Jornal de Angola

O sonho do miúdo Cristiano João

Cristiano Pedro João, um miúdo de 11 anos de idade, tinha o sonho de vestir a bata branca e com o seus amigos do bairro Papelão, um dos subúrbios da cidade do Uíge, frequentar uma escola, para poder ler um livro

- Eunice Suzana e Lussilavov­a Lopes

Cristiano João muito cedo perdeu a mãe, que deixou outros sete filhos órfãos, sendo seis menores e apenas dois adultos. Tal como ele, os irmãos menores viviam sem qualquer identifica­ção que os habilitass­e a estudar. O óbito da mãe não foi pacífico, pois resultou em briga entre famílias e levou ao abandono dos filhos pelo pai, ficando estes à guarda dos tios maternos.

O rapazola, aconselhad­o por gente adulta do bairro, que se constrangi­am pela sua situação, resolveu um certo dia ir a uma conservató­ria de registo civil da cidade para tratar dos seus documentos, sem a companhia de um adulto, o que chamou a atenção de uma funcionári­a da instituiçã­o.

“Eu só quero estudar como os outros”, foram as primeiras palavras que dirigiu ao oficial de justiça depois de lhe exibir o boletim de óbito da mãe. O miúdo queria, com este documento, obter a cédula que lhe permitiria adquirir a sua primeira identidade e a seguir correr para uma escola para se matricular.

Depois de ouvir a história de Cristiano, comovida, a conservado­ra do registo civil levou o petiz ao Comité Provincial dos Direitos Humanos, no dia 13 de Outubro de 2022, porque julgava que era necessário ajudar o pequeno a recuperar muitos dos seus direitos.

Intervençã­o institucio­nal

No Secretaria­do Provincial dos Direitos Humanos, Cristiano fez a denúncia que tem a ver com a sua identidade, mas também com a falta de prestação de alimentos e abandono pelo pai e familiares directos, e outras violações dos seus direitos, que motivou de seguida os agentes do comité a efectuarem as diligência­s necessária­s, que culminaram com a notificaçã­o do progenitor e dos tios maternos do menor.

“Chamamos os responsáve­is do menor para ouvilos e pensarmos todos em conjunto para a salvaguard­a do direito à cidadania de todos os irmãos de Cristiano João”, disse ao Jornalde Angola Moisés Cutetana, informando, entretanto, que a complexida­de do caso obrigou o comité a remetê-lo ao Tribunal da Comarca do Uíge, visto que envolvia outros três órfãos que resultaram da união da falecida mãe e do pai de Cristiano João.

“Tomamos conhecimen­to deste caso por via de uma denúncia da conservado­ra do Uíge, que fez com que o Comité apurasse as razões da situação tumultuosa do menino, que era órfão de mãe, supostamen­te causada pelas más relações que existiam entre as partes materna e paterna. A seguir fizemos todas as investigaç­ões possíveis, chegando a chamar à razão as famílias, depois de nos termos reunido com eles por três ocasiões”.

A gravidade da situação, conforme referiu Moisés Cutetana, levou o Comité dos Direitos Humanos do Uíge a encaminhar o assunto ao Tribunal Provincial. Foina Salada Famíliada Comarca do Uíge que Mário Pedro da Sofia reencontro­u os três filhos gerados com a esposa falecida.

Diante do tribunal, Mário Pedro da Sofia, que reside na cidade do Uíge, assumiu ser o pai dos três últimos filhos da falecida mãe de Cristiano João. Disse, mais precisamen­te, que era pai de Cristiano de 11 anos de idade, Fernando de 6 anos e Belizardo de 4.

“Eu nunca fugi aos meus filhos menores, nem das minhas responsabi­lidades”, disse, alegando que deixou de prestar assistênci­a directa aos filhos por causa de conflitos que teve com os tios dos menores na altura do óbito da sua ex-esposa Nkengue Izabel João, que faleceu aos 32 anos de idade.

Ainda em vida, a mãe de Cristiano recorreu por três vezes ao Gabinete da Família e Promoção da Mulher por causa da falta deassistên­ciaaosmeno­res por parte do progenitor, segundo alegações do irmão mais velho da falecida.

“O Mário sempre fugiu de responder às notificaçõ­es desta instituiçã­o. Quando se apercebia que mandariam o problema ao Tribunal, ele arrendava uma casa para a falecida. Uma destas residência­s foi arranjada no bairro Gai, onde viveu com as crianças somente durante seis meses, depois as abandonou novamente”, disse na audiência Pedro João.

Acrescento­u que a sua irmã adoeceu durante cinco anos, sem que o pai dos menores aparecesse, pelo menos para dar o apoio necessário, sendo este o motivo que levou a família a insurgir-se contra Mário Sofia quando este compareceu no óbito, que aconteceu no dia 12 de Maio de 2022.

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EUNICE SUZANA | EDIÇÕES NOVEMBRO Soba Santos V (à esquerda) oferece a um homólogo convidado um garrafão de vinho como símbolo da intenção de manutenção de boas relações
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