Para (tentar) perceber o fenómeno Nagrelha
Nagrelha, o cantor de Kuduro, foi a enterrar na última terça-feira, em Luanda, com o cortejo a ser seguido por multidões tão grandes como raramente se viu em Angola. A comoção e os ajuntamentos começaram a notar-se logo após a notícia da morte, dada em comunicado oficial, num outro acto inédito, pela instituição hospitalar onde o cantor estava internado - aliás, o “nunca antes ocorrido” já acontecera quando, no dia 25 de Junho, Nagrelha fora evacuado de urgência para o exterior acompanhado pelo director clínico da mesma instituição hospitalar. As multidões aos choros foram crescendo no Sambizanga, bairro onde o cantor nasceu e cresceu, e noutros bairros anter i ormente chamados musseques e hoje commumente designados “periféricos” (serão periféricos não tanto pela localização geográfica, mas pela marginalização social). A noite do velório no estádio da Cidadela, com as bancadas abarrotadas de gente, lembrava o cenário de um jogo da selecção nacional de futebol nos seus tempos áureos. E, finalmente, no dia do funeral foi o que se viu. Vídeos e fotos que circularam amplamente nas redes sociais, e as imagens exibidas na TV, mostraram multidões em transe a acompanhar o cortejo fúnebre e grupos de oportunistas a vandalizarem património alheio.
Membros da elite bem pensante, quando não se mostraram perplexos e paralisados diante do fenómeno que se desenrolava a seus olhos, invectivaram a horda de anónimos que se levantou dos bairros periféricos, mas não só, para chorar e acompanhar à última morada o cidadãocantor Nagrelha, cultor de um género musical considerado, por essa elite, “tão menor” como o Kuduro. Agora que as emoções parecem serenar, é tempo de pôr racionalidade na análise do fenómeno Nagrelha. Para tal o Jornalde Angola interpelou, por escrito, os sociólogos Elisabete Ceita Vera Cruz e Cláudio Tomás e o crítico musical Jomo Fortunato. E do Facebook trouxemos o texto da jornalista Maria Luísa Rogério, um dos mais brilhantes produzidos naqueles dias, naquela rede social. A ver se nos ajudam a perceber os acontecimentos desencadeados pela morte e o funeral do maior ícone do estilo musical Kuduro.