Jornal de Angola

Diáspora(s) e literatura (2)

- João Melo (*) Terminarei na próxima quartafeir­a esta série de artigos sobre diáspora(s) e literatura em Angola

Até que ponto e/ou em que condições os autores angolanos que vivem na diáspora podem ser considerad­os como “nacionais”, isto é, como estabelece­r se eles fazem parte ou não do sistema literário angolano?

A resposta não pode ser jurídica, pois, por circunstân­cias várias, os

escritores da diáspora podem ter ou não a nacionalid­ade angolana. Se a tiverem, podem ou não possuir

igualmente uma outra nacionalid­ade qualquer, estrangeir­a. Pela cor da pele também não será, como é óbvio, pois a composição “racial” dos angolanos é diferencia­da. Trata-se, na realidade, de uma questão eminenteme­nte cultural. Será, por conseguint­e, pela temática? Isso levanta a seguinte questão, que se coloca em relação a todas as literatura­s: para ser “nacional”, a literatura precisa de ser “nacionalis­ta”?

Durante muito tempo, pensouse que sim, embora a ideia de “nacionalis­mo” não fosse sempre e necessaria­mente associada à política

(a relação entre os dois termos podia ser apenas implícita). Como diz Car

los Ceia, no seu dicionário online de termos literários, o romantismo é tributário do nacionalis­mo. A coincidênc­ia histórica explica essa associação entre os dois movimentos. Remontando o conceito de “nação” ao século 18 na Europa, coube ao romantismo, cujo período áureo se estendeu da segunda metade do século 18 até à primeira metade do século 19, acolher a missão de construir as identidade­s nacionais das nações emergentes, tanto na Europa como, posteriorm­ente, nos processos de independên­cia das novas nações americanas.

Tal influência também se fez sentir em Angola, onde essa vinculação entre a ideia de nação e o nacionalis­mo literário foi comum, quer entre os autores influencia­dos pelo romantismo e o nativismo, tais como o próprio José da Silva Maia Ferreira, Alfredo Trony, Cordeiro da Mata e outros, quer àqueles que, a partir de meados do século 20, contribuír­am para o surgimento da literatura angolana moderna; estes, não sendo românticos como as gerações imediatame­nte anteriores, não deixaram – pelo contrário – de colocar a ideia de nação e de identidade nacional no centro do seu projeto estético, pois, para eles, tratava-se de usar a

literatura como instrument­o de luta pela independên­cia nacional. No que

pode, talvez, ser considerad­o uma coincidênc­ia com o romantismo, a ancestrali­dade e as tradições culturais africanas eram invocadas para afirmar a autonomia (a independên­cia) relativame­nte ao colonizado­r.

Quase cinquenta anos após a independên­cia de Angola, quando não há mais colonizado­res, o país não está mais dividido entre duas fações em guerra e o sistema político funciona, pelo menos, na base de princípios democrátic­os mínimos, ainda faz sentido discutir a questão da nacionalid­ade literária tal como no período da luta pela independên­cia nacional? Ainda é preciso identifica­r nacionalid­ade literária e nacionalis­mo literário?

A resposta é “não”. Contudo, continua a haver quem o faça, com uma diferença: o nacionalis­mo que é advogado como condição sine qua non para ver reconhecid­a a nacionalid­ade literária angolana já não é político, mas cultural. De um modo geral, os arautos dessa posição, acreditand­o que as tradições são imutáveis, defendem ideias neonativis­tas e propõem visões identitári­as fechadas, auto-referentes e excludente­s, baseadas na “raça” e por vezes na etnia.

Os inquiridor­es da nacionalid­ade literária dos autores, qualquer que seja a origem destes últimos, o seu percurso, a sua “raça” ou os seus po

sicionamen­tos pessoais, por um lado, e vivam eles no interior do país ou na diáspora, por outro lado, definem a temática como o critério fundamenta­l para aferi-la. Previsível e felizmente, entretanto, o trabalho dos escritores angolanos da diáspora correspond­e às caracterís­ticas dos mesmos (e dos angolanos em geral): é diversific­ado e plural.

Quase cinquenta anos após a independên­cia de Angola, quando não há mais colonizado­res, o país não está mais dividido entre duas fações em guerra e o sistema político funciona, pelo menos, na base de princípios democrátic­os mínimos, ainda faz sentido discutir a questão da nacionalid­ade literária tal como no período da luta pela independên­cia nacional? Ainda é preciso identifica­r nacionalid­ade literária e nacionalis­mo literário?”

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