Jornal de Angola

Mussunda Amigo

- António Quino

“Me chamam lá Mano Mussá. Minha mãe me deu nome Mussunda através dum puema do Manguxi. Só sabia de ouve falá. Mas parece um carcamano salvou mô pai do abraço da jibóia. Nome do gajo se chamava também Mussunda. Minha mãe falou vamos dar nome do vizinho que te salvou da morte. Mô pai fitucou lá um bocadidinh­o através do tala Mussunda ser pretendent­e da minha mãe na infância deles. Pronto. Fiquei mêmo Mussunda nas amizades. Agora que tou cacimbado da vida, virei Mano Mussá.

No Zengá, tudos miúdo me conhece. Falam só fiticero, mas nem lis ligo só. Se chatiavam adevido do mô beloi malé branco tipo leite da cabra. Como desgosto prubulema, cortei mbora e agora ando ansim careca careca, na minha pustura de mais velho muito jovi.

Tudos sabe que tenho um tereno bem grande. Mais maior até que o tereno do diministra­dor da centralida­de. Tudos sabe que o mô primo que tava lá a tomá conta já moreu. Lhe levaram na maiombola. Ele num era o dono do tereno. Limprestei pr’ele tomá conta. Mas lavisei pra nem levantá lá quarquera cuesa. Mandioquer­a, bananera ô tomatero podia pô no tereno. Isso perduava eu cum ele. Agora, essas cuesa de manguera, figuera nem já, nem já. Só que o gajo, ingrato duma figa, dicidiu meté no mô sítio que lemprestei um pilar de pau enormement­e grande, mais maior grande que arguma vez já vi na vida. Meteu lá uma mafumeira, o sacana, com casa de broco de quintar tudo ajuntado.

Discuti cum ele pra me diminizá pruque tereno imprestado num é ofertado. Nanani nanana. É pra devolvé memo. Ele me deu mbora minha razão, mô primo boa pissoa, malaconsel­hado pela mulhé dele, aquela matumba que num via que já istava na cidade. Faz inda cuesa parece tá no mato. Até ngulo e ngarinha inda cria no apertament­o do Kilamba. Só li mandaram intão tomá conta do apertament­o aleio. Ôtras vizinha dela cria pato, cabrito, cuélio e até serpente cum macheza.

Cunversamo muito cum aquele mô primo. Pissoa de bem. Mãe dele le pôs nome do prisidente Mandela pra ele saproveita. Mas a guera li robô tudos sonho. Nas nossa cunversa, cum kitoto da velha Mulaza na foia, coreu muito bem, muito bem. E ambos nós os dois junto gostamo. O mô tereno ele ia devolvê.

Aquele intindimen­to do tereno tinhamo de abençoá. Naquela lua, fomo na virgília da jingelejá do Santo Antonho e pedimo no Nzambi pra nos portegé. Tavamos caminhá pro nosso sonho.

Essas cuesa de tereno é muito cumpricado e divide família. Havia um mô vizinho de tereno muito vigarista, que era coordenadô. Fartador do ruspeto aquele sinhore. Mas li deram já uma queda, uololó. Agora tá bom, já num rôba ninguê. Gostava de vendé as lavra das mamã. Umas mamã iam na Santana, ôtras na Muxima e ôtras ia onde num sei. Umas mamã do Caxito também encontrara­m lavra dele foi, hum! Prubulema grande ele aranjó. Só através de dinhero. Dinhero caba, pai. Dinhero caba. Basta só vucê mexé, pronto, cabô. Dinhero bom a pissoa tem que meté o calóre no chão. Aquele, Nzambi vai te dá bênção. É dinhero de construí, de comprá cardeno pras criança. Agora esse dinhêro que você burla ôtro, hoje passa aí vende numa pissoa e amanhã vende nôtra pissoa! Sete mês depôs vende mais nôtra pissoa.

Quando a coitada vem, chora, chora pruque dinhero foi e tereno nem já. A manera que fizeram dona Maria aí, aúa! Aquilo se era comigo iam me sentí. E a coitada tem memo ducumentu e tudo. Esses soba aqui num sei se receberam fitiço deles aonde, num sei. Tem ducumentu e tudo aquela dona Maria. Tamém ela é bura. Se fosse comigo iam ver só. Ôtro bandido é o chefe da defesa civir aqui do bairo. Ele é um grande sabotador, aquele hóme. Quando apanha um gatuno ele é que trefona já na polícia. Nem dêxa só le purradar na medida. Onteonte apanharam um aí. Esperaram já a polícia. Até zero hora polícia nada. Parece gatuno tinha direito dele de esperá só um bocado. Como polícia nada, ele recramô: falô da bíbria, do testamento e até da lei constitui quarquera cuesa. Gajo muito sabido, aquele gatuno. O chefe Ôdepê ficô cum medo quando o gatuno falô de tribuná. Dêxaram o hóme. O gajo sobreviven­te da Ôdepê disse eu num só curpado.

Quem que me vendeu esse tereno num me faló que tem dono. Mas ele é bandido. Se sabe que tem ducumentu, vem trabalhar a noite prucausode­quê? Vucê só vê já muitas máquina a entrar a noite no bairo. A noite arguma vez se trabalha no tereno? Quem faz isso é fiticero, sim!

Às vez, umas píssoa vucê vê tão li cumé os filho. As vez é através do pecado dos pai. E os mô subrinho num sabe dessas cuesa. Só querem me burlá o mô tereno pruque o pai deles moreu onti e os mô subrinho num querem sabé do acordo que acordei cum pai deles antes de ser comido repentinam­ente por uma duença aleia que até hoje ninguém ainda já viu.

O ió Kalunga ua mu bangelele- lelé!

O ió Kalunga ua mu bangelele- lelé.

Eles falaram mafumêra é do meu pai e tereno é do tio. Tio leva tereno e dêxa mafumêra do meu pai. Disgostei aquilo. Perderam ruspeto da tradição, esses pentelho dum raio. Intão, falam assim no tio, mais velho do pai deles? sem ruspeto? Quando chegaram do mato esquindiva­ndo da guera, lis dei um tereno pra num ficá no ar lento. Pentelhos! O tereno é meu. Pai dêxá herança pros filho de homem e não pros filho do primo. Eles são môs subrinho. Tenho filhos de hóme e eles pode me pôr na maiombola através disso, matirá argum fitiço de pôr pissoa maluca a andar nu em piloto na rua. Inda se é filho da irmã tá mbora muito bom, pruque filho da irmã é nosso filho.

Esses matumbinho­s me mandaram pra levá o mô tereno? Pissoa aonde vai leva tereno cum ele? Onde já se viu isso? Tereno num sai do lugá. Esses meiúdo vão vé só. Eu já é que sô o buro, né? Sacanas dum raio! O tereno é meu e inda me falam nhoco nhoco. Tenho curpa se pai deles num ruspetô o acordo que tínhamo sacordado quando limprestei tereno pra ele num ficá no ar lento com a família dele quando veio da província adevido da guera que se passô no país e lis fez fugi disperso?

Fui lecramar nos subrinho e me purradaram, me baçularam, matiraram no chão e minframara­m. Família maconselhó pra num chamá polícia e nos môs filho falei gatuno passó na nossa casa. Mas juro memo que tô desgostado. Sem surução. Num tou pensá lançá praga. Só pai e essas cuesa tem força. Mas esses subrinho, esses subrinho! Num quero rogá praga, mas eles vão vê só! Aquele tereno eu li quero pra levantá lá mô quarto e sala e num ir pará no Beirá, como o zotro velho cacimbado da vida deles.

Me chamam Mano Mussá. No Zengá tudos miúdo me conhece. E sabem que tenho um tereno. Que é meu, mas num tá comigo.

Que chatice esses mô subrinho me traz!

Faço como intão, se na nossa tradição num se deve quêxá subrinho na polícia?

O ió Kalunga ua mu bangelele- lelé!

O ió Kalunga ua mu bangelele- lelé.”

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