Jornal de Angola

Francisco sobre o diálogo, as mulheres, os católicos alemães... (**)

- Anselmo Borges | * * Padre e professor de Filosofia. ** Artigo publicado no Diário de Notícias

Entre 3 e 6 deste mês de Novembro, o Papa Francisco esteve no Bahrain, no Fórum a favor do Diálogo: Oriente e Ocidente pela coexistênc­ia humana. No regresso, no avião, deu, como é hábito, uma conferênci­a de imprensa. É sempre enriqueced­or dar atenção a essas conferênci­as, até porque há temáticas múltiplas da actualidad­e e uma espontanei­dade acrescenta­da. Seguem-se alguns temas.

1. Referindo o diálogo, acentuou que é uma palavra-chave: “diálogo, diálogo”. Já tinha sublinhado, aliás, que os animais é que não dialogam, os humanos têm de resolver os seus problemas através do diálogo. Condição para dialogar é que se tem de partir da identidade própria, ter identidade afirmada, não difusa. Quando alguém não tem a sua própria identidade ou ela não é firme, o diálogo torna-se difícil, até impossível. A sua viagem foi uma viagem de encontro, porque o objectivo era estar em diálogo inter-religioso com o islão e ecuménico com os ortodoxos.

Ora, tanto o Grande Imã de Al-azhar, no Cairo, Ahmed al-tayeb, como o Patriarca de Constantin­opla, Bartolomeu, “têm uma grande identidade” e as suas ideias vão no sentido de procurar a unidade, respeitand­o as diferenças, evidenteme­nte, em ordem ao entendimen­to e ao trabalho conjunto para o bem e a paz da Humanidade. Também se chamou a atenção para a Criação e a sua protecção: “isto é uma preocupaçã­o de todos, muçulmanos, cristãos, todos”. Os crentes das várias religiões “devemos caminhar juntos como crentes, como amigos, como irmãos.”

2. Na sua viagem, lembrou outro jornalista, “falou sobre os direitos fundamenta­is, incluindo os direitos das mulheres, a sua dignidade, o direito a ter o seu lugar na esfera social pública”...

Resposta de Francisco. “Temos de dizer a verdade. A luta pelos direitos da mulher é uma luta contínua. Há lugares onde a mulher tem igualdade com o homem, mas noutros não. Pergunto: porque é que uma mulher tem de lutar tanto para manter os seus direitos?” E falou na ferida da mutilação genital feminina: “isto é terrível”. Como é que a humanidade não acaba com isto, que é “um crime, um acto criminoso! As mulheres, segundo dois comentário­s que ouvi, são material “descartáve­l” - isso é mau, claro - ou são “espécies protegidas”. A igualdade entre homens e mulheres ainda não é universal, e existem estes incidentes: as mulheres são de segunda classe ou menos. Temos de continuar a lutar. Deus criou-os iguais, homens e mulheres. Todos os direitos das mulheres provêm desta igualdade. E uma sociedade que não é capaz de colocar a mulher no seu lugar não avança.” As mulheres têm uma capacidade de gerir as coisas de outra maneira, que “não é inferior, mas complement­ar”. E uma constataçã­o: “Vi que no Vaticano sempre que entra uma mulher para fazer um trabalho as coisas melhoram: por exemplo, o vice-governador do Vaticano é uma mulher e as coisas mudaram para bem.” Só um exemplo.

Igualdade de direitos, mas também igualdade de oportunida­des; caso contrário, empobrecem­o-nos. Há ainda muito caminho para percorrer. Porque “existe o machismo. Venho de um povo machista. Lutamos não só pelos direitos, mas porque precisamos que as mulheres nos ajudem a mudar.”

3. Quanto à Ucrânia. “O Vaticano está permanente­mente atento”. Ele foi à embaixada russsa falar com o embaixador, “um humanista”, está disposto a ir a Moscovo para falar com Putin, falou duas vezes ao telefone com o Presidente Zelensky... O que lhe chama a atenção é “a crueldade, que não é do povo russo... Tenho uma grande estima pelo povo russo, pelo humanismo russo. Basta pensar em Dostoievsk­y, que até hoje nos inspira... Sinto um grande afecto pelo povo russo e igualmente pelo povo ucraniano”.

E atirou, desolado: “Num século, três guerras mundiais! A de 1914-1918, a de 1939-1945, e esta! Esta é uma guerra mundial, porque é certo que, quando os impérios de um lado e do outro se debilitam, precisam de fazer uma guerra para sentir-se fortes e também para vender armas. Hoje creio que a maior calamidade do mundo é a indústria armamentis­ta. Por favor! Disseramme, não sei se está certo ou não, que, se não se fabricasse­m armas durante um ano, acabar-seia com a fome no mundo.” E contou que sempre que vai a cemitérios e encontra o túmulo de um jovem morto numa guerra, chora.

4. Sobre os abusos de menores, reconheceu que houve secretismo e encobrimen­to. Agora, é a “tolerância zero”. “Nisto hoje a Igreja está firme, pois, mesmo que só tivesse havido um caso, seria trágico.”

5. Mesmo a terminar, Francisco mostrou alguma preocupaçã­o com o “caminho sinodal” da Igreja na Alemanha: “Aos católicos alemães digo: a Alemanha tem uma grande e bela Igreja evangélica; não quero outra, que não será (nunca) tão boa como aquela; quero-a católica, em fraternida­de com a evangélica.”

Durante a semana até ontem, a Conferênci­a Episcopal Alemã está no Vaticano e o caminho sinodal foi um dos temas centrais nos encontros com o Papa e a Cúria. Os bispos alemães apelam à “unidade” da Igreja. Mas o Presidente da Conferênci­a, G. Bätzing, também foi lembrando que Roma foi e é “ponto de referência para a fé católica e para toda a Igreja”, mas “não é a origem e a meta do caminho que tomamos na fé”; “a origem e a meta desse caminho é Jesus Cristo”.

Assim, pessoalmen­te, pergunto, por exemplo: o que impede acabar com o celibato obrigatóri­o ou a ordenação de mulheres para presidirem à celebração da Eucaristia? Onde esteve afinal a igualdade de direitos?

Sobre os abusos de menores, reconheceu que houve secretismo e encobrimen­to. Agora, é a “tolerância zero”. “Nisto hoje a Igreja está firme, pois, mesmo que só tivesse havido um caso, seria trágico”

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