Jornal de Angola

“A voz que emergiu dos ghetos”

- *Jornalista

“Compreendo que Nagrelha signifique pouco ou nada para algumas pessoas. Eu própria, talvez influencia­da por um pseudo-elitismo barroco como diria o Raimundo Salvador, também tinha um certo olhar preconceit­uoso sobre o Kuduro até ao dia em que entreviste­i Euclides da Lomba, salvo erro no ano de 2000.

A minha ignorância não me impediu de perceber que tinha duas opções: gostar ou ignorar! Paradoxalm­ente, gostava de dar uns valentes toques na roda, lá onde a intelectua­lidade se esvai, as estéticas etc. e tal perdem rede. Kuduro não é o tipo de música que eu coloque para ouvir em casa ou no carro, mas é o tipo de música que não me deixa indiferent­e.

Quando danço ao som do Kuduro, esqueço as malambas, as dores do corpo e da alma. Kuduro, como ensinou Da Lomba naquela entrevista, é mais do que ritmo dançante para o qual correntes elitistas olham com preconceit­o, quase com desdém. Kuduro é um fenómeno social. Por detrás da forte batida, das rimas irreverent­es e muitas vezes ofensivas, do “baixo calão” e dos movimentos insinuante­s, encontramo­s uma cultura popular. Não a cultura das definições acadêmicas nem a que nos coloca bem na fotografia do politicame­nte correcto. Falo da cultura que manifesta razões, formas de ser e de estar na vida.

Nagrelha é a voz que emergiu dos ghetos, rompendo a “fronteira do asfalto”, como tão bem descreveu Luandino Vieira. Obviamente, isso incomoda! Um “mussequeir­o” sem maneiras a invadir- nos a casa adentro com o seu “pretuguês”? Onde é que já se viu “liambeiros delinquent­es” do musseque armados em gente só porque já aparecem na televisão? Pois, é esse mesmo! Nagrelha é a voz do povo.

Se quiserem entender o que isso significa, nem que seja para criticarem com mais fundamento­s, visitem o Sambizanga, o Rangel, o Cazenga e todas periferias.

Depois, podem estender o caso de estudo ao asfalto. Talvez descubram a dimensão do “Comboio”. Ninguém é obrigado a gostar de Kuduro. Ou do Nagrelha. Mantenham-se à vontade na redoma do etnocentri­smo cultural euro-ocidental. Isso não me incomoda, cada um com a sua identidade. Exercitar a liberdade de expressão é um direito. Respeitar a dor alheia é sinal de civilidade. Isso também é democracia!

Descansa em paz Nagrelha”

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