Desistência da Caála provoca transtornos directos e indirectos
Ausência dos “caalenses” no Campeonato Nacional de Futebol da Primeira Divisão, Girabola’2022/23 preocupa os agentes e amantes da modalidade na província, numa altura em que deixou de existir futebol de alta qualidade na região
O Campeonato Nacional de Futebol “Girabola” ficou órfão, na época 2022-23, de u m d o s s e u s maiore s expoentes, o Recreativo da Caála, um gigante do desporto n a p r oví nci a do Huambo e em todo o país.
O motivo é corriqueiro, falta de verbas, mas as consequências são ímpares para um clube que ascendeu pela primeira vez em 2009 e disputou 14 épocas consecutivas até 2021/22.
Não se trata de um feito inédito, ainda que a análise se restrinja a nível local, pois o Sport Huambo e Benfica (Mambroa) esteve, também, ausente na maior prova do desporto rei por iguais 14 anos, no período de 1979 até 1992.
A desistência dos “caalenses” do Girabola 2022/ 23, anunciada dias antes do início da prova, a 24 de Setembro último, decorre de uma decisão do presidente da direcção do clube, Horácio Mosquito.
Este facto resultou já em consequências que transcendem a mera participação na prova, traduzindo- se num problema de desemprego e de prejuízos hoteleiros, da venda ambulante e até da diversão do público que ama o futebol, com provas dadas por via da adesão aos estádios.
Após o auto-afastamento do vice-campeão em 2010, o Huambo vê-se órfão de um representante na competição nacional 16 anos depois. A última vez que tal ocorreu foi em 2006, com a descida de divisão, no ano anterior, do Petro do Huambo, à época único representante.
Antes disso, a província registou, igualmente, uma interrupção da sua participação na maior montra do futebol angolano, entre 1993 e 1994, em consequência do conflito armado que inviabilizou a participação do Mambroa.
A província do Huambo, tida entre as que mais tem presença na competição, depois de Luanda e Benguela, foi, igualmente, representada pelas equipas dos Palancas do Huambo, em 1979, JGM, entre 2017 e 2018, e Ferrovia do Huambo, nas épocas 2019/20 e 2020/21.
Na região do Planalto Central, que compreende as províncias de Benguela, Bié, Cuanza-sul e Huambo, o Recreativo da Caála e o Sport
Huambo e Benfica "Mambroa" são apenas suplantadas pelo 1º de Maio de Benguela, com 17 épocas ininterruptas, entre 1981 e 1997. A Académica do Lobito, com 11, de 1995 a 2005 e o Petro do Huambo, também, com 11, ocupam as posições seguintes.
Profissionais atirados ao desemprego
Até à altura do anúncio da desistência, o clube tinha contrato com um plantel formado por 15 atletas, dos quais dois militam, actualmente, no Sporting de Benguela e t r ê s no Cuando Cubango FC, uma equipa técnica com quatro membros, um médico, dois fisioterapeutas e um enfermeiro, além de outros funcionários.
Atirados ao abandono, alguns chefes de família, pais, filhos e irmãos desconhecem a verdadeira situação dentro do clube por falta de esclarecimento por parte da direcção quanto
à continuidade ou suspensão dos contratos.
Em consequência desta situação, muitas famílias, directa e indirectamente ficaram sem fontes de rendimento, não obstante o facto de se quebrar a constância de competições de alto nível, que a par da vertente recreativa, promovia o turismo e as trocas comerciais.
Sobre esse e outros assuntos, a Angop procurou ouvir a direcção do clube da Caála, mas sem sucesso.
Agentes preocupados
A desistência dos “caalenses” preocupa os agentes desportivos e amantes do
futebol na província, numa altura em que deixou de existir futebol de alta qualidade na região.
O analista para o futebol, Nelito Constantino, afirmou que a desistência do então último e único embaixador da província no Girabola agudiza a situação do desporto na região, que, na sua opinião, tem registado um indicador bastante acentuado de regressão.
Segundo ele, a medida peca por não ter sido tomada por via de uma assembleia de sócios, em obediência às disposições estatutárias e, sobretudo, pelo facto de não ter sido, até ao momento, devidamente esclarecida a massa associativa e população em geral.
Por seu turno, o director do gabinete da Cultura, Turismo, Juventude e Desportos local, Jeremias Chissanga, disse tratar-se de um retrocesso do desporto na região, tendo em conta os feitos que granjeou, sendo das mais presentes ao longo dos 43 anos de existência da competição.
Segundo o responsável, a situação terá, igualmente, impacto na realidade social e económica da província, a julgar pela mobilização que uma equipa pode envolver com a sua participação no evento.
A medida tomada pela direcção do Recreativo da Caála é vista como uma quebra da mística da província, enquanto uma das regiões do país que tem promovido atletas para o mercado nacional e internacional, através da disputa do Girabola.
Aponta, a título de exem
plo, os irmãos Carneiro, Joca e Gildo, da nova geração, além das antigas “estrelas” do Planalto Central, como Mangrinha, Maria, Ralph, Chimalanga, Laurindo, Lutucuta, Arlindo Leitão, Savedra, Carlos Pedro, Avelino Lopes, Mona, Bolingó, Rosário Machado, J osé Muluse, Mascarenhas, Dongala e Figueiredo.
Hotelaria e turismo sofrem abalo
A hotelaria e turismo são dois sectores intimamente ligados ao desporto, sendo que os investidores na província do Huambo se ressentem da desistência do Recreativo da Caála do Girabola 2022/23.
Em declarações à Angop, o chefe de Departamento d o Tu r i s m o , A n i l s o n Ernesto, indicou que a decisão tem causado impacto negativo, pois o sector ficou sem os ganhos obtidos quando a equipa disputava a competição.
Fez saber que, durante as 15 jornadas na condição de anfitrião, o Recreativo atraía pelo menos 500 turistas, só de integrantes das equipas adversárias, entre membros de direcção, atletas e técnicos.
A par desses, acrescentou, perto de 10 mil escalavam a p r oví n c i a p o r a n o , enquanto sócios, adeptos e amantes do futebol, para assistirem as partidas de futebol nesta região, que se constituíam nos principais clientes das unidades hoteleiras e de restauração.
A situação geográfica da província, disse, e o facto de estar interligada por vias de comunicação terrestre, ferroviária e aérea, permitia que pessoas de outras regiões do país e, sobretudo, as circunvizinhas, se deslocassem facilmente para o Huambo no sentido de assistirem aos jogos.
Ainda em t ermos de impactos negativos, apontou as implicações na manutenção dos empregos, pois com a queda das receitas, os agentes têm dificuldades em contratar novos funcionários, diferente do período quando o volume de negócio era alto e eram obrigados a reforçar o quadro de trabalhadores.
O Hotel Ekukui, principal referência da província, é uma das unidades que acolhia as equipas que disputavam os jogos do Girabola no Huambo e que soma quedas na facturação.
O gestor da unidade hoteleira, Ataíde Paulo, admitiu que, com a desistência do Recreativo da Caála, registou-se uma baixa na fact uração, comparado ao período em que o conjunto disputava a competição.
Informou que, para além das equipas de fora, como o Petro de Luanda, Recreat ivo do Libolo, Sagrada Esperança, o Hotel Ekuikui tinha, igualmente, contrato com o Recreativo da Caála, que consistia no alojamento dos atletas e equipa técnica, sempre que a direcção do clube entendesse.
Disse que e s t a e ra a equipa que mais clientes dava à instituição, com uma taxa de ocupação de 70 por cento, sempre que se alojasse no hotel, num período de três a seis dias.
Explicou que a situação afectou, igualmente, os postos de trabalho indirecto, uma vez que em ocasiões de jogo, a direcção subcontratava serviços e trabalhadores, principalmente, na vertente da restauração, para poder satisfazer a demanda, o que não acontece actualmente.
Perda de oportunidades de negócios
Além de propiciar bons espectáculos de futebol, o Recreativo da Caála criava oportunidades de negócios para os comerciantes formais e informais, com a venda de diversos produtos no interior do estádio e arredores.
Os comerciantes , que vendiam produtos desde material desportivo (merchandising), alimentos confeccionados e prestação de serviços de restauração, perderam oportunidades de desenvolverem as suas actividades, com a desistência do clube na maior prova desportiva do país.
Domingas Saliengue, que vendia alimentos confeccionados e bebidas não alcoólicas nos arredores do Estádio do Caála, disse que a situação i mpacta negat i vamente no s e u negócio, pois, nos dias de jogo, principalmente contra o Petro de Luanda ou 1º de Agosto facturava entre 40 e 50 mil Kwanzas.
Por sua vez, Paulino Segunda, que comercializava calendários das jornadas no interior do estádio, fez saber que agora o seu negócio não tem tido rendimento, uma vez que os amantes do f utebol pouco se interessam em saber da calendarização dos jogos das equipas de outras províncias.
Já o adepto do Caála, Florindo Saraiva, mostrou-se triste com a notícia, uma vez que deixou de ver a sua equipa no Girabola e os “colossos” do futebol angolano.
“Custa- me acreditar. Agora serei obrigado a deslocar-me para outras províncias para assistir ao vivo aos jogos dos grandes do futebol angolano, porque tínhamos competições locais com o Recreativo da Caála e outras equipas que a província teve na I Divisão”, referiu.