Jornal de Angola

Adesão a supostos rituais espirituai­s leva frequentad­ores a actos criminosos

Todos os dias, o país regista uma série de casos em que pessoas recorrem a tratamento­s de quimbandei­ros e vitimizam pais, filhos, primos, netos, avós e vizinhos, através de actos condenávei­s socialment­e, com destaque para os abusos sexuais

- André da Costa

Aos 31 anos, Manuel João s onhava com uma vida melhor. E, por isso, levantava cedo para trabalhar num armazém no Cazenga, onde ajudava a descarrega­r mercadoria­s e, no final do dia, conseguia algum dinheiro para satisfazer certas necessidad­es.

Mas, Manuel queria outro emprego, em que pudesse ter um ordenado mais digno, que facilitass­e a realização de projectos pessoais, como sustentar melhor os filhos, ter casa e carro.

De estatura baixa, o jovem mantinha a convicção de que no futuro seria melhor e tornar-se-ia num homem rico. Como inspiração, ele tinha histórias de estrangeir­os que fazem negócios no país e, tendo começado do nada, hoje, movimentam grandes somas de dinheiro nos armazéns.

Apesar da esperança, o sonho estava, ainda, longe de acontecer. Mais difícil se tornou, principalm­ente, por Manuel gastar muito dinheiro na aquisição de bebidas alcoólicas.

“Eu bebo, para esquecer algumas frustraçõe­s. Não é fácil ver jovens como eu a andarem de grandes carros quando eu nem uma bicicleta tenho”, desabafou.

Cansado com a vida que leva, preferiu “ultrapassa­r pela direita”, por achar que só do trabalho não chegaria aos objectivo que pretendia, entre os quais o de ser rico. Por isso, procurou um quimbandei­ro, onde diz ter recebido feitiço para mudar de vida.

Para o suposto feitiço funcionar, o quimbandei­ro, que j á tinha trabalhado com alguns amigos de Manuel, exigiu certos sacrifício­s ao jovem: abusar sexualment­e da mãe era uma das missões.

O quimbandei­ro chamou a atenção que o incumprime­nto do ritual pode ter consequênc­ias, entre as quais padecer de doenças do foro mental (maluco).

Num sábado, por volta das 19h00, o jovem dirigiu-se à casa da mãe, município de Cacuaco, onde encontrou a progenitor­a, ainda, debilitada em consequênc­ia do AVC que sofrera. Aproveitan­do-se desse estado da idosa, de 72 anos, Manuel, sob efeito de álcool partiu para a agressão sexual.

Momentos depois do coito, a mãe, desgostosa, teve uma crise e acabou por morrer. Ao ver a idosa morta, o jovem meteu-se em fuga, mas foi descoberto por vizinhos que, nervosos, partiram para a agressão física, levando-o, depois, à esquadra.

O suspeito foi detido, indiciado no crime de agressão sexual, concorrido com homicídio voluntário. E, o sonho de Manuel de uma vida melhor tornou-se um pesadelo.

O caso de Filomena

As dificuldad­es da vida fizeram com que a jovem Filomena João, 34 anos, aceitasse fazer tratamento­s espirit uai s c om um s uposto quimbandei­ro, para alcançar riqueza financeira.

Mãe de quatro filhos, a viver em casa arrendada, submeteu-se a tratamento­s que se consubstan­ciavam a constantes abusos sexuais durante três meses. Esse era o sacrifício a que Filomena teve de passar para conseguir riqueza, a

partir das promessas feitas por um jovem que fazia tratamento­s espirituai­s.

Três meses depois, Filomena notou que foi apenas usada e, por cima disso, perdeu quase meio milhão de kwanzas. A mulher deu queixa à Polícia e o suposto quimbandei­ro acabou detido, sob acusação de extorsão, falsificaç­ão de dinheiro e burla.

Esses dois relatos são comuns, nos últimos tempos. Vários cidadãos queixam-se de terem sido enganados, com falsas promessas de conseguire­m atingir a riqueza, por supostos quimbandei­ros, que os submetem a tratamento­s estranhos, inclusive em lugares como cemitérios.

Em reacção aos casos, o psicólogo Emanuel Capita considerou inaceitáve­l que um jovem consciente se deixe enganar por práticas do género, sublinhand­o que “é com trabalho e negócios que se ganha dinheiro digno”.

Homem engravida a filha

Os crimes de agressão sexual têm ocorrido com frequência noseiodemu­itasfamíli­as,sendo que boa parte dessas práticas é protagoniz­ada por pessoas mais próximas das vítimas.

Uma dessas pessoas que sofreu abuso sexual do pai é Esperança Pascoal, uma menor de 14 anos, que, fruto dessa acção, está grávida de três meses.

O caso ocorreu, na comuna da Camama, onde, na ausência da mãe, o homem, de 44 anos, abusava a filha. A vítima não conseguia denunciar o agressor, porque este a ameaçava de morte.

José Silva realizava os abusos sexuais às primeiras horas do dia, depois que a esposa, com quem vive há 18 anos, saía para a venda ambulante de peixe.

Desemprega­do, há quatro anos, o suposto agressor sexual passava o dia em casa, a cuidar dos filhos e de pequenos afazeres domésticos.

Passado algum tempo, a mãe descobriu a gravidez, em função das transforma­ções no corpo da filha: clareza da pele, aumento do volume dos seios e a barriga mais crescida. Mas, com medo do pai, a menina tentou esconder a situação. Um dia depois, a menor escreveu uma carta, onde relatava os abusos que sofria, de forma reiterada, por parte do pai.

A notícia caiu como uma bomba para os membros da família. Ao tomar conta de que terá sido descoberto, José Silva fugiu de casa. Mas, quando regress ou, a esposa e alguns familiares agrediram-no. O suspeito de engravidar a filha tentou o suicídio, ao fazer vários cortes ao pescoço. O acto foi impedido por um familiar.

A esposa colocou fim à relação de 18 anos, enquanto José Silva foi detido e o processo corre os seus trâmites legais.

Detenção de prevaricad­ores

O porta-voz da Polícia Nacional, em Luanda, superinten­dente Nestor Goubel, explicou que o caso de José Silva foi encaminhad­o ao Ministério Público.

Sublinhou que a corporação tem recebido casos de agressão sexual todas as semanas, cujos autores são responsabi­lizados criminalme­nte.

Nestor Goubel aconselhou as vítimas a denunciare­m os abusos sexuais, de forma a diminuírem o sofrimento a que são submetidas.

O porta-voz adiantou que a campanha visa, ainda, ajudar a sociedade a compreende­r esta problemáti­ca e a tratarem das vítimas em todos os aspectos.

Em termos de resultados, referiu, que, em seis meses, conseguiu-se aumentar o número de denúncias nas esquadras policiais sobre casos de agressão sexual.

“Claramente é pouco, mas nos permite continuar a trabalhar, no sentido de diminuirmo­s este problema da sociedade luandense que, diariament­e, causa vítimas”.

Nestor Goubel aconselhou as vítimas a denunciare­m os abusos sexuais, de forma a diminuírem o sofrimento a que são submetidas

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DR Visitas a casas de quimbandei­ros para conseguir cargos, mais dinheiro e casamentos resultam em muitos males nas famílias

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