O “processo de Nairobi” e o isolamento do M-23
Depois de Luanda, cuja minicimeira que reuniu o Presidente João Lourenço, o Presidente da República Democrática do Congo (RDC), Félix Tshisekedi, do Burundi, Evariste Ndayishimiye, o ex-presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Rwanda, Vincent Biruta, e produziu o importante comunicado final, segue-se agora em Nairobi a chamada III fase das negociações, no quadro do diálogo intercongolês. Trata-se de uma iniciativa que teve início na segunda-feira para a qual seguiram os representantes dos grupos rebeldes congoleses, com excepção do M-23, que ao que se diz, preferiu boicotar o encontro em que participam também, de forma distinta, delegados de numerosas organizações da sociedade civil que se batem a favor do direito das mulheres. Mas diz-se também que o boicote se deveu a pressão de Kinshasa, que não quer mais dialogar com o M-23.
A primeira fase teve lugar em Abril deste ano e envolveu mais as lideranças e, na altura, um dos objectivos passava pelo aquartelamento, desarmamento, desmobilização e reintegração dos elementos das milícias nas Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC). Cerca de dois a três meses, decorreu a segunda fase em que as partes convencionaram engajar as representantes de organizações que defendem as mulheres, encaradas como entes com uma palavra a dizer nos processos internos de gestão e resolução de conflito.
O encontro começou desequilibrado, com a ausência do principal grupo rebelde, o M-23, sem o qual dificilmente se poderá encontrar a paz, independentemente da agenda das lideranças regionais, cujo roteiro de Luanda prevê, entre as várias medidas a adoptar, o peace enforcement.
Esta terceira fase das negociações do diálogo intercongolês, cuja sessão de abertura foi dirigida pelo Presidente do Burundi e actual líder da Comunidade da África Oriental, Evariste Ndayishimiye, e Uhuru Kenyatta, o facilitador deste processo de paz pela Comunidade da África Oriental África Oriental (EAC), em que a União Africana e as Nações Unidas participam como observadores, pecou pela falta de inclusão.
No Safari Park Hotel, em que decorre o encontro, as expectativas são reduzidas em função do actual clima de exclusão e de hostilização por que passam as populações congolesas rwandófonas no Leste do país, mais concretamente na província do Kivu Norte, Kivu Sul e Ituri, e mesmo noutras partes da RDC, ao lado do que começa a emergir como posição oficial do Governo da RDC, de rejeitar liminarmente qualquer diálogo com os elementos do M-23.
Para o presidente da Comunidade da África Oriental, o Chefe de Estado do Burundi, Evariste Ndayishimiye, e para Uhuru Kenyatta, o facilitador deste processo de paz pela Comunidade da África Oriental África Oriental (EAC), seria melhor que, independentemente do actual quadro político e militar, traduzido na ocupação de cidades congolesas, como Bunagana, Rutshuru e Kiwanja, por parte do M-23, as autoridades congolesas não fechassem as portas do diálogo.
A um alto funcionário diplomático burundês, citado pela imprensa queniana, atribui-se o seguinte pronunciamento: “as autoridades congolesas deviam entender que, mesmo na eventualidade e possibilidade de encurralarem o M-23, com a ajuda das forças dos países vizinhos, seria muito perigoso fechar todas as portas e janelas”.
A forma como o M-23 reagiu ao comunicado final da Minicimeira de Luanda, em que elogia a iniciativa e se predispõe a cooperar na medida em que, segundo o porta-voz do grupo, Kinshasa o fizer, devia também servir para que as iniciativas de Luanda e de Nairobi encorajassem as autoridades da RDC a repensar o posicionamento actual.
Insistir que o M-23 é “um grupo terrorista”, que “é um simples prolongamento do expansionismo rwandês”, que deve abandonar o território congolês e esperar que os países vizinhos, ao desdobrarem homens e meios, resolvam o problema do Leste, é tão irrealista quanto irresponsável da parte da RDC.
A existência de um quadro político interno, na RDC, por via do qual o Governo do Presidente Félix Tshisekedi e os representantes do movimento liderado por Bertrand Bisimwa e de outras milícias sejam capazes de resgatar os aspectos importantes dos acordos anteriores, desde Sun City, África do Sul, 2003, Goma (cdfapital do Kivu Norte, RDC), 2009 e Nairobi, 2012, devia ser prioridade.
Todos eles visavam basicamente as mesmas coisas, ou seja, o aquartelamento das milícias, desarmamento, integração e reintegração dos elementos das milícias nas FARDC, ao lado de iniciativas políticas que visariam desencorajar as actos discriminatórios contra os congoleses rwandófonos, também designados de banyamulengues.
É preciso recordar que a primeira vaga de tutsis vindos do Rwanda, que encontrou abrigo do outro lado da fronteira, atravessou os limites fronteiriços dos dois territórios sob o domínio do mesmo colonizador, o Reino da Bélgica, no século XIX e estimavam-se em 30 mil.
Duzentos anos depois e independentemente das jogadas políticas actuais, é óbvio que a sociedade congolesa em geral e o Governo da RDC em particular, hoje liderado por Félix Tshisekedi, não pode repetir os erros dos três predecessores, que encararam sempre os congoleses rwandófonos como estrangeiros que deviam abandonar o território da RDC. Aliás, vale lembrar que em 1981, o Presidente Mobutu tinha decretado a naturalização de todos os tutsis que se tinham instalado nos planaltos das províncias do Kivu Norte, a partir de 1885, vindas do Rwanda, a que se juntaram os “imigrantes económicos” vindos do Burundi.
Tratam-se de cidadãos congoleses, independentemente das ligações linguísticas e culturais que as interligam com os países vizinhos, como de resto sucede com a maioria dos povos fronteiriços em toda a África, cujos limites herdados da colonização produziram a realidade que existe hoje e que os Estados precisam de gerir da melhor maneira possível.