mali (Agosto 2020) e no Burkina (Janeiro 2022), cuja razão de ser se justificaram oficialmente, porque os poderes civis não conseguiram estancar os avanços do jihadismo, provocaram na região ainda maior vulnerabilidade, no subsequente nevoeiro de guerra que toda a luta pelo poder provoca
Razões
A região das três fronteiras, sem muros nem portagens, tem sido desde 2015 “território de transumância” da Al-qaeda do Magrebe Islâmico e do Estado Islâmico. Aqui se misturam com a população local, aqui competem entre si e aqui instigam à “zizania” intra e intercomunitárias, explorando as suas fraquezas e fomentando a criação de milícias étnicas que alimentam com armas e aspirinas. É possível que esta “matança de Santo António”, sem razão aparente, seja apenas uma milícia a dizer à outra “eu consigo matar mais do que tu!”
Os golpes militares no Mali (Agosto 2020) e no Burkina (Janeiro 2022), cuja razão de ser se justificaram oficialmente, porque os poderes civis não conseguiram estancar os avanços do jihadismo, provocaram na região ainda maior vulnerabilidade, no subsequente nevoeiro de guerra que toda a luta pelo poder provoca. Para o adensar, a França decidiu pôr termo à Operação Barkhane (Junho 2021) e deslocalizar o seu contingente militar do Mali para o vizinho Níger. Por último, a Junta Militar do Mali resolveu retirar-se do G5-sahel (Maio 2022), a coligação regional que se sustentava na Barkhane, para combater o terrorismo. Em suma, o Mali rejeita a França e cai nos braços da Rússia, com o Grupo Wagner a dar formação à tropa maliana, a segurar a Junta no poder e a começar a engajar-se nas patrulhas a Norte, na caça aos indesejáveis, que não serão obrigatoriamente obscuros islamistas.
Outra novidade recente e resultante deste cenário é a tendência que se regista na deslocalização geográfica deste tipo de ataques. O Togo (Junho 2022) e o Benim (Dezembro de 2021 e Fevereiro de 2022) são também as mais recentes vítimas deste tipo de “ataques toca-e-foge”, nas respectivas fronteiras Norte com o Burkina, cujo futuro próximo irá certamente confirmar novas fronteiras tripartidas, tão problemáticas como as anteriormente mencionadas. A razão para este avanço jihadista para Sul tem no Golfo da Guiné o principal objectivo, cujo acesso ao mar abrirá novas rotas de aprovisionamento, fuga e entrada na região.