Jornal de Angola

Quando morre um esposo e pai carinhoso

- Edna Cauxeiro

Uma morte prematura! Partiu para a eternidade, nasexta- f eira da semana passada, 18, aos 36 anos,um símbolo de força e coragem.

Nagrelha dos Lambas, um artista excêntrico, talentoso, também destemido e carismátic­o era, acima de tudo, um pai de família carinhoso e presente, um esposo dedicado, que amou a companheir­a como Cristo amou a Igreja, um irmão e amigo que partilhava o que tinha com os mais necessitad­os, um homem grato a quem um dia lhe estendeu a mão.

Ver partir tão cedo uma figura tão activa como Nagrelha dos Lambas remet e - nos não s omente à tristeza, mas, sobretudo, ao facto de não estar nas mãos do homem o controlo sobre a vida e a morte.

A sua personalid­ade deixava evidente a força que de si emanava. Era herói para os quatro filhos e super homem para a esposa. Era o Estado-maior do Kuduro, tal como se auto-apelidou e passou a ser chamado pelos angolanos.

Ao vestir-se de trajes que imitavam a farda de um general do Exército Angolano, Nagrelha, que consumia estupefaci­entes desde a sua adolescênc­ia e já esteve envolvido em conflitos com a lei, tendo conhecido, por isso, a privação da liberdade, demonstrav­a um dos seus maiores desejos: ser uma alta patente do Exército.

A música retirou-o do mundo do crime, tornando-o num exemplo de que é possível abandonar as más práticas e trilhar caminhos menos espinhosos. Nesse percurso conheceu a sua Weza, com quem fez juras de amor eterno e a quem amou verdadeira­mente, tendo essa união gerado três filhos, que deixa menores, ao cuidado da viúva.

Foi de partir o coração ver o seu primogénit­o, Mirelson, também músico, que vive com a mãe no exterior do país, banhado em lágrimas, durante o velório, enquanto a viúva, visivelmen­te sofrida, o amparava. Ela, que também necessita de amparo.

O que fazer quando se perde um pai carinhoso e um esposo dedicado à família? Certamente não haverá uma f órmula para arrancar do peito tamanha dor. Nem o tempo é suficiente para repor tão gigantesca perda. Pais e mães deviam ser eternos. Tal como marido e mulher.

Como lidar com a casa vazia depois de um óbito? O que fazer com objectos pessoais da pessoa que partiu? Como criar e educar os filhos sem a presença do pai? Como gerir as emoções quando o dia acabar e o chefe de família nãoregress­ar a casa?

Tristeza e vazio. É o que sente quem já perdeu pessoas queridas. Uma parte do nosso ser morre com quem parte antes de nós. Mesmo sabendo que a morte é o destino de todos.

Nagrelha não vai estar presente quando o filho primogénit­o se formar, nem quando as filhas, que tratou como verdadeira­s princesas, chegarem à mocidade, tampouco quando o caçula perguntar onde está o papá, ou ainda quando os filhos se casarem e formarem família.

Quando um pai presente morre cedo demais, pelo resto da vida osfilhos se entristece­m, a cada conquista ou mesmo derrota.

O anúncio da morte de Nagrelha dos lambas, no dia 18, vestiu Angola de tristeza e luto.não é uma morte qualquer e a manifestaç­ão de carinho dos angolanos de diferentes faixas etárias e extractos sociais mostrou isso mesmo. “Morreu Nagrelha dos Lambas”, ouviase em quase toda a parte. Aos poucos, a esperança de que de um boato se tratava, se esvaneceu, dando lugar à comoção, à compaixão.

Um homem que ganhou o respeito, a admiração, a aversão, o carinho e até a inveja de milhares de angolanos. Ninguém ficava indiferent­e a ele, ao que dizia, à sua voz, ao que cantava e ao que fazia.

Nagrelha, um exemplo claro e vivo da irreverênc­ia, mas também do amor ao próximo, a Angola, ao bairro em que nasceu e aos seus, foi a enterrar na terça-feira, 22 de Novembro, dia consagrado ao Educador. Ele que, por muitos, era considerad­o mal educado.

Uma multidão banhou as ruas de Luanda que dão acesso às imediações do Cemitério de Santa Ana, onde foi sepultado entre choros, gritos, desmaios, ferimentos e mortes. Quem transitou pela zona do mercado dos congoleses até pouco depois das 9h00 da manhã, ainda conseguiu circular dentro de um automóvel, no pouco espaço reservado pelos fãs do artista aos automobili­stas, na estrada. “Nagrelha, amigo, o povo está contigo / Nagrelha, amigo, o povo está contigo…”, gritavam os fãs do kudurista, a plenos pulmões. Mulheres, homens, jovens e até crianças. Todos se fizeram às estradas para homenagear o homem que cantou “Dizumba grande”, “Mexer o bumbum”,“comboio”, “Provou e gostou”, “Killa”, “É rompimento”, “Sobe”, “Dança do 4”, entre outros sucessos que levam os angolanos, mas não só, às pistas de dança.

Quando não arrancasse sorrisos, prendia a atenção pelo espírito de liderança, pelas fortes convicções, pelo jeito determinad­o, pelo orgulho das suas origens e por não se deixar inferioriz­ar ou ridiculari­zar diante de quem quer que fosse.

“Não fala do Zé Du”, disse esse ano, durante uma entrevista, quando sentiu que o seu pronunciam­ento sobre a questão que lhe tinha sido formulada podia ser usado para manchar a imagem de um homem a quem era fiel e grato, por lhe ter estendido a mão quando precisou.

Integrante do grupo Os Lambas,constituíd­o porandeloy e Bruno King, cuja formação, no Sambizanga, permitiu aos integrante­s enveredare­m para o mundo artístico e abandonare­m práticas criminosas, que retiraram cedo do seio dos artistas,o colegaamiz­ade,nagrelha, o Naná da Weza, moça bonita que se revelou companheir­a e amiga do seu amado marido, apesar das más línguas que nunca acreditara­m no amor entre o casal, era dono de um carisma que sempre prendia a atenção do público.

Em espectácul­os, actuava em último lugar, porque nas vezes em que subia ao palco antes dos demais artistas, dava ordem aos fãs, no fim da sua actuação, para que o seguissem. E assim acontecia. Mal terminasse a actuaçãode Nagrelha, o público seguia-o. A fama de ex-delinquent­e e usuário de estupefaci­entes contrastav­a com a postura tranquila que o artista exibia publicamen­te.

“Me provou e gostou / provou e gostou / provou e gostou / por ser assim me colou…”, cantou Nagrelha, numa mensagem que remete ao amor próprio, à auto-estima e ao orgulho de ser quem era. Sem dúvida,a melhor das várias mensagens deixadas em cada música do irreverent­e e destemido kudurista. Vai em paz, Nagrelha dos Lambas, Estado-maior do Kuduro. “Deixa a tua mulher e os teus filhos com saúde”, tal como pediu numa mensagem de homenagem a ti o teu colega e amigo Andeloy.

Que Deus, na Sua infinita bondade, te receba no Seu manto sagrado e que possas dançar, eternament­e, ao som de “Comboio”em companhia do teu irmão Amizade.

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