Trevas na terra luz nos céus!
Quem desligou o interruptor da terra e ligou o dos céus?! Quem avisou as estrelas que cá na terra havia um astro a brilhar? Quando morre uma figura de maior destaque cultural ou de outro sector, o mundo parece que entra num estado de precipitação na forma literal e sentimos descaminhar-se a um ferino matagal; a perda de um artista de vasta dimensão ocasiona amargura não penas à família, aos amigos ou conhecidos, mas abrange toda à sociedade e até às estruturas ministeriais, com os quais o cantor se identificava por inerência do seu oficio.
O desaparecimento físico daqueles que arrastam multidões mobiliza consciências para reflexões profundas e quase todos entregam-se às lamentações, choram de diversas maneiras, como: homenagens, canções na forma de dedicatória, mensagens em diversas plataformas digitais, etc. Quando morreu Michael Jackson, por exemplo, várias pessoas choraram no mundo inteiro, o maior espaço para exteriorizar os sentimentos dolentes foram as redes sociais. Uma cantora americana que assumia ser fã número 1 do “astro-pop”, afirmara com elevado abalo emocional na sua página; “desapareceu uma estrela na terra, há uma a mais nos céus”.
Conheci Nagrelha por meio de Kanguimbu Ananáz, escritora e membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola. Ela orientou e acompanhou este irreverente artista na qualidade de psicopedagoga. Certo dia, fui surpreendido ao vê-lo na União dos Escritores Angolanos (UEA), a perguntar por Avô Ngola e eu apresentei-me, era o pseudónimo na altura conhecido naquela casa de letras; “pensei que fosse mesmo um vovó”, disse olhando à estrutura da UEA. Ofereci-lhe um bondoso sorriso e um simpático olhar, depois convidei-o a assentar-se num dos bancos junto à pedra do quintal da União dos Escritores Angolanos. Eu não me tinha apercebido do principal cerne das suas preocupações, mas pude intuir no espírito das suas intenções: conhecer um pouco mais sobre o mundo da criatividade literária e como eu lidava com jovens que cultivam a arte da palavra escrita. Depois disso, a sua chama artística me parecia que tinha acendido para o leme literário ou eu estava equivocado, ou ele estava a proceder artisticamente de modo brilhante. No fim de alguns meses, Nagrelha solicitou o preenchimento de uma ficha para ser membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola; “Quero ser escritor, na América, muitos cantores têm livros lançados, quero mesmo ser escritor, mô kota”. Mantive a conversa com este jovem num dia de precipitação atmosférica, na União dos Escritores Angolanos, no pátio. Entrei na sala para buscar a ficha e no regresso já ele não estava. Tinha deixado um recado de desculpa por se ter ausentado repentinamente, havia recebido uma chamada urgente. Desde aquele dia nunca mais o tinha visto por perto. A sua intenção era o de pertencer à Brigada Jovem de Literatura de Angola.
Nagrelha vai continuar a viver nos corações de todos os angolanos, a sua voz vai continuar a tocar as sensibilidades de todos, os Lambas continuarão a ser a tocha acesa do kuduro como se o Nagrelha continuasse a dar o seu contributo; os fãs saberão, com certeza, honrar a memória deste grande artífice da música angolana. Vamos consolar os corações abalados, mas sabemos que o artista jamais morrerá! As músicas dos Lambas continuará a marcar esta geração. Contudo, para que transcenda às outras gerações será preciso um investimento de próximos projectos, reproduzir os trabalhos já editados, promove-los, publicitá-los cada vez mais e acima de tudo valorizarmos o kuduro.
Está comprovado que os Lambas têm enorme aceitação popular, em particular Nagrelha, que possuía um exército constituído de fiéis seguidores. O dia do seu funeral transformou-se num momento memorável, um número incalculável de multidão eufórica, apresentou-se no Santana para despedir-se do seu ídolo. A avenida Deolinda Rodrigues, as ruas, ruelas, becos e largos do distrito do Sambizanga, parte da Vila-alice, Rangel, Palanca e Neves Bendinha, ficaram completamente intransitáveis. A Polícia Nacional alocou, no sítio do funeral e nas cercanias, um grande número de efetivos e atuavam, na minha opinião, como se tivessem treinado para o efeito. Circulava uma viatura policial em espécie de blindado que organizava e dispersava tendências ruinosas. Por outro lado, não havia táxis a fluir de modo natural para o Mercado dos Congoleses. Muitos motoqueiros faziam demonstrações de consternação. Grupos de fãs inconformados vinham em passos “marmanjos” com um rumo aparentemente desgovernado. Jovens com “cabelo de Nagrelha” cantavam exibindo gestos de lamúrias e soltavam olhares e palavras fúnebres. Ontem o meu almoço foi feito num restaurante, em que a garçom era uma jovem com o cabelo pintado e ostentava uma escovinha abiscoitada. Exibia na “calentura” do seu peito entre os ternos seios híspidos, um passe com o rosto do Nagrelha. Deixava deslizar vagarosamente piedosas lágrimas enquanto atendia-nos cuidadosamente. Estava a manifestar a afeição que nutria ao estado maior do kuduro.